Recessão e reeleição
Renato Cancian*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Fernando Henrique Cardoso ocupou o cargo de ministro da Fazenda no governo Itamar Franco. A estabilidade econômica e o controle da inflação advindas com o Plano Real abriram caminho para sua candidatura à Presidência da República.
Sua candidatura foi efetivada pela aliança partidária formada majoritariamente pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL). Fernando Henrique, sociólogo e respeitado intelectual, elegeu-se presidente no primeiro turno com 55 por cento dos votos válidos.
Popularmente chamado de FHC, Fernando Henrique assumiu a presidência em 1º de janeiro de 1995. A ampla aliança partidária que sustentou a candidatura e o governo possibilitou ao novo presidente contar com uma sólida base de apoio parlamentar. Isso permitiu a continuidade da política econômica e a aprovação de inúmeras reformas constitucionais.
Continuidade do Plano Real e reforma do Estado
No que se refere a essas reformas, o governo conseguiu que o Congresso Nacional aprovasse a quebra dos monopólios estatais nas áreas de comunicação e petróleo e a eliminação de restrições ao capital estrangeiro.
Paralelamente, o governo executou uma ampla política de privatização de empresas estatais. Projetos de mudanças mais consistentes na estrutura e no funcionamento do Estado brasileiro foram encaminhados a partir da discussão das reformas tributária e fiscal, previdência social e direitos trabalhistas.
O governo Fernando Henrique Cardoso argumentava que essas reformas e mudanças administrativas tinham por objetivo fomentar a modernização das estruturas estatais para sustentar o desenvolvimento econômico e a integração do país ao mercado mundial.
A política econômica teve continuidade com o Plano Real. A nova moeda, o real, manteve-se estável e em paridade com o dólar americano. A inflação ficou sob rígido controle. Porém, o prosseguimento do Plano Real ocasionou uma brutal recessão econômica que se refletiu nos baixos índices de crescimento da economia e desemprego em massa.
Todos os setores da economia foram afetados. Os grandes centros urbanos, onde se localizavam importantes parques industriais, foram mais afetados pelo fechamento de fábricas, comércio e quebras de bancos.
Oposição versus Governo
A crise do desemprego foi uma das marcas mais negativas da gestão Fernando Henrique Cardoso. No Congresso Nacional, as oposições, porém, não tiveram forças para se opor a política governamental. Acusaram o governo Fernando Henrique Cardoso de "neoliberal", isto é, de defender os interesses do capital estrangeiro, dos grandes industriais e banqueiros, de transferir para a iniciativa privada o patrimônio público através da venda de empresas estatais, eliminação de direitos trabalhistas e prosseguir com uma política econômica que prejudicava as camadas populares mais pobres.
O governo Fernando Henrique Cardoso rebateu as críticas, argumentando que foram implementadas uma série de políticas sociais de transferência de renda para as populações mais pobres através de programas como o bolsa-escola, o vale-gás e o bolsa-alimentação.
Avanços significativos foram alcançados nas áreas da educação, saúde (com a distribuição gratuita de medicamentos contra a AIDS) e principalmente na questão agrária (com a implementação de um sólido programa de reforma agrária).
Com relação à questão agrária, durante toda a gestão Fernando Henrique Cardoso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pressionou o governo a avançar com o programa de assentamentos rurais, promovendo por todo o país numerosas manifestações e invasões de propriedades agrárias produtivas e improdutivas.
Estabilidade política e governabilidade
As oposições criticaram a aliança entre as forças políticas conservadoras que elegeu e sustentou o governo Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, a forte base parlamentar de apoio ao governo Fernando Henrique Cardoso contribuiu decisivamente para a estabilidade política. Essa estabilidade foi um dos traços mais importantes da gestão Fernando Henrique Cardoso, pois, além de assegurar a governabilidade também beneficiou a consolidação da jovem e frágil democracia brasileira.
De acordo com estudiosos e pesquisadores do assunto, a forma de governo em vigor, ou seja, o sistema presidencialista, o multipartidarismo e o voto proporcional dificultavam enormemente a obtenção de maioria parlamentar estável no Congresso Nacional.
Essa situação foi apontada como a principal causa das constantes crises de governabilidade que impediam a continuidade administrativa e a implementação de reformas e programas políticos consistentes, prejudicando o avanço da redemocratização e consolidação da democracia no país.
Evidentemente, a plena consolidação da democracia brasileira exige mais do que a estabilidade política e econômica e todos os avanços na área institucional que se tornaram marcas do governo Fernando Henrique Cardoso necessitam também da solução das enormes desigualdades sociais que ainda fazem com que o Brasil seja apontado como um dos países mais ricos, porém, mais injusto do mundo, devido à permanência da fome e a excessiva concentração de renda nas mãos de poucos.
A reeleição de Fernando Henrique CardosoContando com maioria parlamentar, o governo FHC conseguiu que o Congresso Nacional aprovasse uma Emenda constitucional permitindo a reeleição do presidente da República. Desse modo, Fernando Henrique Cardoso disputou o pleito de 1998. A aprovação da emenda da reeleição sofreu severas críticas da oposição que acusou o governo de FHC de compra de votos.
Houve tentativas por parte dos partidos oposicionistas de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias. Não obstante, os governistas conseguiram barrar a abertura da chamada "CPI da compra de votos".
No final do primeiro mandato governamental de Fernando Henrique Cardoso, uma grave crise afetou a economia brasileira e forçou o governo a mudar a política cambial. A principal conseqüência foi uma forte desvalorização da moeda. Também foi necessário ao governo recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) a fim de obter um empréstimo recorde para evitar o desequilíbrio financeiro e desestabilização total da economia.
Mesmo nessa situação, FHC habilmente conseguiu se reeleger novamente em primeiro turno. Fernando Henrique Cardoso se reelegeu presidente com o apoio das mesmas forças políticas que sustentaram seu primeiro mandato governamental. A aliança política congregava o PSDB, PFL e parte do PMDB.
O segundo mandato
Um dos trunfos da propaganda eleitoral do governo para reeleger FHC foi a defesa da manutenção da política econômica. O governo prosseguiu com o programa de privatizações das empresas estatais e com o Plano Real. A estabilidade econômica dependia de uma política fiscal e tributária complexa.
Um dos pontos centrais para a manutenção da estabilidade econômica duradoura foi o controle dos gastos públicos. Foi visando esse objetivo que o governo FHC aprovou, em maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Tal Lei impede que prefeitos e governadores, e também o governo federal, gastem mais do que a capacidade de arrecadação prevista no orçamento dos respectivos Estados, municípios e da União.
A manutenção do Plano Real e das elevadas taxas de juros, as metas de ajustes fiscais e o controle dos gastos governamentais provocaram um déficit de investimentos do Estado em setores "chave" da economia. Quando o país começou a sair da recessão e a economia cresceu, embora a partir de índices inexpressivos, a falta de investimentos em infra-estrutura impediu o desenvolvimento do país.
No setor elétrico, por exemplo, os baixos investimentos estatais e a ocorrência de longa estiagem (falta de chuvas) levou ao colapso as centrais hidroelétricas ameaçando o país com o chamado "apagão". O racionamento de energia elétrica foi imposto sobre a população e a economia brasileira sofreu grande estagnação.
A reorganização das oposições
No primeiro mandato governamental, Fernando Henrique Cardoso conseguiu conter as oposições políticas ao seu governo e aprovar com facilidades projetos políticos e reformas constitucionais. Porém, no segundo mandato, o presidente teve maior dificuldade de governar devido à reorganização das oposições.
No Congresso Nacional, o Partido dos Trabalhadores (PT) liderava a oposição ao governo. O PT articulou os movimentos sociais e sindicais e as esquerdas de modo geral formando uma ampla frente de oposição parlamentar. O MST continuou a pressionar o governo a partir da iniciativa de invasão de propriedades agrárias e ocupação de sedes de órgãos burocráticos governamentais.
Em muitas ocasiões, as invasões agrárias desencadearam conflitos armados no campo. As centrais sindicais promoveram diversas marchas e manifestações de trabalhadores em defesa de reajustes e aumentos salariais para o funcionalismo público e a iniciativa privada.
Vitória histórica da oposição
Ao se aproximar do pleito que escolheria o sucessor de Fernando Henrique Cardoso, o governo apoiou a candidatura do ministro da saúde, José Serra, do PSDB em aliança com o PMDB. Os outros candidatos que disputaram o pleito foram: Luiz Inácio Lula da Silva (PT / Pc do B / PL / PMN / PCB), Anthony Garotinho (PSB / PGT / PTC), Ciro Gomes (PPS / PDT / PTB), José Maria de Almeida (PSTU) e Rui Costa (PCO).
Nenhum obteve índice de votação suficiente para se eleger no primeiro turno. Os dois candidatos mais votados foram Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra. No segundo turno das eleições, Lula obteve 61,3 por cento dos votos; e José Serra, 38,7 por cento.
A expressiva vitória de Lula foi um marco para o Brasil, pois, além de ser um representante das forças políticas de esquerda, Lula é um líder popular carismático que construíu sua trajetoria política no movimento sindical. Enormes expectativas foram depositadas na vitória eleitoral de Lula.
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