Estado de sítio e Coluna Prestes
Renato Cancian*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
A gestão de Artur Bernardes à frente do Governo Federal foi marcada por uma permanente instabilidade política, derivada da crise econômica e dos conflitos políticos e revoltas armadas que se intensificaram neste período. Em seu governo, o republicanismo oligárquico foi constantemente ameaçado por conspirações civis e militares.
Nessa situação, Artur Bernardes só pôde governar o país valendo-se do dispositivo constitucional denominado "estado de sítio", que ampliou os poderes do Executivo federal em detrimento dos direitos e das liberdades individuais.
A divisão das oligarquias
Governando sob estado de sítio, o presidente Artur Bernardes usou os poderes excepcionais de que dispunha para neutralizar seus opositores políticos. Por meio de leis repressivas que restringiram a liberdade de imprensa e os direitos individuais, o presidente pôs em prática uma política de desmonte das máquinas administrativas dos governos estaduais que eram considerados adversários políticos de seu governo.
Essa atitude gerou mais descontentamento entre as elites agrárias regionais menos influentes, que se encontravam fora do pacto de dominação firmado entre as oligarquias cafeicultoras dos estados de São Paulo e Minas Gerais, a chamada política do "café-com-leite".
O resultado desse processo foi o crescimento dos antagonismos que levariam a uma progressiva e profunda divisão política entre as classes dominantes do país. As oligarquias agrárias regionais, principalmente as do estado do Rio Grande do Sul, começaram a se afastar dos grupos ligados ao núcleo cafeicultor, se reorganizando politicamente e opondo-se cada vez mais ao Governo Federal.
Ressurge o tenentismo
Objetivando obter o apoio dos militares, essas elites dissidentes vão explorar o descontentamento de setores do Exército com o regime republicano oligárquico em vigor. Progressivamente, vão se aproximar do movimento tenentista que mais uma vez eclodiria como uma insurreição armada.
Revolta do Forte de Copacabana
Durante o governo Artur Bernardes, as revoltas armadas promovidas pela jovem oficialidade do Exército, os tenentes, tornaram-se mais freqüentes e mais organizadas a ponto de levar o país a uma guerra civil. Em julho 1922, no Rio de Janeiro, eclodiu a primeira insurreição tenentista, que ficou conhecida como a Revolta do Forte de Copacabana, e que foi debelada pelo governo do presidente Epitácio Pessoa.
Porém, em julho de 1924, portanto, ao se completarem dois anos da primeira insurreição armada, os tenentes se rebelaram novamente. O novo levante tenentista ocorreu em São Paulo. Sob a liderança do general Isidoro Dias Lopes, e do comandante da Força Pública do Estado de São Paulo, major Miguel Costa, inúmeras unidades militares se rebelaram.
Os tenentes exigiam a renúncia do presidente Artur Bernardes, a formação de um governo provisório, a eleição de uma Assembléia Constituinte e a adoção do voto secreto. São Paulo se transformou em campo de batalha com a ocorrência de inúmeros combates violentos que levaram o governador do Estado, Carlos de Campos, a abandonar a cidade.
A coluna Prestes
O presidente Artur Bernardes organizou tropas militares fiéis ao governo federal para enfrentar os revoltosos. Com a chegada das forças militares governamentais, as tropas de tenentes que se revoltaram foram obrigados a se retirar para o interior. Quando se encontravam na região de Foz de Iguaçu, os tenentes paulistas aliaram-se a outro grupo de militares insurretos proveniente do estado do Rio Grande do Sul, chefiado pelo capitão Luís Carlos Prestes.
Ocorre então a fusão entre os dois grupos de militares revoltosos. A liderança do movimento coube ao general Miguel Costa e ao capitão Prestes. Contando com um contingente de cerca de 1.500 homens armados, esse movimento revoltoso recebeu o nome de Coluna Prestes. Entre 1925 a 1927, o grupo percorreu cerca de 24 mil quilômetros dentro do território brasileiro. Por onde passava, procurava incentivar a população a se insurgir contra as oligarquias locais.
No decorrer desses anos, a Coluna Prestes enfrentou inúmeras vezes as tropas governamentais que os perseguiram e os grupos de jagunços armados organizados pelos coronéis locais. Em 1927, a Coluna Prestes se desfez e seus principais líderes se refugiaram na Bolívia.
Carência ideológica do tenentismo
O movimento tenentista deste período era portador de uma ideologia política difusa, ou seja, ainda não havia elaborado um conjunto de idéias que sustentasse um programa político revolucionário. Suas lideranças defendiam alguns princípios reformistas de caráter progressista que aproximava o movimento das aspirações das camadas médias urbanas.
Neste aspecto, almejavam livrar as instituições republicanas de seus vícios, como a corrupção inerente ao processo eleitoral e a injustiça que era a principal causa da desigualdade civil. Porém, a falta de uma maior vinculação orgânica com os setores civis urbanos levou o movimento tenentista a adotar uma postura que o afastou das alianças com os movimentos de massa, como por exemplo, o movimento operário deste período, num projeto revolucionário de transformação da ordem social vigente.
Em parte, essa não vinculação com os setores civis pode ser explicado pelo fato de que os tenentes, e por conseguinte o movimento tenentista, carregavam alguns traços de autoritarismo proveniente da instituição militar à qual pertenciam. Como militares, os tenentes se consideravam guardiões da pureza das instituições republicanas e responsáveis pela "salvação nacional". Não obstante, defendiam esses ideais em nome de um povo inerte e incapaz, que carecia de lideranças políticas que estivessem aptas para governá-lo.
Radicais e moderados entre os tenentistas
Embora ainda não tivesse amadurecido uma ideologia e elaborado um programa político, havia no movimento tenentista de 1924 duas correntes de pensamento. Uma era radical e defendia reformas sociais e econômicas profundas que só podiam ser realizadas pondo-se abaixo a República oligárquica. Seu principal líder era Luís Carlos Prestes.
A outra, era moderada, e defendia algumas reformas políticas liberais. Foi justamente a corrente moderada que se aproximou das oligarquias dissidentes. Em aliança, essas forças políticas serão responsáveis pela Revolução de 1930.
A sucessão presidencial
Mesmo enfrentando graves problemas de natureza econômica e política que ameaçavam as bases do republicanismo oligárquico, o presidente Artur Bernardes conseguiu terminar seu mandato. Os estados de São Paulo e Minas Gerais ainda tiveram condições e força política suficientes para elegerem um presidente dentro dos princípios da política do "café-com-leite".
O sucessor de Artur Bernardes na presidência da República foi o político Washington Luís. Embora tenha nascido no Rio de Janeiro, Washington Luís era politicamente atuante em São Paulo e se considerava um paulista. Seu mandato, porém, foi interrompido pelo movimento revolucionário de 1930, que colocou abaixo a primeira República.
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