Forma de governo isolou o país na América Latina
Vitor Amorim de Angelo*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Durante praticamente todo o século 19 o Brasil foi a única monarquia de uma América Latina dividida em várias e pequenas repúblicas. Para além da diferença entre monarquia e república, por que, no caso latino-americano, o Brasil foi o único país a manter o regime monárquico? Quais as conseqüências dessa particularidade em relação às outras nações latino-americanas?
Até o início daquele século, o pano de fundo histórico da América Latina foi relativamente o mesmo. Embora tenha existido uma grande diferença entre o processo colonizador espanhol e português, o Novo Continente sempre foi visto pelos povos ibéricos, de modo geral, como um fornecedor de produtos tropicais e matéria-prima para o mercado europeu. Tanto o Brasil quando as demais nações latino-americanas, portanto, tiveram praticamente a mesma formação colonial.
Dali em diante, contudo, os caminhos começaram a se dividir. Enquanto a república foi adotada largamente pelos países que iam surgindo no continente, a monarquia foi escolhida como forma de governo no Brasil. Também por isso o país prosseguiu relativamente isolado das outras nações da América Latina. Por outro lado, a monarquia lhe conferiu o poder necessário para manter uma extensão territorial bem maior que qualquer outro país da região.
Rompimento em relação à Europa
O início do século 19 marcou profundamente a história da Europa. Napoleão Bonaparte havia iniciado um ambicioso plano de expansão territorial. Desse projeto, por exemplo, fez parte o Bloqueio Continental, decretado em 1806 pelo imperador francês.
A Espanha, ao contrário de Portugal, associou-se ao plano de Bonaparte. Na América, as colônias espanholas se organizaram contra o rei José Bonaparte (José 1º), irmão de Napoleão - um monarca fantoche que assumiu o trono espanhol em aliança com a França.
Instalaram-se nas colônias espanholas juntas governativas contra o rei José 1º. Diante do isolamento da metrópole durante as guerras napoleônicas, as possessões da Espanha na América ficaram envolvidas pelo sentimento separatista, que, aos poucos, foi se alastrando. À divisão político-administrativa dos territórios espanhóis corresponderam os limites territoriais dos novos países que surgiam.
Embora a luta independentista não tivesse contemplado, de início, uma discussão sobre a forma de governo, a república apareceu como modelo ideal. De um lado, porque rompia com a matriz espanhola, monárquica. De outro, pois atendia à participação popular na luta contra a metrópole. A república, sendo uma forma de governo então considerada mais democrática, fortaleceu-se como modelo adequado para aquele momento.
Continuação em relação à Europa
Em 1808, a Família Real portuguesa chegou ao Brasil - na época, sua mais importante colônia. A presença da Corte lusitana na América mudou completamente o destino do Brasil face aos vizinhos latino-americanos. A transferência da Corte para o Reino Unido de Portugal e Algarves limitou as perspectivas do movimento separatista em relação à metrópole.
Diferentemente das colônias espanholas, a presença do rei de Portugal no Brasil não isolou a metrópole da possessão portuguesa na América. De um lado, isso não deu espaço às agitações políticas e sociais que marcaram o início do século 19 na América espanhola. De outro, ao invés de romper, manteve a tradição portuguesa quanto à forma de governo.
A adoção da monarquia no Brasil pós-independência representou uma continuação em relação à Europa, e não um rompimento, como nos demais países da região.
Ao mesmo tempo, a adoção da forma de governo monárquica provocou uma diferença importante entre os processos independentistas do Brasil e das outras nações latino-americanas. Enquanto nestas a população, de modo geral, participou da luta contra a antiga metrópole, no Brasil, a independência foi feita "pelo alto", proclamada pelo filho que o rei de Portugal deixou para trás ao voltar para a Europa.
A adoção do regime monárquico, portanto, significou a centralização do poder em torno da figura de dom Pedro 1°.
*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.
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