Por Nadir F. Costa e Silva
A história aponta diferentes aspectos sobre o indivíduo com
deficiência, passando pela rejeição e eliminação sumária, de um lado, e a
proteção assistencialista e piedosa, de outro. O conceito tem uma relação
estreita com as concepções sociais, políticas, econômicas e ideais que nortearam
cada período da história. Esse artigo pretende realizar um breve resgate do
conceito de deficiência intelectual nos diferentes períodos da história até os
dias atuais. Conhecer essa construção histórica possibilita compreender mais
acerca da deficiência, o que propicia maior clareza sobre o conceito e
consequentemente sobre a implementação de serviços de atendimento a esta
parcela da população, assim como de projetos de pesquisa na área. Além do que, não
deixa de ser interessante acompanhar o percurso histórico das pessoas com
deficiência ao longo do tempo, no a fim de observar mudanças na percepção
social relativa a este grupo populacional.
Inúmeras são as
publicações a respeito de pessoas em condição de deficiência. Durante séculos,
os “diferentes” ficaram à margem da sociedade, todavia, na medida em que o
direito do homem à igualdade e a cidadania tornou-se motivo de preocupação, a
percepção em relação à pessoa com deficiência começou a mudar. A rejeição cedeu
lugar a atitudes de proteção e filantropia que até hoje predomina, apesar dos
esforços do movimento das pessoas com deficiência e seus apoiadores para que
essa postura seja substituída pelo reconhecimento da igualdade de direitos e
acessos.
Na
atualidade, o documento mais importante que trata dos interesses das pessoas
com deficiência é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A
Convenção discorre sobre os direitos das pessoas com deficiência e, em seu primeiro
artigo, traz a definição de pessoa com deficiência: sendo aquela que tem
impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade com as demais pessoas. Sobre a educação, a Convenção advoga
um sistema inclusivo em todos os níveis, sendo a educação inclusiva o conjunto
de princípios e procedimentos implementados pelos sistemas de ensino para
adequar a realidade das escolas à do aluno e dessa forma representar a
diversidade humana. Assim, um dos objetivos desse modelo é a participação
efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre, o que exige a
construção de escolas capazes de garantir o desenvolvimento integral de todos
os alunos, sem exceção.
No
século XVIII a deficiência, ainda era confundida com doença mental e tratada
pela medicina que atendiam às necessidades sociais e se caracterizava pela
retirada dessas pessoas de suas casas, mantendo-as em instituições situadas em
locais longe de suas famílias, sendo isoladas do resto da sociedade, fosse a
título de proteção, de tratamento, ou de processo educacional (Aranha, 2001). A
partir do século XIX, passou-se a levar em conta as capacidades intelectuais
das pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência e, aos poucos,
pesquisadores, envolveram-se com a questão e realizaram as primeiras
intervenções educacionais.
Mas,
apenas na década de 1960, é proposto um paradigma sustentado na integração das
pessoas com deficiência. O paradigma de serviços, como passou a ser denominado
(Aranha, 2001), seguia a filosofia da normalização, sendo a integração uma
forma de preparação dos alunos com deficiência para sua adaptação ao ensino
regular. O problema continuava centrado no aluno e no ensino especial, uma vez
que a escola regular educava apenas aqueles com condições de acompanhar as
atividades, sem preocupação com as necessidades individuais. Esse paradigma
logo no início enfrentou críticas, pois a maioria dos alunos com deficiência continuava
segregada em escolas ou classes especiais por não apresentar condições de
ingresso nas turmas regulares (Bueno, 2001).
Na
década de 1980 ganha força um novo paradigma, caracterizado pelo pressuposto de
que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não discriminada e
acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos. A proposta da educação
inclusiva continua norteando o processo, mas o novo paradigma baseia-se na
inclusão, a qual defende que esses alunos, independentemente do tipo de
deficiência ou grau de comprometimento, devem ser absorvidos no ensino regular,
ficando a escola com a responsabilidade de se reestruturar para poder
atendê-los. Dessa forma, crianças e adolescentes com deficiência passam a ser
matriculados no ensino regular, tornando-se possível o acesso e permanência de
todos os alunos por meio de uma transformação da escola (Aranha, 2001).
No
decorrer de todo esse processo, a circunstância que hoje conhecemos por
deficiência intelectual foi estigmatizado ao longo da história por
conceituações diversas, incluindo: idiota, imbecil, débil mental, oligofrênico,
excepcional, retardado, deficiente mental, entre outros. Atualmente, o conceito
de deficiência intelectual mais divulgado nos meios educacionais tem como base
o sistema de classificação da Associação Americana de Deficiência Intelectual e
Desenvolvimento – AAIDD. Segundo essa definição, a deficiência intelectual é entendida
como uma condição caracterizada por importantes limitações, tanto no
funcionamento intelectual, quanto no comportamento adaptativo.
Enfim
a deficiência intelectual não é um transtorno médico, nem um transtorno mental,
ainda que possa ser codificada em uma classificação médica das doenças. Diz
respeito a um estado particular de funcionamento que começa na infância, é multidimensional
e é afetado positivamente pelos apoios individualizados[1]
(AAMR, 2006).
Esse
artigo pretende relatar brevemente ao longo da história sobre a deficiência
intelectual, fazendo também descrições enfoque educacional no decorrer dos séculos.
Ter noção sobre essa construção histórica é possível compreender mais a
respeito da deficiência intelectual, o que proporciona clareza sobre o conceito
e, consequentemente, sobre a implementação de serviços de atendimento para essa
parcela da população, assim como projetos de pesquisa na área.
Precedentes Históricos
As
pessoas com deficiência, via de regra, receberam dois tipos de tratamento
quando se observa a História Antiga e Medieval: por um lado a rejeição e
eliminação sumária, e a proteção assistencialista e piedosa, de outro. Contudo ainda
hoje, encontramos práticas segregacionistas, principalmente em países em
desenvolvimento.
No
artigo intitulado “Pessoa com deficiência e sua relação com a história da
humanidade”, Maria Aparecida Gugel (2008) aponta como as pessoas com
deficiências foi tratada ao longo dos séculos. De acordo com a autora não se
têm indícios de como os primeiros grupos de humanos se portavam em relação às
pessoas com deficiência. Até porque, não haviam abrigos para as intempéries do
clima, assim provavelmente essas pessoas não sobreviviam ao ambiente hostil da
época.
Gugel
(2008, p. 46) informa ainda que, entre os povos primitivos, havia uma
diferenciação no tratamento destinado às pessoas com deficiências, uma vez que alguns
os exterminavam por considerá-los como empecilho à subsistência do grupo, no
entanto outros, os protegiam e sustentavam para buscar a simpatia dos deuses.
A
partir de 2.500 a.C., no Egito Antigo, há indícios mais seguros quanto as
formas de sobrevivência de indivíduos com deficiência. Dentre os povos da
História Antiga, os egípcios são aqueles cujos registros são mais remotos. Os
remanescentes das múmias, os papiros e a arte dos egípcios apresentam-nos
indícios muito claros não só da antiguidade de alguns “males incapacitantes”,
como também das diferentes formas de tratamento que possibilitaram a vida de
indivíduos com algum grau de limitação física, intelectual ou sensorial.
Silva
(1987) menciona, por exemplo, a Escola de Anatomia da cidade de Alexandria.
Dela ficaram registros da medicina egípcia utilizada para o tratamento de males
que afetavam os ossos e os olhos das pessoas adultas. Existem ainda referência
aos cegos do Egito e ao seu trabalho em atividades artesanais. As famosas
múmias do Egito, que permitiam a conservação dos corpos, possibilitaram o
estudo dos restos mortais de faraós e nobres do Egito que apresentavam
anomalias e limitações físicas, como Sipthah (séc. XIII a.C.) e Amon (séc. XI
a.C.).
Na
sociedade hebraica, a deficiência física ou sensorial, era considerada como uma
forma de punição de Deus, e a qualquer portador de deficiência era negado o
acesso a serviços religiosos. Na Roma Antiga, tanto os nobres como os plebeus
tinham permissão para sacrificar os filhos que nasciam com algum tipo de
deficiência. Mas havia uma alternativa para os pais: deixar as crianças nas
margens dos rios ou locais sagrados, onde eventualmente pudessem ser acolhidas
por famílias da plebe (escravos ou pessoas empobrecidas). A utilização
comercial de pessoas com deficiência para fins de prostituição ou
entretenimento manifesta-se, talvez pela primeira vez, na Roma Antiga. Segundo
o Silva (1987): “cegos, surdos, deficientes mentais, deficientes físicos e
outros tipos de pessoas nascidos com má formação eram também, ligados a casas
comerciais, tavernas e bordéis; bem como a atividades dos circos romanos, para
serviços simples e às vezes humilhantes” (Silva, 1987, p. 130). Tragicamente,
esta prática repetiu-se várias vezes na história, não só em Roma.
Em
Esparta as crianças deficientes ou aquelas que adquiriam alguma deficiência
eram lançados ao mar ou em abismos. Tal conduta “justificava-se” para o bem da
própria criança e para a sobrevivência da república, onde a maioria dos
cidadãos deveria se tornar guerreiros.
Seguindo
o mesmo posicionamento, os espartanos também não eram favoráveis às pessoas com
deficiência, pois:
Como os gregos se
dedicavam à arte da guerra e preocupavam-se com as fronteiras de seus
territórios e invasões bárbaras, só os fortes sobreviviam para servir ao
exército. Os nascidos com deficiência eram eliminados, e a eliminação se dava
por aborto, por exposição ou abandono ou, ainda, eram atiradas do aprisco de
uma cadeia de montanhas chamada Taygetos, na Grécia. (Almeida e Costa 2013, p.
109).
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No
entanto, em Atenas, influenciados por Aristóteles – que definiu a premissa
jurídica até hoje aceita de que “tratar os desiguais de maneira igual
constitui-se em injustiça” – os deficientes eram amparados e protegidos pela
sociedade. De acordo com Séguin (1999, p. 109) Aristóteles não concordava coma
a obsessão contra pessoas com deficiência e dizia ser mais fácil ensinar um
aleijado a exercer uma tarefa útil do que sustentá-lo como indigente. A exemplo
disso é o mitológico Hefesto, que na obra Ilíada de Homero, que era deficiente,
no entanto detinha grande habilidade em metalurgia e nas artes marciais.
Para
os hindus, os cegos, eram considerados pessoas de sensibilidade interior mais
aguçada, justamente pela falta da visão, e incentivavam o ingresso dos
deficientes visuais nas colocações religiosas (Gugel, 2008).
O
advento do Cristianismo significou, em diferentes aspectos, uma mudança na
forma pela qual as pessoas com deficiência eram vistas e tratadas pela
sociedade em geral. Num momento em que o Império Romano estava com seu poderio
militar e geopolítico consolidado, o lastimável estado de moral da sociedade
romana, especialmente da nobreza, que demonstrava total despreocupação com a
proliferação de doenças e o crescimento da pobreza e da miserabilidade dentre
boa parte da população.
Nesse
contexto, vai ganhando força o conteúdo da doutrina cristã, voltado para a
caridade, humildade, amor ao próximo. Estes princípios encontraram respaldo na
vida de uma população marginalizada e desfavorecida, A influência cristã e seus
princípios contribuíram, a partir do século IV, para a criação de hospitais
voltados para o atendimento dos pobres e marginalizados, dentre os quais
indivíduos com algum tipo de deficiência. No século seguinte, foram criadas instituições
de caridade e auxílio em diferentes regiões, como o hospital para pobres e
incapazes na cidade de Lyon, construído pelo rei franco Childebert no ano de
542 (Silva, 1987).
O
período conhecido como Idade Média, entre os séculos V e XV, traz algumas
informações e registros (preocupantes) sobre pessoas com deficiência.
Continuaram a existir, na maioria das vezes controlados e mantidos por senhores
feudais, locais para o atendimento de doentes e deficientes. Os relatos
históricos enfatizam, que os surdos não teriam acesso à salvação, pois de
acordo com Paulo, na epístola aos Romanos, a fé provinha do ouvir a palavra de
Cristo” (Ribeiro, 2007, p. 248). Nesse período, “o nascimento das pessoas com
deficiência era visto como um castigo de Deus. Eram vistas por muitos como
feiticeiras ou bruxas, e, muitas dessas crianças eram motivos de escarnio,
servindo de diversão” (Almeida e Costa, 2013, p. 109). Para Mazzotta (2005,
p.16) a própria religião, ao colocar o homem como “imagem e semelhança de
Deus”, um ser perfeito, incluindo-se aí a perfeição física e mental. E, não
sendo “parecidos com Deus”, essas pessoas eram postas à margem da condição
humana, e tidas como culpadas de sua própria deficiência.
Com
a decadência do feudalismo, os portadores de deficiência deveriam ser
envolvidos no sistema de produção, ou assistidos pela sociedade, que contribuía
compulsoriamente para tanto.
Em
1547, na França, O rei Henrique II, instituiu a assistência social obrigatória
para proteger os deficientes, através de impostos. Gugel (2008). Porém foi com
no advir do Renascimento que se iniciou uma postura profissionalizante e
integrativa das pessoas portadoras de deficiência. A visão científica e
humanista desse período derrubou o estigma social que influenciava o tratamento
para com as pessoas portadoras de deficiência e a busca racional da sua
integração se fez por várias leis que passaram a ser promulgadas. Nesse novo
contexto e, pela primeira vez, uma autoridade da medicina, Phhilipus Aureolus
Paracelsus, considera ser de natureza médica um problema que até então fora
situado dentro da religião e da moral (Pessotti, 1984). Foi também nesse
período que surgiu o primeiro hospital psiquiátrico, que assim como os asilos e
conventos, também servia para enclausurar pessoas que apresentavam
comportamentos fora do padrão da sociedade (Aranha, 1995; 2001).
No
século XVII, a educação, passou a ser oferecida também pelo Estado, com
objetivos claros de preparo da mão de obra que se mostrava necessária no novo
modo de produção. Nesse período, novas ideias foram sendo produzidas, tanto na
área da medicina na educação. Em relação à deficiência, continuou predominando
a postura organicista, voltada para a busca da identificação de causas
ambientais (Pessotti, 1984).
No
Brasil, há também relatos de crianças com deficiência que eram “abandonadas em
lugares assediados por bichos que muitas vezes as mutilavam ou matavam”.
(Jannuzzi, 2004, p.9). Em 1726, foram criadas as chamadas rodas de expostos
onde as crianças eram colocadas e dessa forma as religiosas que as recolhiam
lhes proporcionavam alimentação, educação e todos os cuidados que
necessitassem.
Na
Idade Moderna, a partir de 1789, surgiram vários inventos que propiciaram meios
de trabalho e locomoção aos portadores de deficiência, tais como a cadeira de
rodas, bengalas, bastões, muletas, coletes, próteses, macas, veículos
adaptados, camas móveis, etc.; o Código Braille foi criado por Louis Braille e
permitiu a perfeita integração dos deficientes visuais ao mundo da linguagem
escrita, e é utilizado até os dias atuais. Nessa mesma época, o filósofo John
Locke passa a defender que o homem é uma “tabula rasa” a ser preenchida pela
experiência. O deficiente pode ser tratado ou educado e tem direito a isso,
entretanto não há vantagens para o poder público e para a família em assumir
essa responsabilidade. Inútil para a lavoura e para o artesanato, e consumidor
improdutivo, o deficiente não tem outro destino além do asilo (Pessotti, 1984).
Em
relação ao tratamento médico, Esquirol é o principal representante da área
nesse período. Para Esquirol a idiotia não era uma doença, mas um estado em que
as faculdades intelectuais nunca se manifestaram, ou não puderam se
desenvolverem suficientemente para que os conhecimentos relativos à educação
fossem adquiridos. Também defendia a impossibilidade de alterar esse estado
(Pessotti, 1984).
Até
o século XVIII, a própria ciência confundia deficiência mental com doença.
Nesse século a deficiência mental continuava sendo considerada hereditária e
incurável e, por isso, a maioria das pessoas que apresentava essa
especificidade, era abandonada em hospícios ou asilos.
Almeida
e Costa (2013, p. 109) destacam que o despertar da atenção para a questão da
habilitação e da reabilitação do portador de deficiência para o trabalho aguçou-se
em 1884 com o Chanceler alemão Otto Von Bismark e Napoleão Bonaparte, ao ser
determinado que os ex-soldados feridos ainda eram úteis e poderiam servir o
exército em outras funções. Além do mais, a partir da Revolução Industrial,
quando as guerras, epidemias e anomalias genéticas deixaram de ser as causas
únicas das deficiências, e o trabalho, em condições precárias, passou a
ocasionar os acidentes mutiladores e as doenças profissionais. Assim, tornou-se
necessário a criação de um sistema de seguridade social mais eficiente, bem
como a reabilitação dos acidentados (Gugel, 2008).
Séculos XIX e XX: Novos
Paradigmas de Serviços
Somente
no século XIX, com o trabalho do médico Jean Itard, considerado o primeiro
teórico de Educação Especial, as pessoas com deficiência intelectual passaram a
ser consideradas passíveis de serem educadas. O primeiro desafio para Itard foi
o trabalho com o menino Victor de Aveyron, diagnosticado pelo psiquiatra
francês Philippe Pinel como sendo um idiota, sem esperança alguma de
possibilidades de educação. Aí foi concebido o primeiro tratamento para
deficientes, como aborda Jannuzzi (2004).
Outra
importante contribuição foi a de Édouard Séguin, discípulo de Itard, o primeiro
a propor uma teoria psicogenética da deficiência intelectual e a criticar a
visão médica de incurabilidade. Seu método consistia em estimular o cérebro por
meio de atividades físicas e sensoriais, tendo seu trabalho influenciado por
Pestalozzi, Fröebel e Montessori, cujos estudos e atividades eram dirigidos
para a educação de pessoas com deficiência intelectual. Séguin criou em 1837 a
primeira escola para deficientes intelectuais. Foi o primeiro presidente de uma
organização de pesquisa dirigida a estudos sobre a deficiência, fundada em 1876,
a Associação Americana de Retardo Mental [AAMR], atualmente conhecida como
Associação Americana de Deficiência Intelectual e Desenvolvimento [AAIDD]
(Miranda, 2003; Pletsch, 2009).
No
século XIX é consolidada a prática do cuidado institucional para pessoas com
deficiência, mas essas instituições, logo se transformaram em ambientes
segregados, constituindo o primeiro paradigma formal adotado na caracterização
da relação sociedade deficiência: o Paradigma da Institucionalização. Este
paradigma caracterizou-se pela retirada das pessoas com deficiência de suas
comunidades de origem e pela manutenção delas em instituições. Mas, ficavam
isoladas do resto da sociedade, fosse a título de proteção, de tratamento, ou
de processo educacional (Aranha, 2001).
No
Brasil O atendimento escolar especial para os indivíduos com deficiência teve
início, com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atualmente
Instituto Benjamin Constant) pelo Imperador Dom Pedro II (1840-1889) por meio
do Decreto Imperial no 1.428, de 12 de setembro de 1854. Três anos depois, em
26 de setembro de 1857, o Imperador, funda o Imperial Instituto de Surdos-Mudos
(atualmente Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES). Esse Instituto
passou a atender indivíduos surdos de todo o país, a maioria abandonada pelas
famílias.
No
início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição
especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é
fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; e, em
1945, é criado o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com
superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff.
Mais
recentemente, citamos a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção
da Guatemala – 1999) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, das Nações Unidas.
No
século XX a assistência e a qualidade do tratamento dado não só para pessoas
com deficiência como para população em geral tiveram um essencial avanço. No
caso das pessoas com deficiência, o contato direto com elevados contingentes de
indivíduos com sequelas de guerra exigiu uma série de medidas. A atenção às
crianças com deficiência também aumentou, com o desenvolvimento de
especialidades e programas de reabilitação específicos.
No
período entre Guerras, na Grã-Bretanha, na França e também nos EUA houve
desenvolvimento de programas, centros de treinamento e assistência para
veteranos de guerra. Depois da II Guerra, esse movimento se intensificou dado o
elevado contingente de amputados, cegos e outras deficiências físicas e
mentais, o tema ganha relevância política no interior dos países e também
internacionalmente, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). Dessa
forma as pessoas com deficiência passariam a ser objeto do debate público e
ações políticas, assim como outras questões de relevância social, embora em
ritmos distintos de um país para o outro.
Assim,
no século XX, os indivíduos com deficiências começaram a ser considerados
cidadãos com seus direitos e deveres de participação na sociedade, entretanto,
ainda numa abordagem assistencial. Com o surgimento da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, iniciam-se os primeiros movimentos organizados por familiares
desses indivíduos. Movimentos esses que eram norteados pelas críticas à
discriminação.
Em
suma, nesse panorama histórico buscamos resgatar elementos para uma visão geral
sobre as pessoas com deficiência. Da execução sumária ao tratamento humanitário
passaram-se séculos de história, numa trajetória irregular e heterogênea entre
os países. A vista disso, é possível visualizar uma tendência de humanização
desse grupo populacional. Apesar que, até nos dias de hoje, existem exemplos de
discriminação e/ou maus-tratos, o amadurecimento das civilizações e o avanço
dos temas ligados à cidadania e aos direitos humanos provocaram, sem dúvida, um
novo olhar em relação às pessoas com deficiência.
No
Brasil ainda faltava pôr em prática as discussões internacionais sobre o
assunto deficiência. Contudo, o enfoque dado para este contexto assistencial
era a de que a institucionalização representava um custo para o sistema que,
por sua vez, tinha o interesse no discurso da autonomia e da produtividade.
Este também deveria atender os direitos humanos, principalmente os da minoria.
De
acordo com Jannuzzi (2004) a defesa da educação dos deficientes foi feita em
função da economia dos cofres públicos e dos bolsos dos particulares. Desta
forma, seriam evitados os manicômios, os asilos e as penitenciárias. Por fim,
esses indivíduos seriam inclusos ao trabalho.
Em
conformidade com Aranha (2001) surge um outro paradigma: O Paradigma de
Serviços. O objetivo dessa abordagem pela (American National Association of
Rehabilition Counseling – A.N.A.R.C., 1973) era o de “ajudar pessoas com
deficiência a obter uma existência tão próxima ao normal possível, a elas
disponibilizando padrões e condições de vida cotidiana próxima às normas e
padrões da sociedade”.
Esse
novo paradigma provocou muitas discussões entre acadêmicos. Percebia-se que a
integração sozinha não seria suficiente para resolver o problema da segregação.
Nesse sentido para Aranha (2001), a luta pela defesa dos direitos humanos e
civis dos indivíduos com deficiência baseou-se na ideologia da normalização,
favorecendo tanto o afastamento da pessoa das instituições, como os programas
comunitários para o atendimento de suas necessidades (p.14).
Aparecem
dessa forma as contradições do sistema sociopolítico-econômico vigente na
década de 60. Evidenciando-se a diminuição das responsabilidades sociais do
Estado. Nesse caso, manter a população na improdutividade e na segregação
custava muito ao sistema. Assim, surgiram entidades planejadas para desenvolver
meios para que estes indivíduos pudessem voltar ao sistema produtivo com
treinamento e educação especial. Desse modo, eles estavam preparados para o
trabalho, e envolvia o conceito da integração.
Com
a dificuldade de integração devido a alguns fatores principalmente do papel da
sociedade em se reorganizar para garantir o acesso de todos, surge o Paradigma
do Suporte. Para Aranha (2001), esse paradigma parte da hipótese de que
indivíduos com deficiência têm direito à convivência não segregada e ao acesso
aos recursos disponíveis aos demais cidadãos.
Na
década de 90 o novo paradigma Inclusão Escolar surge, então, com um novo modelo
de atendimento escolar e é uma reação contrária ao princípio de integração.
Porém, a efetivação prática deste novo paradigma vem gerando muitas discussões e
argumentações. Miranda (2003) afirma que existe o reconhecimento de que,
trabalhar com classes heterogêneas, traz inúmeros benefícios para o
desenvolvimento da criança deficiente e também para as crianças não
deficientes, porque elas vivenciam a troca e a cooperação por meio das
interações humanas. Entretanto, para que isso ocorra é necessária uma nova
concepção de escola, de aluno, assim como uma nova compreensão sobre ensinar e
aprender.
Contudo
o mesmo autor alude que a efetivação da prática educacional inclusiva não será
garantida por meio de leis, de decretos que obriguem as escolas regulares a
aceitarem os alunos com necessidades especiais. Somente a presença física do
aluno deficiente, na classe não é garantia de inclusão. A escola deve estar
preparada para trabalhar com os alunos, independente das diferenças ou
características individuais deles.
A
ideia de que educação inclusiva possa dispensar a Educação Especial parece
equivocada, pois pesquisas vêm mostrando a relevância do trabalho colaborativo
entre ambas No entanto, a inclusão ainda é vista como responsabilidade da
Educação Especial e não como um conjunto de medidas que o sistema de ensino
como um todo, de maneira interdisciplinar, deveria adotar para efetivar tal proposta.
Século XXI: Paradigma de
Suporte
Foi
baseado nestas ideias que surgiu o terceiro paradigma de Suporte. Nele
pressupõe-se de que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não
segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos. Dessa
forma, fez-se necessário identificar o que poderia garantir tais prerrogativas.
No
Paradigma de Serviços, onde se contextualiza a ideia da integração,
pressupõe-se o investimento principal na promoção de mudanças no indivíduo, na
direção de sua normalização. Já no Paradigma de Suportes, onde o norte é a
ideia da inclusão, são previstas intervenções tanto no processo de
desenvolvimento do sujeito quanto no processo de reajuste da realidade social,
através de suportes físicos, psicológicos, sociais e instrumentais, para que a
pessoa com deficiência possa imediatamente adquirir condições de acesso ao
espaço comum da vida na sociedade.
A
inclusão dos deficientes na escola regular, da maneira que foi propagandeada, é
um reflexo do discurso do modelo social, porque pressupõe a inexistência da
deficiência em si, deslocando-a para a sociedade (Barros, 2005). Em 2000, o
Ministério da Educação propunha, a favor da inclusão de crianças deficientes no
ensino regular, atestando essa possibilidade para toda e qualquer criança
deficiente, sob um artifício generalizante que ignorava as especificidades de
uma ampla categoria e encobria suas manifestações de extrema gravidade, aquelas
não alcançáveis nem pela inclusão escolar, nem pelo otimismo do modelo social.
A
atenção às pessoas com deficiência tem sido mais efetiva na área da educação,
mas constitui um desafio para a organização dos serviços públicos de saúde, que
ainda apresenta reduzida oferta de serviços, difícil acesso, entre outros
problemas.
Em
pesquisas recentes mostram que os professores necessitam de uma boa formação
para ensinar a todos e não especificamente os deficientes. Os professores têm demonstrado
dificuldades para trabalhar com os alunos em geral, não apenas com aqueles com
deficiência. Infelizmente, ainda não se tem uma clara definição das nossas
autoridades educacionais sobre a adoção de uma política verdadeiramente
inclusiva em nossas escolas regulares.
Podemos afirmar que ainda existe uma ambiguidade na
direção dos atendimentos da educação especial. As principais tendências de
nossas políticas nacionais de educação especial até 1990 foram o atendimento
terapêutico e assistencial, em detrimento do educacional. O apoio do governo às
ações das instituições particulares especializadas nas deficiências continua
acontecendo, o que marca a visão segregativa da educação especial no Brasil. Se
a educação especial se protege, ao se mostrar temerosa por uma mudança radical
da escola, a educação regular se omite totalmente, passando pela questão muito
rapidamente, mas protegendo-se da mesma forma de toda de qualquer transformação
de seu trabalho nas escolas, alegando falta de preparo dos professores e de
condições funcionais para atender a todas as crianças, inclusive as que têm
deficiências.
Percebe-se que, o percurso histórico das pessoas com
deficiência no Brasil, assim como em outras culturas e países, foi marcado por
uma fase inicial de eliminação e exclusão, passando-se por um período de
integração parcial através do atendimento especializado. Estas fases deixaram
marcas e rótulos associados às pessoas com deficiência, muitas vezes tidas como
incapazes e/ou doentes crônicas. Romper com esta visão, que implica numa
política meramente assistencialista para as pessoas com deficiência, não é uma
tarefa fácil.
Considerações finais
Ao
longo da história da humanidade, constata-se que houve uma radical mudança nos
tratamentos dispensados às pessoas com deficiência. O que se tinha são
atribuições à causa da deficiência baseado em preconceito, discriminação,
misticismo e crenças que somente viriam a prejudicar o deficiente, ao
exclui-los, prendê-los ou pior eliminá-los como se não fossem seres humanos.
Infelizmente esses conceitos perduraram por longos anos, séculos, gerações e
diversas culturas, resistindo ao tempo, contexto histórico, religiosa, e até
social.
A
inclusão social das pessoas com deficiência representará a construção de um
novo paradigma de sociedade para todos, uma sociedade comprometida com as
minorias e que saberá interagir com a diversidade. O meio por excelência para
se tentar chegar a essa inclusão é a educação, ao passo que ela proporciona a
geração de conhecimento e de condutas apropriadas para esclarecer e emancipar
as pessoas desde a mais tenra idade, capacitando-as a conduzir os seus destinos
com base na valorização da dignidade humana e no compromisso solidário com toda
a sociedade.
Para
tanto, é necessário promover a efetivação de políticas públicas capazes de
promover a inclusão das pessoas com deficiência de maneira adequada na escola –
seja regular ou especializada, como aumento do número de vagas em escolas
especializadas, formação adequada dos professores, material didático adequado e
condições de acessibilidade. Enquanto a sociedade não for inclusiva para
atender a diversidade total das necessidades da pessoa com deficiência não
haverá inclusão. As pessoas com deficiência precisam frequentar os serviços de
apoio para seu desenvolvimento, mas a sociedade também precisa se reorganizar
de forma a garantir o acesso da pessoa através das adaptações que se mostrem
necessárias.
Referências
Almeida, Ezelaide Viegas da Costa; Costa, Sabrina Lima da. A lei
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[1] São de duas ordens: naturais e
serviços. Os apoios naturais referem-se aos recursos usados pelo próprio
sujeito com deficiência e por sua família, para promover o seu desenvolvimento.
Os apoios baseados em serviços referem-se às estratégias usadas por
profissionais da educação, saúde e assistência social (AAMR, 2006).
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