A demonização sempre foi um eficaz mecanismo utilizado pela
narrativa religiosa para silenciar os seus adversários. Fundados numa
perspectiva a-histórica de conhecimento, que não admite a determinação
social do homem, voltada para a naturalização da condição humana, os
religiosos apresentaram um universo discursivo pautado numa verdade
metafísica. Não há espaço para uma ressignificação da condição humana de
acordo com o desenvolvimento histórico e social. Nos últimos anos,
devido ao fortalecimento de uma matriz conservadora, em compasso com a
cultura política brasileira, a religiosidade vem criando obstáculos
significativos para o estabelecimento de uma perspectiva que perceba uma
vivência marcada pelo dinamismo, pelo conflito e pela interação
cultural, próprias de sociedades democráticas que convivem com a
diversidade.
Podemos afirmar que há um crescimento de setores que podem ser
classificados como fundamentalistas, devido a posturas que publicamente
assumem contrários a qualquer tipo de questionamento de suas tradições
religiosas e da sua fundamentação teológica. Seus discursos são por um
radicalismo que demonstra a dificuldade com que estes segmentos lidam
com a questão da diversidade e da multiplicidade cultural, revelando
traços que negam a possibilidade da afirmação de segmentos que durante
anos se viram forçados, literalmente, a esconder a sua condição e agora,
quando entram em campo aberto, conscientes do seu papel e da sua
capacidade política, forçam o debate e exigem o reconhecimento de seus
direitos, obrigando a sociedade a rever os fundamentos éticos e morais
que norteiam a estrutura social e determinam os comportamentos.
É neste ponto, onde o conflito surge com toda a sua dimensão e
dramaticidade, que o fundamentalismo religioso aparece com um discurso
que contraria as premissas da política que norteia o Estado Democrático
de Direito. Surgem, também, todos os limites da teologia da
prosperidade, legitimação teórica do pensamento religioso
neopentecostal, limitada pela falta de parâmetros conceituais mais bem
desenvolvidos e preocupada em oferecer uma sensação de conforto adequada
aos valores da sociedade de consumo. Os fundamentos dessa reflexão que
pauta a religiosidade de milhões de pessoas estão centrados numa
recompensa que gira em torno da prosperidade financeira, reduzindo as
relações sacras a uma lógica mercadológica. Esse fundamentalismo
teológico oferece um discurso que alimenta o preconceito e
marginalização, oferecendo amparo, inclusive, para a disseminação de
práticas violentas de silenciamento das minorias que lutam pelos seus
direitos.
Nesse sentido não é de se estranhar que um dos recursos utilizados
pelo fundamentalismo religioso seja o da demonização dos adversários. O
demônio, na perspectivas dos principais representantes destes segmentos,
se encarnam naqueles que desafiam publicamente o fundamento de
legitimação das posturas conservadoras defendidas em púlpitos e
tribunas. O compromisso com o autoritarismo e a discriminação emergem
brutalmente na fala de personagens que se deleitam com a arrogância
típica dos que desprezam a democracia.
Surge um vínculo entre política e medo. A ideia é disseminar o medo
em torno da possibilidade da destruição de valores considerados naturais
e fundamentais para sobrevivência da espécie humana. Ele assume um
papel pedagógico no esquema teológico do fundamentalismo religioso
contemporâneo. Não há uma preocupação com a determinação histórica e
social e só pode existir uma forma de ordenação da sociabilidade.
Qualquer ameaça tem de ser, de alguma forma, silenciada, neutralizada
devido a sua natureza subversiva. Os padrões de controle comportamental
são entendidos como categorias estanques, frutos de uma vontade que
está, inclusive, acima da capacidade de entendimento dos homens. Somos
apenas seres subservientes, atentos à vontade do divino e não somos
capazes de entender os seus desígnios. Esse discurso idílico assume,
publicamente, que não transformar nossa condição social e, dentro deste
contexto, se coloca como uma grande estrutura de conformação, que faz
das instituições religiosas que se pautam pelo fundamentalismo, um dos
grandes aparelhos ideológicos de legitimação do conservadorismo
brasileiro, repaginado, repito, por uma teologia vulgar e simplista, a
chamada teologia da prosperidade, que na sua essência, carrega o
sexismo, o desprezo pela participação política dos marginalizados, a
homofobia e o racismo. São estes parâmetros que pautam e determinam o
discurso do presidente da CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias
da Câmara dos Deputados), Deputado Marcos Feliciano, que, demonstrando
todo o seu compromisso com o conservadorismo, no seu último lance
político, determina que as reuniões da Comissão sejam realizadas a
portas fechadas. Tudo isso em nome da ordem, da moral e dos bons
costumes.
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