16 de abril de 2013

Demonização e medo na política contemporânea brasileira.

         A demonização sempre foi um eficaz mecanismo utilizado pela narrativa religiosa para silenciar os seus adversários. Fundados numa perspectiva a-histórica de conhecimento, que não admite a determinação social do homem,  voltada para a naturalização da condição humana, os religiosos apresentaram um universo discursivo pautado numa verdade metafísica. Não há espaço para uma ressignificação da condição humana de acordo com o desenvolvimento histórico e social. Nos últimos anos, devido ao fortalecimento de uma matriz conservadora, em compasso com a cultura política brasileira, a religiosidade vem criando obstáculos significativos para o estabelecimento de uma perspectiva que perceba uma vivência marcada pelo dinamismo, pelo conflito e pela interação cultural, próprias de sociedades democráticas que convivem com a diversidade.


       Podemos afirmar que há um crescimento de setores que podem ser classificados como fundamentalistas, devido a posturas que publicamente assumem contrários a qualquer tipo de questionamento de suas tradições religiosas e da sua fundamentação teológica. Seus discursos são por um radicalismo que demonstra a dificuldade com que estes segmentos lidam com a questão da diversidade e da multiplicidade cultural, revelando traços que negam a possibilidade da afirmação de segmentos que durante anos se viram forçados, literalmente, a esconder a sua condição e agora, quando entram em campo aberto, conscientes do seu papel e da sua capacidade política, forçam o debate e exigem o reconhecimento de seus direitos, obrigando a sociedade a rever os fundamentos éticos e morais que norteiam a estrutura social e determinam os comportamentos.


       É neste ponto, onde o conflito surge com toda a sua dimensão e dramaticidade, que o fundamentalismo religioso aparece com um discurso que contraria as premissas da política que norteia o Estado Democrático de Direito. Surgem, também, todos os limites da teologia da prosperidade, legitimação teórica do pensamento religioso neopentecostal, limitada pela falta de parâmetros conceituais mais bem desenvolvidos e preocupada em oferecer uma sensação de conforto adequada aos valores da sociedade de consumo. Os fundamentos dessa reflexão que pauta a religiosidade de milhões de pessoas estão centrados numa recompensa que gira em torno da prosperidade financeira, reduzindo as relações sacras a uma lógica mercadológica. Esse fundamentalismo teológico oferece um discurso que alimenta o preconceito e marginalização, oferecendo amparo, inclusive, para a disseminação de práticas violentas de silenciamento das minorias que lutam pelos seus direitos.


         Nesse sentido não é de se estranhar que um dos recursos utilizados pelo fundamentalismo religioso seja o da demonização dos adversários. O demônio, na perspectivas dos principais representantes destes segmentos, se encarnam naqueles que desafiam publicamente o fundamento de legitimação das posturas conservadoras defendidas em púlpitos e tribunas. O compromisso com o autoritarismo e a discriminação emergem brutalmente na fala de personagens que se deleitam com a arrogância típica dos que desprezam a democracia.
Surge um vínculo entre política e medo. A ideia é disseminar o medo em torno da possibilidade da destruição de valores considerados naturais e fundamentais para sobrevivência da espécie humana. Ele assume um papel pedagógico no esquema teológico do fundamentalismo religioso contemporâneo. Não há uma preocupação com a determinação histórica e social e só pode existir uma forma de ordenação da  sociabilidade. Qualquer ameaça tem de ser, de alguma forma, silenciada, neutralizada devido a sua natureza subversiva. Os padrões de controle comportamental são entendidos como categorias estanques, frutos de uma vontade que está, inclusive, acima da capacidade de entendimento dos homens. Somos apenas seres subservientes, atentos à vontade do divino e não somos capazes de entender os seus desígnios. Esse discurso idílico assume, publicamente, que não transformar nossa condição social e, dentro deste contexto, se coloca como uma grande estrutura de conformação, que faz das instituições religiosas que se pautam pelo fundamentalismo, um dos grandes aparelhos ideológicos de legitimação do conservadorismo brasileiro, repaginado, repito, por uma teologia vulgar e simplista, a chamada teologia da prosperidade, que na sua essência, carrega o sexismo, o desprezo pela participação política dos marginalizados, a homofobia e o racismo. São estes parâmetros que pautam e determinam o discurso do presidente da CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados), Deputado Marcos Feliciano, que, demonstrando todo o seu compromisso com o conservadorismo, no seu último lance político, determina que as reuniões da Comissão sejam realizadas a portas fechadas. Tudo isso em nome da ordem, da moral e dos bons costumes.

 
Fonte: 
http://www.nethistoria.com.br/blog/marcelo/2013/04/03/demonizacao-e-medo-na-politica-contemporanea-brasileira/