Cúpula das Américas e o fim do boicote à ilha
José Renato Salatiel*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
O embargo comercial à Cuba de Fidel Castro e Raúl Castro já dura quase meio século. Símbolo da Guerra Fria, o bloqueio perdeu a razão de existir com o fim da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), mas sua suspensão não será tão simples assim. Contudo, os primeiros passos foram dados com a recente eleição de Barack Obama.
Durante a campanha, Obama prometeu uma política de reaproximação e, no último dia 13 de abril, anunciou o fim das restrições de viagens e a remessa de dinheiro (antes, as viagens eram limitadas a apenas uma ao ano e os depósitos, a US$ 1,2 mil anual por pessoa [R$ 2,6 mil]). As medidas beneficiam 1,5 milhão de exilados que possuem familiares na ilha.
Cúpula das Américas e Revolução cubana
O assunto, entretanto, foi uma das principais causas de divergência na 5ª Cúpula das Américas, encerrada no último dia 19 de abril em Port of Spain, capital de Trinidad e Tobago. O encontro reuniu 34 países americanos, com exceção de Cuba.
As nações participantes da reunião reivindicavam, além do fim do boicote, a reinclusão de Cuba na OEA (Organização dos Estados Americanos).
Quais são as dificuldades para vencer esse desafio? Que fatos motivaram o fim das relações entre Washington e Havana, que permanece por quase 50 anos, e faz vigorar um verdadeiro entulho do século 20?
Antes de Fidel Castro, Che Guevara e o Exército Rebelde entrarem vitoriosos na capital cubana, o país era uma espécie de "Las Vegas caribenha". Máfias americanas exploravam cassinos, bordéis e o turismo local. O país era governado há 25 anos pelo ditador Fulgencio Batista, aliado dos Estados Unidos.
A Revolução Cubana fez da ilha a mais antiga experiência de regime socialista no mundo, a despeito da queda da URSS e da abertura da China. O que pouca gente sabe é que, após assumir o poder em 1º de janeiro de 1959, Fidel defendeu a democratização, incluindo eleições gerais em Cuba.
Meses depois, com a nacionalização de refinarias de petróleo americanas e o alinhamento ao bloco soviético, Cuba declarou-se comunista. A partir de então, o país começou a sofrer retaliações econômicas dos Estados Unidos, até o decreto do embargo total anunciado em 7 de fevereiro de 1962, logo após o rompimento das relações diplomáticas entre as duas nações.
Na prática, o embargo suspendeu todas as importações e exportações entre os países, provocando dois efeitos sobre Havana: um econômico, comprometendo o crescimento da ilha, que importa 80% de tudo que consome; e outro ideológico, pois garantiu ao comandante Fidel um inimigo que pudesse culpar pelas mazelas do país.
Celulares
Mesmo com todas essas dificuldades, Cuba, com 11,4 milhões de habitantes, ocupa a 51ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU (Organização das Nações Unidas), que mede o grau de desenvolvimento dos países. Em comparação, o Brasil está em 72º lugar.
Os cubanos também são conhecidos pela qualidade de primeiro mundo nas áreas de saúde e educação (a taxa de analfabetismo é quase zero). Por outro lado, sofrem perseguição política, faltam direitos civis e liberdade de imprensa (até a internet é censurada).
Com o colapso na antiga União Soviética, que subsidiava o regime castrista, o país entrou em recessão no começo dos anos de 1990, adotando medidas de racionamento e reformas econômicas. Doente, Fidel se afastou do poder em 2006, até que em fevereiro de 2008, após 49 anos no cargo, entregou a presidência ao irmão, Raúl Castro.
Uma das ações do novo presidente foi permitir aos cubanos a compra de computadores e celulares, apesar dos preços serem proibitivos para a maior parte da população.
Direitos humanos
A retomada da diplomacia entre Estados Unidos e Cuba encontra resistência de ambos os lados, fruto de ressentimentos de décadas.
As hostilidades entre as nações foram além do embargo, a ponto de, durante os anos de 1960, a CIA promover várias tentativas de assassinar o líder cubano.
A situação piorou na administração de George W. Bush, mas atualmente Obama tem interesses políticos em estreitar as relações com a América Latina. Também existem empresas multinacionais que querem o término do embargo para estabelecer contatos comerciais com Cuba.
Para que isso ocorra, é preciso aprovação do Congresso americano, uma vez que o embargo foi transformado em lei nos anos de 1990.
Além disso, a Casa Branca quer, como contrapartida nas negociações, que Cuba apresente avanços concretos na questão dos direitos humanos, abertura à imprensa e democracia.
A violação dos direitos humanos é um dos maiores estigmas do governo de Fidel. Estimam-se entre 15 mil e 18 mil as execuções ocorridas desde a revolução. O número de presos políticos, até 2008, era de 205 (29 a menos que no ano anterior), segundo a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional.
A respeito disso, é preciso lembrar que a história recente dos Estados Unidos é repleta de atos de violação à privacidade dos cidadãos, prisões ilegais e tortura de suspeitos de terrorismo, inclusive na base militar de Guantánamo, localizada em território cubano.
Miami
Outro elemento importante no debate é comunidade de exilados cubanos em Miami, uma espécie de "segunda Cuba". Eles formam uma importante parcela do eleitorado da Flórida (decisiva para a eleição de Bush em 2000), radicalmente anticastrista, que o governo norte-americano evita contrariar.
Uma consulta popular divulgada recentemente pelo jornal Miami Herald revelou que 64% dos cubanos que vivem na Flórida apoiam as iniciativas do presidente dos Estados Unidos para melhorar as relações com Cuba, enquanto 27% são contrários. Isso revela uma mudança da posição da comunidade, mais favorável ao diálogo.
Já em Cuba, a preocupação é com possíveis mudanças culturais, provocadas em parte pelo fluxo de conterrâneos de Miami, que vivem uma realidade de consumo distante da população da ilha. E, mais do que isso, temem-se profundas transformações políticas.
A era pós-Fidel e a era Obama, no entanto, são promissoras no sentido de mudar os rumos da história de Cuba.
Saiba mais
* "Che" (2009): a primeira parte do filme que conta a vida do líder revolucionário Che Guevara mostra os momentos que antecederam a Revolução Cubana.
* José Renato Salatiel é jornalista e professor universitário.
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