Quem foi e o que fez Bento Gonçalves?
Alexandre Bigeli*
Os brasileiros do Rio Grande do Sul celebram no dia 18 de julho o aniversário da morte de Bento Gonçalves (1788/1847). Ele foi um dos mentores da Revolução Farroupilha, ou Guerra dos Farrapos, um grande movimento que sacudiu o sul do país durante o período em que o Brasil era governado por regentes (1830/1845), até que o herdeiro do trono, Dom Pedro 2º, completasse a maioridade.
Quem leu o livro "A Casa das Sete Mulheres" (ou assitiu à minissérie exibida no começo de 2003 pela Rede Globo de Televisão) tem uma idéia da dimensão do protesto e da mobilização popular contra as arbitrariedades do governo imperial. O termo "farrapo" vem de "esfarrapado", palavra do português aracaico usada para ridicularizar os simpatizantes das idéias liberais.
Também conhecido como Guerra dos Farrapos, o movimento partiu basicamente da elite rio-grandense, seguidas vezes prejudicada pela política fiscal do Império. A base da economia gaúcha era a produção da carne sob forma de charque. Buscando aumentar sua arrecadação, o governo imperial aumentou muito a taxação sobre este e outros produtos sulistas, como couro e erva-mate.
Além disso, havia a questão militar. Os rio-grandenses eram preteridos na escolha dos oficiais que combatiam nas guerras do período, como a da Cisplatina, contra o Uruguai e a Argentina. O que incomodava os gaúchos era o fato de os soldados sulistas morrerem nos campos de batalhas enquanto eram comandados por oficiais enviados pela capital.
Para completar, o Rio Grande do Sul recebia poucos investimentos imperiais, como a construção estradas e a manutenção de serviços educacionais, mesmo sendo uma província rica e estratégica. Isso irritava a população local, que tanto contribuiu para o Império nas guerras.
República Rio-Grandense
A insatisfação era enorme e artingiu um ponto de rompimento. Em 1835, o combatente Bento Gonçalves comandou a tomada da capital da província, Porto Alegre, dando início a uma série de combates entre os gaúchos e as forças imperiais. Em 1836, os farrapos proclamaram a República Rio-Grandense e aclamaram Bento Gonçalves como presidente. Porto Alegre continuava nas mãos do Império, mas a maior parte do Rio Grande do Sul era controlada pelos farrapos, que também se infiltravam em Santa Catarina. Os combates persistiam.
Entre 1837 e 1839, o imigrante combatente Giuseppe Garibaldi assumiu o comando militar dos farrapos e decidiu enfrentar o Império pelo mar. O estaleiro dos rebeldes, que ficava na Lagoa dos Patos, no sul do Estado, foi atacado pela marinha imperial, o que provocou um dos lances mais impressionates da história militar: os barcos farrapos foram transportados por terra até Tramandaí (litoral do RS).
Foram 80 km de travessia sobre troncos de árvore. A partir daí, os farrapos organizaram suas forças marítimas e desferiram um vigoroso ataque à Laguna, em Santa Catarina. A vitória estimulou os farrapos a expandir o movimento, transformando Santa Catarina na República Juliana.
A série de grandes vitórias farroupilhas teve vida curta. Entusiasmados, eles tentaram conquistar a Ilha do Desterro (atual Florianópolis), mas foram surpreendidos por forças imperiais. Na batalha, perderam muito arsenal de guerra. Entre 1840 e 1841, com muito mais recursos, o Império lançou contra-ataques vigorosos no Rio Grande do Sul, obrigando os farrapos a transferir diversas vezes a capital de sua república, inicialmente em Piratini. Isso afetou a organização militar e civil do movimento. Bento Gonçalves começou a cogitar a rendição dos farrapos.
Duque de Caxias
Em 1842, o Império nomeou Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, como presidente da província do Rio Grande do Sul. Convém lembrar que o Império jamais reconheceu a República. Além das armas, o Duque usou a política para derrotar de uma vez por todas os farrapos.
Lima e Silva criou intrigas entre os comandantes da revolução, aproveitando as dificuldades de comunicação entre Bento Gonçalves e os outros líderes. Isso desarticulou o movimento. Obteve vitórias militares que empurraram os rebeldes até a região fronteiriça com o Uruguai. Além disso, o Duque de caxias determinou que as populações das cidades recuperadas fossem bem tratadas pelas tropas e pela nova administração, o que contribuiu para reduzir a resistência contra o Império.
Progressivamente, Bento Gonçalves foi perdendo poder dentro do movimento, cada vez menos capaz de oferecer resistência ao Império. A paz foi selada em 1845, após acordo não totalmente desfavorável aos rio-grandenses.
O Duque de Caxias foi escolhido pelos gaúchos como presidente da província. O Império assumiu as dívidas que o Rio Grande contraiu enquanto república independente. Os oficiais gaúchos mantiveram no exército imperial os postos que tinham na organização militar rebelde. Os prisioneiros de guerra foram libertados, assim como os escravos que lutaram na guerra. Na economia, os gaúchos conseguiram que o charque importado fosse sobretaxado em 25%.
Não podemos esquecer que a Revolução Farroupilha foi longa (1835-1845) e contou com ampla mobilização devido à sua origem elitista. Por outro lado, outras revoltas do período regencial, como a Cabanagem, no Pará, e a Sabinada, na Bahia, nasceram do povo, descontente com a escravidão ou com as péssimas condições de vida. Mas essa é outra história.
*Alexandre Bigeli é jornalista e professor
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