23 de maio de 2009

CANUDOS








Nasce na Vila do Campo Maior de Quixeramobim, Província do Ceará, Antônio Vicente Mendes Maciel, nome de batismo daquele que mais tarde ficaria célebre como Antônio Conselheiro. Era filho de Maria Joaquina de Jesus e Vicente Mendes Maciel. Segundo o escritor João Brígido, que foi amigo de infância de Antônio, os Maciéis era uma "família numerosa de homens válidos, ágeis, inteligentes e bravos, vivendo de vaqueirice e a pequena criação" (BRÍGIDO, 1919) e se envolveram em conflito com os poderosos Araújos, "família rica, filiada a outras das mais antigas do norte da Província" (Ibid), naquela que foi uma das mais longas e trágicas lutas entre famílias de toda a história do Ceará.

22 de Maio - 1830

Antônio Vicente Mendes Maciel é batizado na Igreja Matriz de Quixeramobim, conforme sua certidão de nascimento:

Aos vinte e dois de maio de mil oitocentos e trinta batizei e pus os Santos Óleos nesta Matriz de Quixeramobim ao párvulo Antônio, pardo nascido aos treze de março do mesmo ano supra, filho natural de Maria Joaquina. Foram padrinhos, Gonçalo Nunes Leitão e Maria Francisca de Paula.Do que, para constar, fiz este termo, em que me assinei.
O Vigário, Domingos Álvaro Vieira (Livro de Assentamentos de Batizados da Paróquia de Quixeramobim, Livro 11, fl. 221 v. Documento encontrado pelo pesquisador cearense Ismael Pordeus e publicado em "O Nordeste", 06.07.1949, Fortaleza. Apud CALASANS, 1997, p. 25)

31 de Agosto - 1834

Morre Maria Joaquina de Jesus, deixando órfãos de mãe Antônio Vicente e mais duas irmãs, Maria e Francisca. Um ano e meio depois, Vicente Mendes casa-se com Francisca Maria da Conceição e tem mais uma filha chamada Rufina.

Antônio teve uma infância sofrida, pai alcoolatra, os maltratos da madrasta, o extermínio de parentes na luta contra os Araújos, além das influências místicas comum ao meio sertanejo.

O escritor Gustavo Barroso, em artigo publicado na revista O Cruzeiro em 1956, escreve: "José Victor Ferreira Nobre informava que Antônio Conselheiro cursara as aulas de latim de seu avô, o Professor Manoel Antônio Ferreira Nobre, na cidade de Quixeramobim". Mesmo com dificuldades na família, Antônio consegue se dedicar a uma boa formação escolar e estuda também Português, Aritmética, Geografia e Francês. Possui uma boa caligrafia e torna-se um jovem conceituado na cidade.

Antônio revelava-se muito religioso, morigerado e bom, respeitoso para com os velhos. Protegia e acariciava as crianças. Sofria com as rusgas entre o pai e a madrasta. Consideravam-no a pérola de Quixeramobim, por se um moço sério, trabalhador, honesto e religioso. (MONTENEGRO, 1954)

05 de Abril - 1855

Morre Vicente Mendes Maciel, pai de Antônio Vicente, que assume a chefia da família, cuidando dos negócios e promovendo o casamento das irmãs. Francisca Maciel, madrasta de Antônio, morre em Quixeramobim um ano depois.

07 de Janeiro - 1857

Antônio Vicente Maciel casa-se em Quixeramobim com Brasilina Laurentina de Lima.


A partir desta época, Antônio muda constantemente de cidade e de profissão, sendo negociante, professor, balconista e advogado provisionado, ou advogado dos pobres como o chamavam. Em 1861, encontra-se em Ipu (CE), já com dois filhos, sua esposa inicia uma relação amorosa com um furriel (antigo posto entre cabo e sargento) da polícia local. Profundamente abatido, Antônio abandona tudo e se retira para a Fazenda Tamboril, dedicando-se ao magistério. Tempos depois, vai para Santa Quitéria (CE) e conhece Joana Imaginária, mulher meiga e mística que esculpia imagens de santo em barro e madeira e com ela teve um filho chamado Joaquim Aprígio.

Mas Antônio tinha alma de andarilho e em 1865 parte novamente. Trabalhando como negociante de varejos, percorre os povoados da região e de 1869 a 1871 fixa-se em Várzea da Pedra, insistindo com os negócios, mas os fracassos comerciais e a provável influência do Padre Ibiapina levam-no a iniciar uma nova fase de sua vida, peregrinando por todo o Nordeste.

Alto, magro, cabelos e barba crescidos, sandálias de couro, chapéu de palha, vestido sempre com uma túnica azul clara amarrada na cintura por um cordão com um crucifixo na ponta e um bastão na mão; esse era o Peregrino.

Honório Vilanova, sobrevivente de Canudos e irmão de Antônio Vilanova, um dos principais líderes conselheiristas, em depoimento ao escritor Nertan Macedo no ano de 1962, declarou:

Conheci o Peregrino, era eu menino no Urucu. Se bem me recordo, foi em 1873, antes da grande seca. Ele chegou um dia a fazenda, pedindo esmola para distribuir pelos pobres, como era do seu costume. Donde vinha, não posso me lembrar. Falava-se que dos lados do Quixeramobim, mas a origem pouco importa. Compadre Antônio deu-lhe um borrego nessa ocasião. O Peregrino disse a quantos o ouviram no Urucu que tinha uma promessa a cumprir, erguer vinte e cinco igrejas, que não as construiria, contudo, em terras do Ceará.
Nunca mais pude esquecer aquela presença. Era forte como um touro, os cabelos negros e lisos lhe caíam nos ombros, os olhos pareciam encantados, de tanto fogo, dentro de uma batina de azulão, os pés metidos numa alpercata de currulepe, chapéu de palha na cabeça.
Era manso de palavra e bom de coração. Só aconselhava para o bem. Nunca pensei, eu e compadre Antônio, que um dia nossos destinos se cruzariam com o desse homem.
Uma tarde, ele foi embora do Urucu, caminhando vagarosamente, levando no braço o borreguinho que meu irmão lhe dera. Ficamos olhando a sua figura esquisita, durante algum tempo, do alpendre. Até que sumiu na estrada, não para sempre. (MACEDO, 1964) (Mais detalhes do depoimento de Honório Vilanova em Documentos Raros)


22 de Novembro - 1874

O jornal "O Rabudo" editado na cidade de Estância (SE), publica pela primeira vez na imprensa, uma noticia sobre Antônio Conselheiro, a quem chama de Antônio dos Mares:

A bons seis meses que por todo o centro desta e da Província da Bahia, chegado, (diz ele,) da do Ceará infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antônio dos Mares: (...) O fanatismo do povo tem subido a ponto tal que afirmão muitos ser o próprio Jesus Christo (...) Pedimos providencias a respeito: seja esse homem capturado e levado a presença do Governo Imperial, a fim de prevenir os males que ainda foram postos em prática pela autoridade da palavra do Fr. S. Antônio dos Mares moderno.
Dizem que ele não teme a nada e que estará a frente de suas ovelhas. Que audácia! O povo fanático sustenta que n’ele não tocarão, já tendo se dado casos de pegarem em armas para defendê-lo. (Ver íntegra da notícia em Documentos Raros)

Antônio caminha incansavelmente, conhece cada palmo do sertão, seus segredos e mistérios. Por onde anda, faz sermões, prega o evangelho e dá conselhos. Gradativamente se transforma, de Peregrino a Beato, de Beato a Conselheiro, Antônio Conselheiro ou Santo Antônio dos Mares ou Santo Antônio Aparecido ou Bom Jesus Conselheiro. Deixa crescer o cabelo e a barba, aprofunda o seu já grande conhecimento da Bíblia e sua fama começa a correr todo o interior do Nordeste e rapidamente vai formando em torno de si um número crescente de fiéis seguidores.

28 de Junho - 1876

Antônio Conselheiro é preso em Itapicuru (BA), pelo delegado de polícia Francisco Pereira Assunção.

Esta prisão foi notícia em destaque nos principais jornais de Salvador. Além do Diário de Notícias, o Diário da Bahia e o Jornal da Bahia, também a famosa Folhinha Laemmert, editada no Rio de Janeiro, divulgou pela primeira vez na capital do Império uma notícia sobre Antônio Conselheiro.

5 de Julho - 1876

O Chefe de Polícia da Bahia encaminha Antônio Conselheiro ao seu colega do Ceará, Vicente de Paula Cascais Teles, com a seguinte recomendação:

... suspeito ser algum dos criminosos dessa Província, que andam foragidos. (...) entretanto, si por ventura não fôr ele ai criminoso, peço em todo caso, a V.S. que não perca de sobre ele as suas vistas, para que não volte a esta Província, ao lugar referido, para onde a sua volta trará certamente resultados desagradáveis pela exaltação em que ficaram os espíritos dos fanáticos com a prisão do seu ídolo. (Apud MILTON, 1902, p.12)


15 de Julho - 1876

Conduzido num porão de navio para Fortaleza (CE), Antônio Conselheiro foi espancado severamente na viagem e teve cabelo e barba raspados, chegando em estado lastimável ao Ceará, cujo Chefe de Polícia o encaminha ao Juiz Municipal de Quixeramobim, conforme ofício:

... segue, para aí ser posto à sua disposição, Antônio Vicente Mendes Maciel, que se suppõe ser criminoso neste termo, conforme comunica-me o Dr. Chefe de Polícia da Província da Bahia, que me remeteu, afim de que em Juízo, verificando da criminalidade do referido Maciel, proceda como cumpre na fórma da lei. (Apud BENÍCIO, 1899, p. 46)


1° de Agosto - 1876

O Juiz Municipal de Quixeramobim, Alfredo Alves Matheus, encerra o processo da prisão de Antonio Conselheiro, numa carta ao Chefe de Polícia do Ceará onde declara que "tendo verificado não ser o referido Maciel criminoso, o mandei pôr em liberdade alguns dias depois de sua chegada a esta cidade."
(Apud BENÍCIO, 1899, p. 46)

Mesmo comprovada a sua inocência, o boato de que teria assassinado a mãe e a esposa, perseguiu Antônio Conselheiro até o fim da sua vida. Já agora em liberdade, imediatamente retorna ao sertão da Bahia.

1877

O ano de 1877 foi célebre em todo o Nordeste: era o início da grande seca que durou 2 anos deixando um rastro de 300 mil mortos e um número incalculável de retirantes famintos, muitos dos quais comiam cadáveres nas beiras de estrada. Antônio Conselheiro vivencia a dor e o sofrimento do povo nordestino e continua suas peregrinações pelo sertão adentro, falando para os pobres e explorados, e seu comportamento desagradava cada vez mais setores influentes do latifúndio e da Igreja.

16 de Fevereiro - 1882

O Arcebispo de Salvador (BA), D. Luís José envia aos vigários de todo o Estado da Bahia, uma circular proibindo as pregações de Antônio Conselheiro em suas paróquias.

Chegando ao nosso conhecimento que, pelas freguesias do centro deste arcebispado, anda um indivíduo denominado Antônio Conselheiro, pregando ao povo que se reúne pra ouvi-lo doutrinas supersticiosas e uma moral excessivamente rígida com que esta perturbando as consciências e enfraquecendo, não pouco, a autoridade dos párochos destes lugares, ordenamos à V. Revma. que não consinta em sua freguesia semelhante abuso, fazendo saber aos parochianos que lhes prohibimos, absolutamente, de se reunirem para ouvir tal pregação, (...) Outrosim, se apesar das advertências de V. Revma., continuar o indivíduo em questão a praticar os mesmos abusos, haja V. Revma. de imediatamente comunicar-nos afim de nos entendermos com o Exm. Sr. Dr. chefe de polícia, no sentido de tomar-se contra o mesmo as providencias que se julgarem necessárias.


13 de Maio - 1888

Assinada a Lei da Abolição da Escravatura. Teve fim um longo e tenebroso período em que mais de 9 milhões de africanos foram trazidos à força para o Brasil, o penúltimo país do mundo ocidental a abolir a escravidão negra. Esta medida é recebida com entusiasmo por Conselheiro, que há muito tempo já fazia pregações abolicionistas. Muitos ex-escravos, os chamados 13 de maio, não encontrando trabalho e continuando a sofrer violentas discriminações, acompanham o Peregrino em suas andanças, vindo depois a se estabelecer em Canudos. A escravidão era um tema que o preocupava muito e em uma de suas prédicas, ele escreve:

(...) sua alteza a senhora Dona Isabel libertou a escravidão, que não fez mais do que cumprir a ordem do céu; porque era chegado o tempo marcado por Deus para libertar esse povo de semelhante estado, o mais degradante a que podia ver reduzido o ente humano; a força moral (que tanto a orna) com que ela procedeu à satisfação da vontade divina constitui a confiança que tem em Deus para libertar esse povo, não era motivo suficiente para soar o brado da indignação que arrancou o ódio da maior parte daqueles a quem esse povo estava sujeito.

Mas os homens não penetram a inspiração divina que moveu o coração da digna e virtuosa princesa para dar semelhante passo; não obstante ela dispor do seu poder, todavia era de supor que meditaria, antes de o pôr em execução, acerca da perseguição que havia de sofrer, tanto assim que na noite que tinha de assinar o decreto da liberdade, um dos ministros lhe disse:
Sua Alteza assina o decreto da liberdade, olhe a república como uma ameaça; ao que ela não liga a mínima importância. Assinando o decreto com aquela disposição que tanto a caracteriza. A sua disposição, porém, é prova que atesta do mundo mais significativo que era vontade de Deus que libertasse esse povo. Os homens ficaram assombrados com tão belo acontecimento. Porque Já sentiam o braço que sustentava o seu trabalho, donde formavam o seu tesouro, correspondendo com ingratidão e insensibilidade ao trabalho que desse povo recebiam. Quantos morriam debaixo dos açoites por algumas faltas que cometiam; alguns quase nus, oprimidos da fome e de pesado trabalho.

E que direi eu daqueles que não levavam com paciência tanta crueldade e no furor ou excesso de sua infeliz estrela se matavam? Chegou enfim o dia em que Deus tinha de pôr termo a tanta crueldade, movido de compaixão a favor de seu povo e ordena para que se liberte de tão penosa escravidão. (MACEDO, 1974, p. 180)


15 de Novembro - 1889

É proclamada a República. A terra e a renda continuariam concentradas na mão das elites e o poder político não foi democratizado. Novas medidas começam a entrar em vigor, como a separação entre o Estado e a Igreja, o casamento civil e a cobrança de impostos. Conselheiro não aceita o novo regime e passa a combate-lo com firmeza, escrevendo nas prédicas:

Agora tenho de falar-vos de um assunto que tem sido o assombro e o abalo dos fiéis, de um assunto que só a incredulidade do homem ocasionaria semelhante acontecimento: a República, que é incontestavelmente um grande mal para o Brasil que era outrora tão bela a sua estrela, hoje porém foge toda a segurança, porque um novo governo acaba de ter o seu invento e do seu emprego se lança mão como meio mais eficaz e pronto para o extermínio da religião. Admiro o procedimento daqueles que têm concorrido com o seu voto para realizar-se a República, cuja idéia tem barbaramente oprimido a Igreja e os fiéis: chegando a incredulidade a ponto de proibir até a Companhia de Jesus; quem pois não pasma à vista de tão degradante procedimento? Quem diria que houvesse homens que partilhassem de semelhante idéia. A república é o ludíbrio da tirania para os fiéis. Não se pode qualificar o procedimento daqueles que têm concorrido para que a República produza tão horroroso efeito!! Homens que olham por um prisma, quando deviam impugnar generosamente a República, dando assim brilhante prova de religião. Demonstrado, como se acha, que a República quer acabar com a religião, esta obra-prima de Deus que há dezenove séculos existe e há de permanecer até o fim do mundo; (...) Considerem portanto, estas verdades que devem convencer àquele que concebeu a idéia da República, que é impotente o poder humano para acabar com a religião. O presidente da república, porém, movido pela incredulidade que tem atraído sobre ele toda sorte de ilusões, entende que pode governar o Brasil como se fora um monarca legitimamente constituído por Deus; tanta injustiça os católicos contemplam amargurados. (...) É evidente que a república permanece sobre um princípio falso e dele não se pode tirar conseqüência legítima: sustentar o contrário seria absurdo, espantoso e singularíssimo; porque, ainda que ela trouxesse o bem para o país, por si é má, porque vai de encontro à vontade de Deus, com manifesta ofensa de sua divina lei. Como podem conciliar-se a lei divina e as humanas, tirando o direito de quem tem para dar a quem não tem? Quem não sabe que o digno príncipe o senhor dom Pedro 3.° tem poder legitimamente constituído por Deus para governar o Brasil? Quem não sabe que o seu digno avô o senhor Dom Pedro 2.°, de saudosa memória, não obstante ter sido vítima de uma traição a ponto de ser lançado fora do seu governo, recebendo tão pesado golpe, que prevalece o seu direito e, conseqüentemente, só sua real família tem poder para governar o Brasil? (...). Afirmo-vos, penetrado da mais íntima certeza, que o Senhor Jesus é Todo-Poderoso e fiel para cumprir a sua promessa é um erro de aquele que diz que a família real não há de governar mais o Brasil: se este mundo fosse absoluto, devia-se crer na vossa opinião; mas não há nada de absoluto neste mundo, porque tudo está sujeito à santíssima Providência de Deus, que dissipa o plano dos homens e confunde do modo que quer, sem mover-se do seu trono. A república há de cair por terra para confusão daquele que concebeu tão horrorosa idéia. Convençam-se, republicanos, que não hão de triunfar porque a sua causa é filha da incredulidade, que a cada movimento, a cada passo está sujeita a sofrer o castigo de tão horroroso procedimento. (...) Mas este sublime sentimento não domina no coração do presidente da república, que a seu talante quer governar o Brasil, praticando tão clamorosa injustiça, ferindo assim o direito mais claro, mais palpável da família real, legitimamente constituída para governar o Brasil. Creio, nutro a esperança que mais cedo ou mais tarde há de triunfar o seu direito, porque Deus fará devida Justiça, e nessa ocasião virá a paz para aqueles que generosamente tem impugnado a República. (MACEDO, 1974, p. 175)

As prédicas de Antônio Conselheiro calavam fundo na alma do povo oprimido e explorado, em uma visita ao Ceará, encontra o escritor João Brígido, antigo colega de infância, e declara: "vou para onde me chamam os mal aventurados". Consolidava-se o mito em torno da sua figura, e o séqüito que o acompanhava nas andanças pelo sertão nordestino era cada vez maior.

Como um semeador de oásis no deserto, Conselheiro ergue templos sagrados para o povo em muitos lugares esquecidos e abandonados por onde passa. São igrejas, cemitérios e até açudes. Nestas construções, Conselheiro tinha como mestres-de-obras Manoel Faustino e Manoel Feitosa.
No depoimento a Nertan Macedo, Honório Vilanova declarou:

O Peregrino disse a quantos o ouviram no Urucu que tinha uma promessa a cumprir: erguer vinte e cinco igrejas. Que não as construiria, contudo, em terras do Ceará. Nunca mais pude esquecer aquela presença. Era forte como um touro, os cabelos negros e lisos lhe caíam nos ombros, os olhos pareciam encantados, de tanto fogo, dentro de uma batina de azulão, os pés metidos numa alpercata de currulepe, chapéu de palha na cabeça. Era manso de palavra e bom de coração. Só aconselhava para o bem. Nunca pensei, eu e compadre Antônio, que um dia nossos destinos se cruzariam com o desse homem. (MACEDO, 1964)

Localidades onde Conselheiro construiu igrejas:
Crisópolis (BA), Biritinga (BA), Itapicuru (BA), Rainha dos Anjos (BA), Aporá (BA), Olindina (BA), Tobias Barreto (SE), Nova Soure (BA), Simão Dias (SE), Chorrochó (BA), Esplanada (BA) e Canudos.
Localidades onde Conselheiro construiu cemitérios:
Timbó (BA), Entre Rios (BA), Ribeira do Amparo (BA), Cristinápolis (SE), Aporá (BA), Itapicuru (BA), Simão Dias (SE) e Canudos.

26 de Maio - 1893

Ocorre em Masseté (BA) o primeiro confronto armado entre o governo e os conselheiristas. A força militar, composta de 30 soldados e 1 tenente, foi enviada de Salvador (BA), após Antônio Conselheiro liderar um movimento que destruiu na praça pública de Natuba (atual Nova Soure - BA), os editais republicanos de cobrança de impostos, atitude que provocou a ira das autoridades locais.

Em Masseté, os conselheiristas, sob a direção de João Abade e armados de garruchas, cacetes e espingardas de caça, reagiram prontamente ao ataque da força militar, provocando a fuga desordenada da tropa. Após este fato, Conselheiro percebe que a pressão do governo republicano, da Igreja e dos latifundiários tendia a crescer. Então, reúne seus seguidores e abandona o Vale do Itapicuru, centro de suas atividades por muitos anos, partindo sertão a dentro, em busca da "Terra Prometida".












13 de Junho - 1893

No coração da Bahia, em meio a vegetação de caatinga, existia um velho e decadente povoado a beira do Rio Vaza-Barris rodeado de imponentes morros denominados Cambaio, Caipã, Canabrava, Cocorobó, Poço de Cima, Saui e Angico. É este o lugar escolhido por Antônio Conselheiro para construir sua última morada. O nome do lugar era Canudos, devido a uma planta chamada Canudos-de-Pito, com a qual os antigos moradores, fumavam longos cachimbos, Conselheiro o rebatizou de Bello Monte, e já conhecia o local de andanças anteriores, tendo inclusive realizado obras na antiga capela de Santo Antônio, com a ajuda do beato Paulo da Rosa. Chegou com algumas centenas de fiéis seguidores e se estabeleceu, iniciando assim, a construção de uma comunidade sertaneja com o uso coletivo da terra, sem polícia e sem impostos e onde não tinha patrão nem empregado.

Uma das primeiras providências dos conselheiristas ao se estabelecer em Bello Monte, foi cavar trincheiras e praticar exercícios de tiro. Era uma medida de segurança importante, pois há poucos dias tinha havido em Masseté, um confronto armado com os soldados enviados de Salvador pelo governo estadual (Ver detalhes em Antônio Conselheiro).

As características sociais e econômicas de Canudos, atraiam milhares de pessoas de todo o sertão nordestino. Falava-se em toda a região que em Bello Monte "corria rios de leite e as barrancas eram de cuscuz". E a cidade crescia a um ritmo acelerado. Continuamente chegava novos grupos de pessoas de todas as direções. A Igreja de Santo Antônio, também chamada de Igreja Velha, logo se tornou pequena para a multidão, que a noite se reunia pra cantar as ladainhas e ouvir as pregações de Conselheiro.

Foi iniciada a construção da Igreja Nova ou Igreja do Bom Jesus. As doações para as obras vinham de vários pontos do Estado, arrecadadas em missões executadas por homens de inteira confiança do Conselheiro, como José Beatinho, Pedrão, José Venâncio e Manoel Ciriaco. A praça das igrejas era o centro espiritual e político da comunidade, onde moravam seus principais líderes em casas de telha. Era circundada por inúmeros becos estreitos e entrelaçados, compostos de casas de taipa, que eram construídas de forma desordenada e em grandes mutirões.

O comércio em Canudos já existia antes da chegada de Conselheiro. Antônio da Mota e Joaquim Macambira antigos moradores e comerciantes também tinham pedaços de terra. Antônio da Mota era morador antigo e descendente de Joaquim da Mota, que descobriu em 1784 o famoso meteorito de Bendengó. Joaquim Macambira, era o mais bem relacionado nas redondezas e quem fazia os contatos comerciais externos de Bello Monte, e teve uma participação ativa na Guerra. Norberto das Baixas veio após a fundação do Arraial, tinha uma fazenda em Bom Conselho e exerceu papel de relevo antes e durante a guerra. Antônio Vilanova era o mais influente de todos. Cuidava da economia canudense e também era uma espécie de "juiz de paz" .Durante a guerra fazia parte do núcleo dirigente das operações militares e sob a sua guarda ficavam as armas e munições.

Em tempos de paz, a segurança da cidade e a defesa pessoal de Conselheiro era atribuição da Guarda Católica (ou Companhia de Jesus), formada por 600 homens uniformizados escolhidos entre os melhores para a luta e sob a chefia de João Abade, "o comandante da rua" ou o "chefe do Povo".

Os negros ex-escravos constituíram parcela expressiva do Arraial onde finalmente encontraram "a alforria da terra". José Calazans afirmou que "tantos homens de cor nos leva a supor que Canudos foi o último quilombo". Era grande também a presença dos índios Kaimbé e Kiriri, povos de influências marcantes na cultura e nos hábitos sertanejos. Conselheiro fundou uma escola que teve um professor e uma professora. Na cidade, era proibido tabernas e aguardentes e não havia prostituição. Tinha uma cadeia e segundo o Deputado César Zama, os delitos leves, Conselheiro punia a seu modo, aqueles mais graves ele entregava para as autoridades da comarca. O padre Vicente Sabino do Cumbe freqüentemente visitava o Arraial e promovia batizados e casamentos, muitos deles já consumados na prática. A velha e respeitada D. Benta era quem fazia os partos.

Honório Vilanova, sobrevivente de Canudos e irmão de Antônio Vilanova, um dos principais lideres conselheiristas, declarou ao escritor Nertan Macedo:

Grande era a Canudos do meu tempo. Quem tinha roça, tratava da roça na beira do rio. Quem tinha gado, tratava do gado. Quem tinha mulher e filhos, tratava da mulher e dos filhos. Quem gostava de rezar, ia rezar. De tudo se tratava, porque a nenhum pertencia e era de todos, pequenos e grandes, na regra ensinada pelo Peregrino. (MACEDO, Nertan. Memorial de Vilanova. Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1964)

Manuel Ciriaco, antigo morador de Canudos, declarou em 1947:

No tempo do Conselheiro, não gosto nem de falar pra não passar por mentiroso, havia de tudo, por estes arredores. Dava de tudo e até cana-de-açúcar de se descascar com a unha, nascia bonitona por estes lados. Legumes em abundância e chuvas a vontade. (TAVARES, 1993: p. 48)

21 de Maio - 1895

Termina a missão dos frades capuchinhos a Canudos. Enviada pelo Arcebispo de Salvador, D. Jerônimo Tomé, para promover a dissolução do povoado, a fracassada missão durou 8 dias e era composta pelo Frei italiano João Evangelista do Monte Marciano, Frei Caetano Leo e o Padre Vicente Sabino. Posteriormente foi publicado um relatório com os pormenores da viagem (Antônio Conselheiro e seu Séquito no Arraial dos Canudos / Ver em Livros).
24 de Maio - 1895

Antônio Conselheiro conclui o livro intitulado Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Salvação dos Homens, obra de conteúdo essencialmente religioso, escrito em Bello Monte, ainda inédito, tendo sido doado pelo Prof. José Calazans ao acervo do Núcleo do Sertão (CEB - UFBA).

Canudos virou uma lenda em todo o Nordeste. Parecia que todo o sertão queria ir para o Bello Monte. Em quatro anos tornou-se a 2ª maior cidade da Bahia com mais de 25 mil habitantes. Salvador tinha 200 mil na época. Inúmeros povoados ficaram praticamente desabitados. Os trabalhadores abandonavam as grandes propriedades, com isso desorganizando a produção e afetando seriamente toda a economia da região. A elite agrária nordestina estava apavorada e não tardaria a articular uma reação.

O Padre Cícero Romão Batista, nascido no Crato (CE) em 24 de Março de 1844, tinha muito interesse por Canudos, a ponto de ter enviado em 1896, antes do inicio da guerra, um observador chamado Herculano. Conselheiro então lhe disse: "haverá quatro fogos, os três primeiros serão meus, o quarto eu entrego nas mãos do Bom Jesus."

Novembro - 1896

Começa a guerra de Canudos. O pretexto para o seu início foi irrelevante. Antônio Conselheiro precisava de madeira para a Igreja Nova em construção e a encomendou em Juazeiro (BA). O pagamento foi antecipado, mas, no prazo estabelecido, a madeira não foi entregue. Espalhou-se o boato de que a cidade seria invadida pelos conselheiristas. O juiz local, Arlindo Leone, tinha antigas divergências com Conselheiro e resolveu estimular o pânico na cidade. Grande parte dos moradores resolveu atravessar o Rio São Francisco, refugiando-se em Petrolina (PE). Criado o clima propício, o juiz solicitou tropas policiais e foi atendido pelo Governador Luís Viana.

06 de Novembro - 1896

Parte de Salvador (BA), pela Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco com destino a Juazeiro, a 1ª Expedição Militar contra Canudos. Era composta de 113 soldados do 9º Batalhão de Infantaria, três oficiais, um médico e dois guias (Pedro Francisco de Morais e seu filho, João Batista de Morais), comandados pelo Tenente Pires Ferreira. Levava 400 cartuchos para cada praça. Ao chegar no dia seguinte a Juazeiro, a expedição encontrou uma cidade apavorada, mas os conselheiristas estavam bem longe e não planejavam nenhum ataque. Então, o juiz e o tenente decidem ir em direção a Canudos.

No dia 19, a tropa chega a Uauá (BA). O historiador Manoel Neto afirma:

Até alcançar Uauá a trôpega tropa marchou penosos 150 quilômetros. Passaram pela Lagoa do Boi, Caraibinhas, Mari, Mucambo, Rancharia, o Tenente Pires Ferreira e seus enfermiços e diarréicos subordinados. Enfrentando dificuldades no comando, porquanto estremecido com o Alferes Coelho e o próprio Dr. Antonino, o chefe da expedição cometia outros erros perigosos: exauria a tropa numa marcha não planejada e em terreno sobejamente conhecido pelo inimigo, isolava-se de apoio estratégico valioso, encaminhava-se para combater um contendor desconhecido, obscuro. Tinhosos, como depois se comprovou, os combatentes de Bello Monte espreitavam... (NETO, Manoel. De Juazeiro a Ladeira da Barra: A Inusitada Trajetória da Expedição Pires Ferreira in Revista Canudos v.1, n.1 1997 UNEB – CEEC)


21 de Novembro - 1896

No amanhecer deste dia a Expedição encontrava-se ainda em Uauá (BA), quando chegam centenas de conselheiristas entoando cânticos, tendo a frente a bandeira do Divino e uma grande cruz de madeira.

Não pareciam guerreiros
Símbolos da paz portavam,
A bandeira do Divino
E ao som de Kyries marchavam,
Levando uma grande cruz,
De longe se anunciavam.
(Zé Guilherme)

Vinham como quem vinha para reza, ou para a guerra. Foram recebidos a bala pelos sentinelas semi-adormecidos e surpresos. Era a guerra. Manoel Neto assim descreve: "Estabelecia-se, sangrento, o 1º fogo previsto pelo Conselheiro, e a pacata Uauá transformava-se em violento território de combate. O próprio Tenente Pires Ferreira descreve o ataque destacando a "incrível ferocidade" dos assaltantes e a forma pouco convencional como organizavam suas manobras, isto é, usando apitos. A celeridade e a rapidez com que a luta se deu, propiciou vantagem inicial aos conselheiristas. Adentraram ao arraial onde ocuparam algumas casas. A lógica, entretanto, prevaleceu. Armados e municiados com equipamentos mais modernos e letais, os soldados do 9º Batalhão de Infantaria impuseram pesadas baixas as forças belomontenses. A crueza do combate foi inegável, sendo que o uso de armas como "facões de folha-larga, chuços de vaqueiro, ferrões ou guiadas de três metros de comprimentos, foices, varapaus e forquilhas, sob o comando de Quinquim Coiam" utilizados em lutas de corpo a corpo produziam cenas dantescas. Foram entre quatro e cinco horas de pânico, sangue, horror e gestos de bravura e pânico. Contabilizadas as baixas de ambas as facções, os números determinavam a vitória militar das tropas governamentais. No relatório oficial, Pires Ferreira informa que pereceram na batalha, dentre as hostes conselheiristas "cento e cinqüenta, fora os feridos". (NETO, Manoel. idem )

Passadas várias horas de combate, os canudenses, comandados por João Abade, resolveram se retirar, deixando para trás um quadro desolador.

Apesar da aparente vitória, a expedição estava derrotada, pois não tinha mais forças nem coragem para atacar Canudos. Naquela mesma tarde, saqueou e incendiou Uauá e retornou para Juazeiro, com o saldo de 10 mortos (um oficial, sete soldados e os dois guias) e 17 feridos.

Em Juazeiro ao chegarem
Houve grande confusão
O medo cresceu na mente
De toda a população
O êxodo reatado
Aumentou em proporção
(Zé Guilherme)

Pedrão, que durante o combate estava em outra missão, ao chegar em Canudos e saber que seus companheiros mortos estavam insepultos, criticou João Abade e autorizado por Conselheiro, voltou a Uauá e enterrou 74 corpos.

Em Canudos, correu o boato de que os soldados tinham sido avisados por Antônio da Mota, negociante, compadre e amigo de Conselheiro. Mas estes créditos de nada lhe valeram, pois foi morto junto com todos os homens adustos da sua família numa chacina brutal e desumana.

A derrota surpreendeu o governo e repercutiu negativamente na opinião púbica, mas no sertão aumentou ainda mais o prestígio de Antônio Conselheiro e cresceu muito a quantidade de pessoas que iam para Canudos.


29 de Dezembro - 1896

Reúne-se em Monte Santo (BA) o efetivo da II Expedição Militar contra Canudos, composta de forças federais e da polícia militar baiana, sob o comando do Major Febrônio de Brito. Depois de inúmeros contratempos provocados por divergências entre o Governador Luís Viana e o Comandante do 3° DM, General Sólon Ribeiro, que é afastado do posto por ordem do governo federal, a Expedição finalmente estava pronta para a investida. Muito mais poderosa que a anterior, era composta de 609 soldados do 9º BI (Salvador), 33º BI (Alagoas) e do 26º BI (Sergipe), 10 oficiais, 1 médico, 1 farmacêutico, 1 enfermeiro, 2 canhões Krupp e 3 metralhadoras Nordefelt. Um clima de euforia e festa patrocinado pelas autoridades locais contagia toda a tropa e a confiança numa rápida e esmagadora vitória era tanta, que resolveram deixar na cidade 2/3 da munição, por considerá-la desnecessária.

12 de Janeiro - 1897

Neste dia, em que parte de Monte Santo em direção a Canudos a Expedição Febrônio de Brito, Antônio Conselheiro conclui em Bello Monte suas prédicas em um volumoso livro intitulado Tempestades que se Levantam no Coração de Maria por Ocasião do Mistério da Anunciação, obra manuscrita que contém pensamentos e discursos sobre religião, monarquia, república e escravidão. Auxiliava-o escrevendo, Leão de Natuba, uma espécie de secretário que também tinha boa caligrafia. Este livro ficou inédito durante 77 anos e teve sua publicação organizada por Ataliba Nogueira (NOGUEIRA, Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos. Revisão Histórica. São Paulo, Editora Nacional, 1974).


18 de Janeiro - 1897

Logo cedo, a Expedição Febrônio de Brito atravessava a Serra do Cambaio quando foi surpreendida por forte emboscada. Houve um grande corre-corre em meio à fuzilaria. O pleno conhecimento do terreno proporcionava aos sertanejos, uma melhor posição de tiro, causando muitas baixas entre os soldados. A luta durou mais de cinco horas, quando finalmente a força militar prevaleceu e avançou, deixando muitas perdas entre os conselheiristas. Ao fim da tarde, a expedição acampou à beira da Lagoa do Cipó. Na manhã seguinte houve um novo ataque, desta vez mais compacto e direto. Sem o abrigo das serras e rochedos, conselheiristas e militares muitas vezes lutavam corpo-a-corpo, no terrível confronto dos punhais.

No final do combate, inúmeros corpos restavam estendidos no chão, a maioria de conselheiristas.
A lagoa tinha mudado de cor e de nome, desde então passou a se chamar Lagoa do Sangue.
A expedição não teve mais condições de prosseguir no seu objetivo que era atacar Canudos. Estava arrasada e foi obrigada a um recuo lento e penoso, trazendo consigo um saldo de 10 soldados mortos e 70 feridos. Na volta, os soldados, maltrapilhos, com fome e arrastando consigo os feridos e os canhões, percorreram parte do caminho fustigados pelas emboscadas ardilosas organizadas por Pajeú.

31 de Janeiro - 1897

Machado de Assis, que tinha uma coluna no jornal Gazeta de Notícias, neste dia escreve: "Protesto contra a perseguição que se esta fazendo a Antônio Conselheiro". Era uma das poucas vozes contrárias à opinião pública brasileira que exigia novas medidas repressivas contra Canudos após a derrota de duas expedições militares.

07 de Fevereiro - 1897

Parte de Salvador com destino a Queimadas, a III Expedição Militar contra Canudos, a mais famosa de todas. Depois de dois grandes fracassos militares das expedições anteriores, ela tinha a responsabilidade de "lavar a honra" do Exército, seguindo equipada com seis canhões Krupp e mais de 1.300 soldados conduzindo 15 milhões de cartuchos. No comando estava o temível Cel. Moreira César, apelidado de "corta-cabeças" devido a sua atuação na repressão ao movimento federalista no sul do país (1893-95). Era grande a confiança na vitória e logo ao chegar em Queimadas, o Cel. Moreira César telegrafou ao Governador Luís Viana dizendo: "só temo que o fanático Antônio Conselheiro não nos espere". Dias depois em nova mensagem reafirmava: "só receio a fuga dos fanáticos". Nada atemorizava Moreira César, nem mesmo os 2 ataques de epilepsia que sofreu logo nos primeiros dias no Sertão.

De Queimadas segue para Monte Santo e em 22 de fevereiro, parte para Canudos. Ao passar pelo Cumbe (atual Euclides da Cunha) manda prender e humilhar o Padre Vicente Sabino por este manter relações amistosas com Conselheiro.

03 de Março - 1897

A III Expedição Militar avista Canudos. O Cel. Moreira César euforicamente grita para os seus homens: "Vamos tomar Canudos sem disparar mais um tiro... à baioneta". Ao contrário do anunciado, o ataque começa com a artilharia entrando em cena, num fogo cerrado de canhões, seguida de forte investida dos soldados que conseguem ocupar algumas áreas periféricas do Arraial. A reação veio como uma tempestade de tiros partindo dos defensores alojados em casas, becos e nas torres das igrejas. A cavalaria entrou em cena, mas no terreno acidentado, foi ineficaz e tornou-se alvo fácil. Com o passar das horas, mesmo com o apoio da cavalaria, o entusiasmo inicial das tropas arrefece e o confronto se reverte francamente favorável aos conselheiristas. No final da tarde, as baixas militares eram grandes e o inesperado acontece: o Cel. Moreira César é atingido por dois tiros e fica fora de combate. Não havia mais chances para a força expedicionária. Às 19h é anunciado o toque de retirada.

04 de Março - 1897

Durante a madrugada, morre o Cel. Moreira César e assume o comando o Cel. Tamarindo. Logo pela manhã bem cedo, a expedição inicia o caminho de volta. Tudo era como se fosse um pesadelo que ainda não havia terminado, pois Pajeú, um dos principais chefes guerrilheiros de Canudos, liderava seus companheiros em emboscadas que causavam pânico em toda a tropa, transformando a retirada numa debandada geral. O Cel. Tamarindo é atingido mortalmente e o Major Cunha Matos, que assumiu o comando, afirmou em seu relatório oficial: "logo notei certa cobardia por parte das praças em geral (...) a guarda avançada e outras muitas praças abandonavam seus postos, e corriam pela estrada fugindo". Era o trágico fim de uma expedição vingadora que teve um saldo de 116 mortos, inclusive 13 oficiais, e 120 feridos.

05 de Abril - 1897

É publicada a Ordem do Dia, criando a IV Expedição Militar contra Canudos. Após a surpreendente derrota da III Expedição, a opinião publica estava histérica e exigia medidas drásticas do governo para uma rápida solução do conflito. Organizou-se então, a maior de todas as expedições, formada por tropas de 17 Estados (BA-SE-PE-PB-AL-RN-PI-MA-PA-ES-MG-SP-RJ-RS-AM-CE-PR), equipadas com os mais modernos armamentos da época. O efetivo militar era composto de seis Brigadas, divididas em duas colunas que investiriam sobre Canudos por direções opostas, sendo o comandante central o General Artur Oscar.

A 1ª Coluna, sob o comando do Gal. Silva Barbosa sai de Queimadas e passa por Monte Santo, composta de 3.415 homens, 180 mulheres, 12 canhões Krupp e 1 canhão Withworth 32. Na retaguarda, protegendo 750 mil quilos de mantimentos e munições, seguia o 5° Corpo de Polícia da Bahia, destacamento formado por 388 jagunços contratados no interior do Estado. A 2ª Coluna sob o comando do Gal. Cláudio Savaget, parte de Sergipe em tropas isoladas, se agrupando em Jeremoabo (BA), de onde segue para Canudos, composta de 2.340 homens, 512 mulheres e 74 crianças, inclusive duas nascidas durante a marcha.

09 de Abril - 1897

Aporta em Salvador a 1ª Divisão Naval de apoio as operações militares de Canudos. Composta de 5 navios de guerra, os cruzadores 15 de Novembro, Trajano, Andrada, Timbira e Paraíba e o Patacho Caravelas. Era a Marinha, também participando da guerra de Canudos.

28 de Junho - 1897

Depois de várias semanas de marcha, travando combates, a 2ª Coluna da IV Expedição encontra-se em posição privilegiada de ataque a Canudos, já tendo iniciado o bombardeio, quando o Gal. Cláudio Savaget recebe ordens do General Comandante Artur Oscar para socorrer a 1ª Coluna que estava em situação desesperadora, com munição esgotada e envolvida pelas emboscadas organizadas por Pajeú, que magistralmente liderava seus "guerreiros invisíveis" encurralando toda a Coluna no Alto da Favela. Savaget altera seus planos e imediatamente segue ao encontro da 1ª Coluna, salvando-a de uma derrota fragorosa.

29 de Junho - 1897

Explode o canhão Withworth, o célebre 32, trazido pela IV Expedição puxado por 13 juntas de bois e apelidado de "matadeira", devido ao imenso estrago que provocava no meio conselheirista. Este acidente provoca a morte de dois oficiais e o ferimento de quatro praças.

01 de Julho - 1897

Um grupo de 11 guerrilheiros conselheiristas, liderados por Joaquim Macambira Filho, investe contra a artilharia do Exército na tentativa frustrada de destruir os canhões que bombardeavam Canudos. Esses ataques, heróicos e suicidas, cada dia tornavam-se mais freqüentes.

14 de Julho - 1897

Com uma salva de 21 tiros de artilharia, o comando da IV Expedição Militar comemora em pleno sertão nordestino, e em meio a um autêntico massacre contra os conselheiristas, o aniversário da Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade e Fraternidade.

18 de Julho - 1897

Os militares promovem contra a resistência canudense o grande assalto de 18 de Julho. Todas as forças foram acionadas e 3.400 homens iniciam a ofensiva. Durante várias horas o combate foi sem tréguas e a muito custo os soldados conseguem transpor o rio e dominar um pequeno trecho de casas da periferia, porém, devido ao fogo cerrado, tornava-se impossível avançar mais. Ao final do dia, as perdas eram assustadoras e o Exército acusava 947 baixas e uma cruel constatação: o grande assalto fracassara.

23 de Julho - 1897

O General Artur Oscar, comandante em chefe da IV Expedição, faz um relato dramático da situação das forças militares e pede ao governo federal um reforço de 5.000 soldados. O desânimo predominava em toda a tropa e as baixas chegavam à casa de 2.000 homens. O transporte de víveres e de munição era muito perigoso, pois os conselheiristas promoviam emboscadas pelas estradas, dificultando assim o abastecimento e a comunicação da Expedição com a base das operações em Monte Santo (BA). Os oficiais que tinham participado da Guerra do Paraguai (1865 - 1870), afirmam: "jamais vimos combates como os de Canudos".

24 de Julho - 1897

O Governador Luís Viana declara ao jornalista Fávila Nunes correspondente especial de guerra da Gazeta de Noticias (RJ): "Se for pegado Antônio Conselheiro, tudo estará terminado; se porém ele fugir, será preciso persegui-lo onde quer que esteja, para não formar mais grupos".

05 de Agosto - 1897

De Salvador (BA), partem para Canudos 24 estudantes de medicina com o objetivo de servir nos hospitais de sangue do Exército.

07 de Agosto - 1897

Euclides da Cunha desembarca do vapor Espírito Santo em Salvador (BA), como correspondente de guerra do jornal O Estado de São Paulo, periódico no qual já havia escrito dois artigos intitulados "A Nossa Vendéia", publicados em 14 de Março e 17 de Julho de 1897. Euclides demonstrava vivo interesse no tema, e nas semanas seguintes recolhe material de pesquisa e entrevista soldados feridos e prisioneiros conselheiristas recém chegados da zona de combate. No final do mês, vai para o palco da guerra, passando por Queimadas e Monte Santo, chegando em Canudos a 10 de setembro e ficando até 3 de outubro, dois dias antes do final da guerra.

08 de Agosto - 1897

Parte de Monte Santo a famosa Brigada Girard. Formada originalmente por 1.090 homens, com 850 mil cartuchos Mauser, ao longo do caminho foi se reduzindo drasticamente, pois a proximidade do cenário da guerra provocava uma crescente onda de deserções de praças e pedidos de baixas de oficiais que envolveram até mesmo o seu comandante, o General Girard. A famosa e intrépida Brigada se apresenta dia 15 no Alto da Favela, com um Major comandando 800 homens amedrontados e o apelido nada lisonjeiro de "mimosa".

Escapa, escapa, soldado
Quem quiser ficar que fique
Quem quiser morrer que morra
Ha de nascer duas vezes
Quem sair desta gangorra
(João Melchiades, poeta paraibano, ex-soldado na guerra de Canudos, citado por
Paulo Monteiro Varjão, 96 anos, morador de Canudos).


30 de Agosto - 1897

Chega a Queimadas, o Marechal Carlos Machado Bittencourt, Ministro da Guerra. O governo estava alarmado com a possibilidade de mais uma fragorosa derrota, pois dia-a-dia a situação se agravava no acampamento. No plano militar, não havia novas conquistas e a sobrevivência tornava-se insuportável. Um oficial escreveu em seu diário: "a fome tortura, o calor queima, a sede abrasa, a poeira sufoca e os olhos esbugalhados fitam o vácuo".

O Marechal Bittencourt trouxe consigo um reforço de 3.000 soldados, estabelecendo seu Q.G. em Monte Santo e efetivamente toma providencias enérgicas, conseguindo regularizar o abastecimento das tropas em combate.

05 de Setembro - 1897

Atingido durante um tiroteio, morre em Canudos, Norberto das Baixas, antigo dono de fazenda em Bom Conselho (atual Cícero Dantas - BA) que foi morar em Bello Monte, transformando-se numa das mais respeitadas lideranças conselheiristas.

06 de Setembro - 1897

As torres da Igreja Nova, importantes pontos de defesa da resistência canudense, são derrubadas pela artilharia do Exército. Junto com a torre, veio abaixo o sino e Timotinho, que mesmo durante o conturbado período de guerra, todos os dias, as 6h da tarde, subia à torre da Igreja e tocava a hora da ave-maria. Em um cenário desolado, era um belo e grandioso espetáculo, que ressoava em toda a redondeza.

07 de Setembro - 1897

Vencendo uma forte resistência dos conselheiristas, o Exército ocupa a Fazenda Velha, tido como o melhor ponto estratégico para o bombardeio a Canudos.

09 de Setembro - 1897

No acampamento militar, as condições de higiene e saúde são péssimas. Escreve Fávila Nunes, correspondente de A Gazeta de Noticias (RJ): "A varíola aqui esta grassando de modo assustador. Temos já cinco hospitais de isolamento, repleto de variolosos. Só ontem deram-se 24 casos novos".

22 de Setembro - 1897

Morre Antônio Conselheiro. Para uns, a causa foi um ferimento provocado por estilhaços de uma granada; para outros, foi "caminheira" (disenteria), e ainda há os que acreditam que ele não morreu em Canudos. Estas são as últimas palavras escritas por Antônio Conselheiro em Bello Monte:

É chegado o momento para me despedir de vós; que pena, que sentimento tão vivo ocasiona esta despedida em minha alma, à vista do modo benévolo, generoso e caridoso com que me tendes tratado, penhorando-me assim bastantemente. São estes os testemunhos que me fazem compreender quanto domina em vossos corações tão belo sentimento! Adeus povo, adeus aves, adeus arvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que bem demonstra as gratas recordações que levo de vós, que jamais se apagarão da lembrança deste peregrino. (NOGUEIRA, 1974:181)









23 de Setembro - 1897

A estrada de Várzea da Ema, último canal de reabastecimento e contato externo de Canudos é tomada pelo Exército. Finalmente, o cerco das forças militares estava completo. A partir de agora ninguém mais poderia sair ou entrar no Arraial.

01 de Outubro - 1897

A guerra de Canudos já durava quase um ano. Oito dos principais jornais do pais enviaram correspondentes ao palco da luta e as notícias não conseguiam explicar tanta dificuldade e demora de um Exército bem equipado em destruir um reduto sertanejo. As perdas militares eram extraordinárias e a impaciência e o cansaço tomavam conta de todos. Os Generais Artur Oscar, Silva Barbosa e Carlos Eugênio, decidem não esperar mais, e mobilizam 5.871 homens num choque a toda carga sobre o núcleo central de casas, o último reduto da resistência canudense. Revelando mais uma surpreendente tática de guerrilha, os conselheiristas utilizam fossas subterrâneas que interligam as casas, permitindo ampla mobilidade de ação e com isso provocando muitas baixas na tropa.

Depois de várias horas de fogo cerrado, os soldados conquistam os escombros da Igreja Nova, a mais importante trincheira de defesa do Arraial. Este feito foi comemorado de forma entusiasmada, com o hasteamento da bandeira e execução do hino nacional. Mas, inesperadamente uma tempestade de balas desce sobre a praça. Vinham das ruínas, da fumaça, de tudo o que já fora destruído. Era como se viesse do nada, mas vinham, e causavam muitos estragos. Em resposta, o Exército lança 90 bombas de dinamite e muitas latas de querosene. Depois de três meses de intenso bombardeio, agora o fogo tomava conta do Arraial.

02 de Outubro - 1897

Em meio a guerra, surge por entre as ruínas um homem com uma bandeira branca. Era Antônio Beatinho, que queria falar com o general comandante e disse que lá dentro ninguém agüentava mais, a fome e a sede estavam acabando com todos. Pede pra que pudessem sair em paz. Artur Oscar lhe disse que voltasse lá e trouxesse os homens para se entregarem que ele lhes garantia a vida. Beatinho volta ao Arraial e pouco depois reaparece com um grupo de 300 pessoas: eram mulheres, crianças, e inválidos de guerra, maltrapilhos e doentes. Afirma que todos os homens restantes haviam rechaçado sua proposta de rendição e iriam lutar ate o fim.


03 de Outubro - 1897

Antônio Beatinho é degolado junto com seus companheiros que se entregaram confiando na palavra do General Artur Oscar em lhes garantir a vida. A degola dos prisioneiros era a consumação final do massacre. Mas esta prática não era nova na campanha. Desde Agosto que os jornalistas relatavam casos praticados de forma discreta na calada da noite. Agora, nos últimos dias da guerra, a "gravata vermelha" como também era chamada a degola, foi larga e amplamente utilizada sem cerimônias, em plena luz do dia.

O acadêmico de medicina Alvim Horcades escreveu:

Eu vi e assisti a sacrificar-se todos aqueles miseráveis (...) e com sinceridade o digo: em Canudos foram degolados quase todos os prisioneiros (...) levar-se homens de braços atados para trás como criminosos de lesa-majestade, indefesos e perto mesmo de seus companheiros, para maior escárnio, levantar-se pelo nariz a cabeça, como se fora o de uma ave, e cortar com o assassino ferro o pescoço, deixando a cabeça cair sobre o solo - é o cumulo do banditismo praticado a sangue-frio (...) Assassinar-se uma mulher pelo simples fato de ser o seu companheiro conivente com o que se dava - é o auge da miséria! Arrancar-se a vida a uma criancinha (...) é o maior dos barbarismos e dos crimes que o homem pode praticar. (HORCADES, 1899)


05 de Outubro - 1897

Termina a resistência sertaneja, Canudos estava destruída. Num cenário de fim de mundo, por entre becos e ruelas, uma legião de corpos carbonizados se misturam com as ruínas e as cinzas das 5.200 casas. A elite política, acadêmica e militar do pais estava em êxtase. Os deputados federais da Bahia congratulam-se com o governo pela "completa destruição de Canudos, baluarte de bandidos e fanáticos" e o próprio Presidente da República, Prudente de Moraes, declara: "em Canudos não ficará pedra sobre pedra". Enfim os generais cumpriram o prometido, pois queriam que ali se plantasse a solidão e a morte.

Estima-se que mais de 25 mil conselheiristas morreram no conflito que mobilizou um contingente superior a 12 mil soldados do Exército (mais da metade de todo o efetivo nacional), na maior guerra de guerrilhas que o Brasil já viveu.

Numa preciosidade do pensamento dominante, O Barão de Studart escreve: "Para esse fim houve recurso aos meio mais desumanos, que não convêm registrar a bem dos nossos foros de nação civilizada e cristã".

06 de Outubro - 1897

O General Comandante Artur Oscar publica a Ordem do Dia nº 145:

Viva a República dos Estados Unidos do Brasil! Está terminada a Campanha de Canudos. Desde ontem que os batalhões das forças expedicionárias passeiam suas bandeiras sobre as ruínas da cidadela, com a consciência de bem haverem cumprido o seu dever!

O corpo de Antônio Conselheiro é localizado no santuário da Igreja Nova.

Aos seis dias do mês de outubro de 1897, os abaixo assinados examinaram, por ordem superior, os escombros da casa denominada Santuário, residência de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, onde se presumia existirem seus despojos mortais, dando como resultado o exame, que se limitou à situação e hábito externo, o seguinte: Na encosta da parede interna, numa das três seções em que se divide a referida parede, encontrou-se uma sepultura guardando um cadáver com os seguintes caracteres: braços cruzados no peito, deitado sobre uma esteira de carnaúba e envolto num lençol branco. Vestia longa túnica de pano azul costurado na fímbria; a cintura abotoada daí até a gola, tendo por baixo dessa túnica uma camisa e ceroula de algodão nacional. Calçava alpercatas de sola. O cadáver media um metro e sessenta de comprido, era de cor morena e idade presumível de sessenta ou cinqüenta e cinco anos. Estava em começo de putrefação e apresentava cabelos negros, longos e bastos, fronte estreita, rosto largo e magro de maçãs salientes, guarnecido de barbas longas, nariz destruído na porção musculosa, a maxila inferior, como a superior, desprovida de dentes; mãos descarnadas e pés pequenos. Concluído o exame, que não pôde ser levado adiante por deficiência de meios, reconhecemos pelos sinais descritos e pelo testemunho de muitos prisioneiros e várias pessoas presentes, entre as quais o membro presente da comissão acadêmica, João Pondé, ser o corpo de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio Conselheiro, que aí residia como chefe de um núcleo de fanáticos e aventureiros da povoação de Canudos; no sertão da Bahia. Dr. José Curió (Major-Médico), Dr. Mourão, Dr. Gouveira Freire (Capitães-Médicos), Dr. Jacob Gayoso (Tenente-Médico), João Ponde' (6° anista de Medicina) (Apud Gustavo Barroso, O Cruzeiro, 28.04.1956).

Depois de exumado, o corpo de Antônio Conselheiro foi fotografado por Flávio de Barros, fotógrafo baiano que acompanhou a IV Expedição, e sua cabeça foi cortada e levada para Salvador (BA) para exame do Dr. Nina Rodrigues.


03 de Novembro - 1897

É lançado em Salvador um manifesto de 41 estudantes baianos protestando contra o "cruel massacre ... exercido sobre prisioneiros indefesos e manietados em Canudos e até em Queimadas". Pouco depois, também Rui Barbosa declara um elogio aos estudantes que "protestam contra a vitória que degola os vencidos".

05 de Novembro - 1897

É assassinado no Rio de Janeiro (RJ), o Marechal Carlos Machado Bittencourt, Ministro da Guerra, que em setembro se deslocara para o sertão baiano, assumindo pessoalmente o comando das operações militares da Guerra. O atentado, que era destinado ao Presidente da República, Prudente de Moraes, ocorreu no momento em que a cidade em festa recebia os primeiros soldados combatentes de Canudos.

02 de Dezembro - 1902

É lançado no Rio de Janeiro o livro "Os Sertões", um clássico sobre a epopéia de Canudos, escrito por Euclides da Cunha, que em 1897 havia sido contratado pelo jornal O Estado de São Paulo para in loco produzir uma série de artigos sobre a guerra de Canudos e "além disso, tomara notas e fará estudos para escrever um trabalho de fôlego sobre Canudos e Antônio Conselheiro. Este trabalho será por nos publicado", conforme rezava o contrato entre ele e o "Estado". Alguns anos depois, pela Editora Laemmert, o livro foi lançado no mercado editorial brasileiro, transformando-se numa das principais obras da literatura mundial, já tendo sido traduzido para mais de 10 idiomas, com um número superior a 50 edições brasileiras e sendo objeto de mais de 10 mil trabalhos escritos.

03 de Março - 1905

Um incêndio na antiga Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, em Salvador (BA), destrói a cabeça de Antônio Conselheiro que se encontrava em exposição pública desde o final da guerra de Canudos, em outubro de 1897.

12 de Março - 1969

Início da chuva que em poucos dias transbordou o Rio Vaza-Barris e encheu o Açude de Cocorobó, cobrindo a velha Canudos.







Depoimento de Honório Villanova (1964)


Trechos das memórias de Honório Vilanova, sobrevivente da guerra de Canudos e irmão de Antonio Vilanova, um dos principais líderes conselheiristas. Este antológico depoimento foi recolhido pelo escritor Nertan Macedo, em 16 de março de 1962, em Assaré (CE), e publicado na íntegra no livro Memorial de Vilanova (Macedo, 1964).

(...)
"Conheci o Peregrino, era eu menino, no Urucu. Se bem me recordo, foi em 1873, antes da grande seca. Ele chegou, um dia, à fazenda, pedindo esmola para distribuir pelos pobres, como era do seu costume. Donde vinha, não posso me lembrar. Falava-se que dos lados do Quixeramobim, mas a origem pouco importa. Compadre Antônio deu-lhe um borrego nessa ocasião.
O Peregrino disse a quantos o ouviram no Urucu que tinha uma promessa a cumprir: erguer vinte e cinco igrejas. Que não as construiria, contudo, em terras do Ceará.
Nunca mais pude esquecer aquela presença. Era forte como um touro, os cabelos negros e lisos Ihe caíam nos ombros, os olhos pareciam encantados, de tanto fogo, dentro de uma batina de azulão, os pés metidos numa alpercata de currulepe, chapéu de palha na cabeça.
Era manso de palavra e bom de coração. Só aconselhava para o bem. Nunca pensei, eu e compadre Antônio, que um dia nossos destinos se cruzariam com o desse homem.
Uma tarde, ele foi embora do Urucu, caminhando vagarosamente, levando no braço o borreguinho que meu irmão Ihe dera. Ficamos olhando a sua figura esquisita, durante algum tempo, do alpendre. Até que sumiu na estrada, não para sempre.
Anos passados, reencontramos o Peregrino, desta feita na Bahia. O povo de Vila Nova da Rainha, onde então residia com os meus, dele falava como de um santo profeta. Padre Sabino, de Cumbe, que ia muito a Canudos, foi por isso mesmo judiado pelo Moreira César, o corta-cabeça, e salvo de ser fuzilado pelo Coronel Tamarindo.
A verdade é que um dia o Padre Pedro, de Vila Nova, procurou o compadre Antônio e disse:
– Assunção, sei que você gosta de mascateação. Vou fazer uma desobriga e você vai comigo. Poderá vender muito pelo caminho.
Compadre Antônio foi com o Padre, caiu no mundo com o reverendo, munido de uma carga de bacalhau, arroz, bolacha e fazendas. Tocaram os dois em várias partes, até Uauá. Aí, o Padre disse a meu irmão:
– Assunção, esta é a última vila da minha pregação. Daqui eu volto. Adiante dez léguas tem um Conselheiro fazendo uma igreja. Vá vender o resto da sua mercadoria lá pelo Canudos, onde o pessoal está com muita precisão.
Compadre Antônio uniu-se a uma romaria que demandava o arraial, enquanto o Padre retornava a Vila Nova da Rainha. O povo com quem meu irmão viajava ia a Canudos assistir a uma missa. Quando ele chegou ao arraial foi logo chamado à presença do Peregrino.
– Donde é o irmão – perguntou o santo homem.
– Do Ceará – respondeu Antônio.
O Peregrino indagou, então, qual era o lucro que esperava obter com a venda da mercadoria trazida. Compadre Antônio respondeu:
– O lucro é de vinte por cento.
– Pois faça um abate para quinze e nós ficamos com tudo.
Compadre Antônio aceitou a oferta e o Peregrino mandou pagar a quantia proposta. E tanto gostou meu irmão de Canudos que ali decidiu ficar. De Vila Nova da Rainha eu ia despachando ao compadre as mercadorias que ele pedia. Canudos começou a abastecer-se de Vila Nova e foi assim que Antônio, tanto quanto eu, mais tarde, ganhamos o apelido que conservamos – Vilanova.
Um dia, Antônio me convidou para morar também ern Canudos. Eu e ele, como sabem, já éramos casados. Fui, antes, dar uma espiada no arraial. Gostei tanto da ordem ali observada que resolvi ficar. Canudos era um pedaço de chão bem-aventurado. Não precisava nem mesmo de chuva. Tinha de tudo. Até rapadura do Cariri.
Fui-me deixando ficar à sombra do Peregrino, trabalhando ao lado do compadre Antônio.
Durante o dia alguns homens levavam nas carretas de madeira ou na cabeça, conforme a promessa ou a necessidade, pedras para a construção da nova igreja.
Quase nunca aparecia o Peregrino. Vivia dentro de casa, meditando ou rezando.
Os homens, repito, não eram tanto de freqüentar os ofícios. As mulheres, sim, iam quase todas ao santuário ou à latada, onde rezavam e ouviam pregação.
Da loja do compadre Antônio, eu via, vez por outra, passar o Peregrino sobre a parede da igreja, vigiando as obras. Cachaça, não. Nem devassidão. Era um povo ordeiro e não havia briga.
Quando chegava ou saía do arraial alguém de fora, perguntando "como vai?" ou dizendo "adeus!", o Peregrino chamava com delicadeza e ensinava:
- Aqui não se fala assim. A única saudação nesta terra é: "Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!.
A loja funcionava de dia, compadre Antônio e eu atendendo no balcão.
As coisas do tempo eram baratas. O açúcar branco, vindo de Sergipe. custava seis mil-réis a arroba. Quatro o mascavo, arroba de quinze quilos. Cinco mil-réis o quilo de bacalhau. A carga de rapadura de Geremoabo não ia além de vinte mil-réis. Cada uma delas a dois vinténs, tínhamos um lucro de cem por cento. Miudeza era a tostão. Uma travessa, pente de cocó, custava cinco réis. O quilo da pimenta-do-reino, dez tostões. O charuto um tostão. A arroba de fumo, sete mil-réis.
É do quanto me lembro, nesta minha velhice.
Certa vez, ouvi do Peregrino uma profecia. Ele disse ao povo:
– Na casa do século XX há de aparecer uma praga do rabo de vara para perseguir os mantimentos dos lavradores. Calabar não tem gosto de comer do arroz, do milho e do feijão. Há de haver grande fartura de ouro branco e de ouro preto. O ouro preto, o fumo, a fumaça irá no ar e o ouro branco vestirá o povo.
Dele próprio nunca falou o Peregrino. Não dizia uma palavra sobre a sua vida passada ou presente. Sabia-se, vagamente, que fora casado e que a mulher entregara-se à má vida. Uma única vez falou de si, dizendo que, quando menino, fora maltratado pela madrasta.
E foi só. Verdade que não conversava com fêmeas. E se um homem, quando ia falar
com ele, tremia, assustado, perguntava sempre:
– Que tem o meu irmão?
– Os nervos, meu Pai.
– Não sou onça, não, mas um Peregrino que não faz mal a ninguém.
Não era doido e ninguém soube de fatos que lhe desabonassem a conduta. Santos e justos eram os seus conselhos a todos, homens e mulheres.
Ah, não pegava em dinheiro da República! Mas não pegava em dinheiro de qualquer espécie, nem mesmo o de D. Pedro II!
Não dormia com um tostão de um dia para o outro. Se recebia esmolas, logo as passava a quem se achasse junto dele. Ou mandava comprar panos para vestir os
necessitados.
Era assim o Peregrino.

(...)

"Recordações, moço? Grande era o Canudos do meu tempo. Quem tinha roça tratava de roça, na beira do rio. Quem tinha gado tratava do gado. Quem tinha mulher e filhos tratava da mulher e dos filhos. Quem gostava de reza ia rezar. De tudo se tratava porque a nenhum pertencia e era de todos, pequenos e grandes, na regra ensinada pelo Peregrino. Eu e compadre Antônio tínhamos a nossa loja, mesmo defronte ao santuário. Era um formigueiro de gente, zelosa e ordeira nos seus bons costumes, onde não havia uma só mulher prostituta. Do balcão eu via em derredor a quietude e a paz em que findavam os dias. Reinava o Peregrino. A sua palavra era ouro de lei. A sua mão, suave. O bastão era apenas para apoiar o corpo moído de tantos sacrifícios e rezas. Isto. Mais nada. Os mortos? Lembro... João Abade, tão famoso, vinha sempre à loja dar um dedo de prosa. Mesmo no tempo da guerra. Abade tinha a cabeça roletada, como a de um frade, era valente, era alto, era dos lados de Natuba, das bandas do mar.
Antônio Beatinho, que depois degolaram, era lazarino, os olhos castanhos e tinha o cabelo bom. Tinha o beato Paulo, bem velhinho, também de Natuba, que morreu e foi enterrado na frente da igreja e não brigava – só servia mesmo prá morrer.
Pedrão não era nem baixo nem lazarino, mas entroncado. Tinha chegado de Várzea da Ema e na guerra recebeu de nós, eu e meu compadre Antonio, trinta homens e
trinta caixões de bala.Eu despachava a pólvora para o povo na loja. João Abade era comandante arteiro. Quando ele e os seus homens chegaram a Uauá os soldados dormiam. Dois tomavam banho no rio. Estes morreram. 0 combate durou quatro horas e João Abade saiu ferido numa perna. O Peregrino era de boa paz. Nunca acreditou que os soldados do governo viessem matar os homens e esbandalhar as mulheres. Muita gente dizia, mas ele teimava em não acreditar. Era pacífico. Meu irmão Antônio, sempre unido a mim, porque os outro, Se espalharam cedo, era alto, tinha barba e bigode fechados, trajava sempre calça, paletó e camisa. Valente, sim, muito valente.
Assim era a vida.
As beatas rezavam o dia inteiro. Estavam sempre ajoelhadas no oratório, desfiando os rosários, cantando as ladainhas. Até mesmo de madrugada. De manhã era o ofício. As novenas de Santo Antônio. Cantavam-se os benditos. Não aprendi nenhum, porque só uma vez ou outra aparecia pela igreja. Não gostava muito de reza.
Compadre Antônio, sim, ia sempre. A boca da noite começava o terço na latada. Diante das muitas imagens de santos trazidas pelo povo: Nossa Senhora, Santo Antônio, São Pedro, São João, os Apostolos. Rezava-se pela madrugada adentro o ofício de Nossa Senhora da Conceição. O Peregrino estava sempre presente e sempre pronto a repetir os Mandamentos da Lei de Deus e aconselhar o povo. Tudo que ele proferiu antes da guerra nós vimos. Não era homem para acreditar em bruxarias. Lia a sua Missão Abreviada. Tiinha uma letra fina, botava a folha de papel na mão e escrevia sem parar, até quando o vento a dobrava páginas de profecias e orações. Quando não escrevia ele, ditava a Leão de Natuba. Morava num quartinho escuro, bem junto do santuário. Dormia numa cama de vara, com uma esteira e um pedaço de flanela. O rosto era lazarino. Barba e cabelos cerrados, pretos e lisos, eram aparados nos dias de sábado. Conversava pouco, falava quase nada Só quando tinha conselhos a dar e pregar nos Mandamentos da Lei de Deus. Então, ele dizia:
– Quem furta uma agulha furta um cavalo!
Depois, perguntava ao povo reunido:
– Quantas agulhas por um vintém?
O povo dava a resposta:
– Quatro!
– Pois quem furta uma agulha furta também um boi e um cavalo –ensinava o Peregrino.
Durante a guerra quase não sobrava tempo para as rezas no santuário. Mas, no tempo da paz, tudo era alegria em Canudos. 0 Peregrino dizia: "Quando estivermos orando não quero ver música nem cachaça. Porque havia em Canudos o Mestre Faustino, mestre-de-obras e talhador de altares, que descumpria a lei e sempre arranjava meio para tomar uma "bicada". Era um velho de sessenta anos e fez umas rosas douradas no altar da igreja que eram a admiração do povo. O Peregrino proibiu Mestre Faustino de beber. O Mestre ficou magro e triste. Depois se consolou no trabalho. De vez em quando aparecia o Padre Sabino, vigário do Cumbe, que vinha celebrar, batizar e casar na igreja do Peregrino. O reverendo gostava de Canudos e ali ficava mais de um dia e era muito bem recebido. Depois ia embora, com a bolsa regalada. Quando o Peregrino caminhava pelo povoado, coisa rara, ia sempre acompanhado de um carneirinho, como o do Menino Jesus.
Perguntava ao povo:
– Quem comerá da carne deste cordeiro?
Mas o povo não respondia, cheio de respeito.
O carneirinho morreu aos pés do Peregrino, ferido de bala num dos combates.
Canudos crescia. Os vendedores de Cumbe, Uauá, Monte Santo e de todas as redondezas tinham inveja de nós, os Vilanovas, porque não dávamos impostos ao governo, como eles. Os mascates que chegavam a Canudos viam a nossa paz, prosperidade e riqueza e saíam propalando pelo mundo.
Um dia o Peregrino disse:
– Quando Jesus Nosso Senhor andou pela terra foi acompanhado de cinco mil
pessoas. No meio delas havia mais gente detestada do que boa. Ao lado do Bom Jesus já tem o mesmo número de pessoas.
E seguia, vagaroso, pelas vielas, com seu cajado, sua batina de azulão, suas
alpercatas de couro, ouvindo e abençoando os crentes em Deus Nosso Senhor.
Uma vez, pregando de noite ao povo, o Peregrino disse para quem tivesse oiças e entendimento:
- Os homens, quando inventaram a República, também inventaram umas armas de mola, coisa de Anti-Cristo, que é raça de Caim, para vir combater o Bom Jesus.
O povo escutou, calado, e guardou a lição. Nós só tínhamos espingardas de pólvora.
Foi Moreira César quem nos deixou essas armas de mola, de que falarei adiante.
Não havia precisão de roubar em Canudos, porque tudo existia em abundância, gado e roçado, provisões não faltavam Se o Peregrino ditava contra a República é porque a
República era contra a religião. De sua vida, já disse, nada dizia o Peregrino. Só de uma feita, quando perguntou ao povo:
– Como posso ter assassinado minha mãe, se fui maltratado pela minha madrasta?
Se não houvessem matado o Peregrino ainda hoje eu estaria em Canudos..."

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