26 de abril de 2009

Revolução Acreana

Bolívia e Brasil disputam o Acre
Rodrigo Gurgel*


Convencionou-se chamar de Revolução Acreana a revolta dos seringueiros que, no início do século 20, ocupavam o atual Estado do Acre, àquela época pertencente à Bolívia. Insurgindo-se contra o governo boliviano, que cedera todo aquele território ao truste anglo-americano Bolivian Syndicate, os seringueiros proclamaram a independência da região, dando início à disputa diplomática que passou à história com o nome de Questão do Acre.

Antecedentes históricos
Para entender as causas da rebelião e da conseqüente compra do Acre pelo Brasil, faz-se necessário retornar ao século 18, quando o bandeirismo já havia dilatado o horizonte geográfico brasileiro nas direções norte e oeste, muito além do estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, ocupando terras de posse espanhola, fato que se tornaria matéria dos tratados de Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777).

Mesmo com a criação, em 1751, da nova capitania real de Mato Grosso, não houve qualquer estímulo governamental no sentido de se povoar o Extremo Oeste, inclusive porque a política econômica do império estava voltada exclusivamente à exportação do café. Uma colonização espontânea - entre o Noroeste e o Norte - teve início apenas quando o interesse mundial despertou para os seringais que se estendiam por toda a região.

Sertanistas e aventureiros passaram, então, a explorar a Amazônia, desconhecendo se os territórios a oeste pertenciam ao Brasil, ao Peru ou à Bolívia, e abrindo caminho a sucessivas ondas migratórias.

Disputas pela borracha e soberania boliviana
A penetração dos colonos brasileiros e a crescente importância da borracha no comércio internacional despertaram o interesse da Bolívia, que solicitou uma demarcação precisa das fronteiras entre o seu território e o Brasil. Após várias negociações, em 1867 assinou-se o Tratado de Ayacucho, que ampliava o território brasileiro, mas reconhecia o uti possidetis boliviano sobre a região do atual Estado do Acre. Ou seja, admitia a legalidade e a legitimidade do poder exercido pela Bolívia naquela extensão de terra fronteiriça.

No entanto, à medida que o preço da borracha subia, os seringais multiplicavam-se, seguindo o contorno dos rios Acre, Purus e, mais a oeste, do Tarauacá. E as migrações cresceram ainda mais quando uma prolongada seca expulsou levas de cearenses do interior nordestino. Na verdade, a corrida da borracha assumiu proporções semelhantes às da busca por minas de ouro, no século 18.

Apesar dos limites fixados em 1867, os brasileiros seguiam penetrando no rumo oeste, rompendo a fronteira com a Bolívia numa larga extensão. Diante do agravamento do problema, Brasil e Bolívia concordaram, no ano de 1895, em nomear uma comissão que estudaria a ratificação do Tratado de Ayacucho. Pouco tempo depois, o Brasil reconheceria, novamente, a soberania boliviana na região.

Assim, em 1899, os bolivianos estabeleceram um posto administrativo em Puerto Alonso, cobrando impostos e lançando taxas aduaneiras sobre as atividades dos brasileiros.

Começa a revolta
A reação, no entanto, não se fez esperar: os seringueiros, alheios às tramitações diplomáticas, julgaram lesados seus interesses e iniciaram movimentos de contestação e rebeldia.

Em abril, um advogado cearense, José Carvalho, liderou uma ação armada, que culminou na expulsão das autoridades bolivianas. Logo depois, a Bolívia estabeleceu negociações com o Bolivian Syndicate. A idéia era conceder poderes excepcionais ao truste anglo-americano, que poderia não só monopolizar a produção e exportação da borracha, mas também cobrar impostos e atuar com poderes de polícia. Era a forma encontrada pela Bolívia para controlar, definitivamente, a região.

O governador do Amazonas, Ramalho Júnior, informado do ajuste por um funcionário do consulado boliviano em Belém, Luis Gálvez de Arias, enviou-o à frente de contingentes militares para ocupar Puerto Alonso. Gálvez proclamou, então, com o apoio dos seringalistas, a independência do Acre, tornando-se seu presidente. Sob protestos da Bolívia, Campos Sales, presidente do Brasil na época, extinguiu a efêmera república em março de 1900.

Por fim, em julho de 1901, o governo boliviano firmou contrato com o Bolivian Syndicate. O congresso brasileiro, agindo de maneira demagógica, considerou o ato arbitrário e adotou represálias: cancelou convênios de comércio e navegação entre os dois países e suspendeu o direito de trânsito para a Bolívia.

Ao mesmo tempo, os seringueiros organizaram uma investida armada. As operações foram chefiadas por José Plácido de Castro, um gaúcho que participara da Revolução Federalista. Os revoltosos ocuparam a Vila de Xapuri e prenderam as autoridades bolivianas. Depois, atacaram Puerto Alonso, proclamando o Estado Independente do Acre. Poucos meses depois, no início de 1903, o exército boliviano capitulou e Plácido de Castro foi aclamado governador do Estado Independente do Acre.

Solução diplomática
Informado, entretanto, de que a Bolívia preparava um ataque maciço contra a região, o barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, decidiu intervir e passar a disputa para o âmbito diplomático.

O problema com o Bolivian Syndicate se resolveu mediante a indenização de 110 mil libras esterlinas, para que ingleses e norte-americanos desistissem do contrato. A seguir, foram restabelecidas as relações comerciais com a Bolívia.

Das conversações subseqüentes resultou que a Bolívia cederia ao Brasil uma área de 142.800 km2, em troca de 2 milhões de libras esterlinas. O Brasil, por sua vez, comprometia-se a construir uma estrada de ferro, a Madeira-Mamoré, a fim de garantir o escoamento da produção boliviana pelo rio Amazonas.

Assinou-se, então, o Tratado de Petrópolis, em novembro de 1903, colocando-se um ponto final na Questão do Acre.
*Rodrigo Gurgel é escritor, crítico literário e editor de "Palavra", suplemento de literatura do Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique (edição virtual).

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