Nadir Costa
INTRODUÇÃO
DAVIDOFF,
Carlos Henrique. Bandeirantismo:
verso e reverso. São
Paulo: Brasiliense, 1982. (Coleção Tudo é História)
Para boa parte das pessoas, o tema
Entrada e bandeiras provavelmente ainda evoque a imagem dos heróis
paulistas do século XVII, dos “construtores épicos do Brasil”,
dos “aventureiros” que expandiram as fronteiras e em cujo rastro
se fez a ocupação do interior e dos sertões. (p.07).
Destas três imagens, a mais cultivada
e que contou com maior poder de difusão para o público foi a
primeira, a dos “construtores épicos do Brasil”, a dos heróis
paulistas. (p. 08)
Hoje, passados já mais de 50 anos do
tempo em que se construía a epopéia dos bandeirantes, não é mais
possível navegar nas mesmas águas, pois, contrastada com o conjunto
mais amplo da produção historiográfica realizada sobre o Brasil
Colônia e sobre as próprias bandeiras, ela parece francamente
datada. (p.09).
São Vicente e São Paulo de Piratininga: o cenário histórico do bandeirante.
Como se sabe, o núcleo inicial da
cidade de São Paulo foi o Colégio fundado pelos jesuítas, em 1554,
(...). Seis anos depois de sua fundação, o novo núcleo incorporou
o vilarejo de Santo André da borda do Campo. (...). Tratava-se de
uma localidade que não apresentava boas condições naturais para o
plantio, estando também constantemente sujeita a ataques dos
indígenas, que utilizavam as matas da serra como ponto de apoio. (p.
16).
Durante os primeiros anos o novo
povoado teve uma existência instável, devido à resistência
indígena, e em 1562 esteve a pique de desaparecer, com o ataque das
tribos confederadas do planalto, situação que se repetiu em
1590.(p.17).
O primeiro aspecto a realçar é que
dentre os colonos que vieram para a distante capitania meridional,
(...) tratava-se de homens do campo, mercadores de poucos recursos e
aventureiros dos mais diversos tipos, seduzidos pelas oportunidades
eventualmente existentes nas novas terras.(p.18).
Outro foi o rumo tomado para o
aproveitamento do solo, e diferentemente do que ocorreu no
nordeste... a agricultura de subsistência constituiu seu ponto
forte. As relações mercantis eram limitadas, pouca a moeda
existente e raros os contatos com as outras capitanias e com a
própria Metrópole.(p.19).
A agricultura de subsistência incluía
o trigo, o algodão (...). As pereiras e figueiras eram mais raras e
os marmeleiros tinham uma importância especial, pois a conserva
desta fruta constituía o principal produto de exportação
paulista.(p.19)
Um item também importante na economia
paulista de subsistência da época era a criação de gado,
atividade a que se prestavam muito bem os campos do planalto, ao
contrário do que ocorria na faixa litorânea e mesmo em Santo André,
devido à ausência de um rio.(p.19).
Na segunda metade do século XVII
deixaram de ser avaliada os bens de pouco valor e passou a ser
assinalada a presença de novos implementos e mercadorias de luxo, o
que poderia estar associado a uma circulação maior de riqueza
devido à marcha do ciclo da mineração.(p.20).
Um dos aspectos que mais chamam
atenção no exame dos inventários paulistas é o pouco é o pouco
valor representado pela propriedade imobiliária, principalmente
durante o século XVI, surpreendente, à primeira vista quando
comparado a outros bens dos acervos.(p.20).
A desvalorização (...) encontra sua
explicação básica na carência do conjunto das condições
necessária para que aí se efetivasse uma exploração mercantil.
Faltavam capitais, escravos, implementos de todos os tipos e melhores
condições de transporte e comunicação com a Europa.(...). As
mercadorias e passageiros eram levados da marinha ao planalto pelos
escravos indígenas, alugados tanto pelos particulares como pelos
jesuítas, e o resultado final era um enorme encarecimento das
mercadorias.(p.21).
No período inicial de sua existência,
ao término do século XVI, São Paulo contava aproximadamente com
mil e quinhentos habitantes e cento e cinqüenta residências. O
número de ruas era muito pequeno e em seus primórdios as casas eram
meras choupanas cobertas por palha, substituídas posteriormente
pelas construções de taipa com telhados.(22).
A vida urbana (...), passados os
perigos iniciais de desaparecimento sob a ameaça indígena, (...).
Richard M. Morse indica que se realizavam pelo menos cinco procissões
religiosas anuais, que atraíam à cidade os chefes de família e
seus dependentes, e que as sessões da câmara e as assembleias extraordinárias garantiam, ainda que de forma instável, a
participação dos agricultores no governo local.(p.22 e 23).
Em resumo, (...) a situação material
e as condições de vida de São Paulo dos séculos XVI e XVII,
(...), a conclusão a que se chega é de que aí a vida do
colonizador se desenvolveu num cenário de extrema penúria. (p.23).
É preciso lembrar, no entanto, que
não são todos os autores que concordam com a visão de Alcântara
Machado sobre a sociedade paulista dos tempos da colônia.(p.23).
Apesar das vozes em contrário, a
tendência dos historiadores, incluindo Sérgio Milliet, é
considerar que São Paulo não conheceu nenhuma forma de riqueza
estável – nem mesmo mediana – até fins do século XVIII, com o
advento do café, que acabou por inaugurar uma fase duradoura de
prosperidade.(p. 24).
As bandeiras: solução de urgência para a pobreza dos paulistas
O bandeirante foi fruto social de uma
região marginalizada, de escassos recursos materiais e de vida
econômica restrita, e suas ações se orientaram ou no sentido de
tirar o máximo proveito das brechas que a economia colonial
eventualmente oferecia para a efetivação de lucros rápidos e
passageiros em conjunturas favoráveis.(p. 25).
Para empreender as suas incursões,
tanto no caso do apresamento e tráfico do indígena quanto na busca
das riquezas fantásticas, os paulistas se organizavam nas chamadas
“bandeiras”. Contudo a partir dos fins do século XVI até o
início do século XVII, essas milícias passaram por modificações,
transformando-se em corpos paramilitares de ataque ao sertão.(p.
24).
No tocante aos termos entradas e
bandeiras, a historiografia tradicional adota duas posições.(p.27).
A expedição bandeirante era
comandada por um chefe, branco ou mameluco, que encerrava em suas
mãos poderes absolutos sobre os subordinados.(p.27).
No que diz respeito ao carregamento,
os bandeirantes levavam pólvora, machados, balas, cordas para
amarrar os índios aprisionados, por vezes sementes, sal e um
apequena quantidade de alimentos.(p.27).
Ao que tudo indica caminhavam
descalços e não com as botas de montaria tão comuns nas estátuas
e figuras dos bandeirantes; o vestuário de restringia ao chapelão
de abas largas, à camisa, ceroulas e aos gibões de algodão
acolchoados, que serviam de anteparo às flechas dos indígenas.(p.28)
Do ponto de vista geográfico, as
bandeiras paulistas foram possíveis devido à posição de São
Paulo, centro de circulação fluvial e terrestre à “boca do
sertão”.(p.28 e 29).
São Paulo dominava ainda outra via de
comunicação, o caminho do Mar, a leste. Tratava-se de vereda
quase intransitável que levava à beira do mar, e que com o tempo se
tornaria uma das principais artérias da capitania, trajeto
indispensável para as comunicações entre o planalto e o
litoral.(p.30).
Escravidão indígena e violência: o bandeirantismo de apresamento
De qualquer modo, as novas disposições
também continuaram a ser burladas, através de vários
expedientes.(...).Outras vezes o colono induzia o casamento de um
índio livre com índia escrava, com o que em geral se conseguia mais
um cativo, o marido índio e os futuros filhos do casal.(p.37).
Os abusos mais gritantes praticados
contra os indígenas consistiam na substituição ou superposição
de um tributo ilegal em trabalho forçado ao tributo taxado, que
acabava redundando na “servidão infernal” dos índios a que se
referia o famoso defensor do... , o padre Bartolomé... (p.38 e 40).
Do ponto de vista das incursões
propriamente ditas, as bandeiras do século XVI atuaram, sobretudo na
região do Tietê, onde foram rapidamente dizimados os Tupiniquins,
no alto Paraíba, chamado pelos paulistas da época de rio
Surubis.(p.40).
Esta expansão das razzias paulistas
contra os indígenas, no início do século XVII, deparou com o
movimento da colonização espanhola que, a partir do Paraguai,
buscava o mar. (40).
Os moradores de Assunção, buscando
acesso a um caminho que facilitasse as comunicações com a Europa e
tentando estabelecer alguns anteparos à expansão vicentina,
procuravam estimular a fundação de cidades em pontos estratégicos
das rotas que interpunham entre eles e os paulistas.(p.41).
As reduções jesuíticas se
estruturavam em forma de vilas no centro do aldeamento, em volta de
uma praça quadrada, erigia-se a igreja e a moradia dos padres que,
em geral, eram as construções mais ricas.(p.42).
Quanto à utilização produtiva da
terra, fazia-se a divisão em lotes, de que as famílias indígenas
deviam retirar seu sustento, depositando-se a safra, contudo, no
armazém comum.(...). Neste caso, o produto gerado destinava-se à
manutenção dos padres, funcionários, artesãos e dos que de alguma
forma precisavam ser sustentados pelo trabalho coletivo. Nos tupambae
criava-se gado, fabricavam-se tecidos e plantava-se a erva-mate,
produtos negociados pelos padres para a obtenção dos artigos de que
necessitavam as missões, como ferramentas, sal e ornamentos
religiosos.(p.42).
A estrutura econômica missioneira
baseava-se fundamentalmente na organização coletiva da força de
trabalho e numa forma de distribuição dos produtos regulada pelos
critérios religiosos de devoção e pelos de produtividade.(p.43).
Desde logo, as missões foram alvos de
salteios vicentistas, e as razões para que isto ocorresse são
óbvias, como indica Capistrano de Abreu, pois não havia presa mais
tentadora para caçadores de escravos: “por que aventurar-se a
terras desvairadas, entre gente boçal e rara, falando línguas
travadas e incompreensíveis, se perto demoravam aldeamentos
numerosos, iniciados na arte da paz, afeitos ao jugo da
autoridade...? . (p.43).
Os colonos, por sua vez, desde o
século XVI, divisavam na ação dos jesuítas e nas suas aldeias uma
forma de subversão da ordem, uma inversão da ordem natural da
colonização, em que o indígena deveria necessariamente estar submetido aos desígnios do
colonizador, que requisitava como escravo.(p.44).
Com o advento do século XVII, o
conflito entre os colonos e jesuítas foi se tornando cada vez mais
intenso até adquirir contornos trágicos, (...).(p.45).
O outro fator a precipitar, de forma
indireta, o choque trágico entre os paulistas, índios e os padres
foi a desorganização do mercado português de e escravos africanos,
no início do século XVII, por parte da Holanda.(...).Nesta
conjuntura especial, os paulistas se viam estimulados a fazer um
grande negócio da preia e venda dos índios para as regiões que
sofriam carência da mercadoria, possível de ser explorado em
condições muito favoráveis e numa escala razoável, dada a
existência da ótima fonte de abastecimento de indígenas
representada pelas missões.(p.46).
Quanto à violência dessa razzias, é
exemplar o impressionante relato do padre Montoya, sobre a incursão
do bandeirante Raposo Tavares em Jesus Maria, no Rio Pardo; (...).
(p.47 e 48).
Á primeira vista, pode causar espanto
a denúncia de violência e genocídio feita pelo padre Montoya, pois
o seu relato revela uma face em geral oculta nos manuais tradicionais
de História do Brasil, freqüentemente tributários do cultivo da
imagem heróica do bandeirante e por isso pouco interessados em
divulgar a versão jesuítica, contraponto do ufanismo
imperante.(p.48).
Firmam seu ponto de vista; os tempos
eram violentos e, portanto eram naturais as “crueldades”
cometidas pelos colonizadores. Concede-se que houve violência, mas
cancela-se tal reconhecimento ao se invocar o espírito dos tempos
que, na sua generalidade, sanciona a violência que particularmente
se exerceu no Brasil.(...).a mentalidade imperante no século XVII,
segundo o historiador, tornava menos grave a hipocrisia piedosa do
arsenal jurídico da época, corporificada nas encomiendas,
“mitas”, nos “serviços de forros”, nos “administrados” e
nas “guerras justas”, etc...(cf.Affonso de E.Taunay, História
das Bandeiras Paulistas).(p.50)
Na verdade, a versão jesuítica da
época, que representa o contradiscurso das interpretações
triunfais do bandeirantismo, foi paulatinamente despojada do seu
caráter de denúncia, e com o tempo passou a ser encarada pela
corrente dominante da historiografia como expressão de interesses
secundários quando comparados aos frutos do movimento histórico dos
paulistas do século XVII.(P.53).
Tomando a questão em seus pontos
fundamentais, é muito difícil sofismar a violência praticada pelo
colono contra o indígena.(p.53).
O escambo pode se desenvolver
principalmente devido o valor, redefinido, que os indígenas davam às
mercadorias trazidas pelos brancos, como os machados, enxadas, facas,
foices, tecidos, espelhos, colares de vidro, etc. (p.54).
No entanto, ao se substituir o escambo
pela agricultura, as relações entre colonos e os índios sofreram
uma alteração profunda, e o sistema tribal não subsistiria mais na
sua forma tradicional.(p.54).
Escravidão indígena e violência: o bandeirantismo de apresamento
A obra dos jesuítas, para Jaeger,
representou a redenção material e espiritual dos indígenas, que,
nas missões, ficavam sob o amparo paternal dos seus mais dedicados e
decididos amigos, os missionários da Companhia, que os dirigiam com
mão suave, mas firme, para o bem-estar corporal e ainda os
encaminham para uma vida melhor no além-túmulo.(p.57).
Em resumo, esse é, para o autor, o
conjunto da visão do indígena não-missioneiro. É bastante
evidente que as justificativas dadas para enfatizar o papel
evangelizador dos padres da Companhia de Jesus são muito toscos,
quase uma transposição literal e freqüentemente exagerada de
determinados preconceitos às vezes arraigados no senso comum.(p.58).
Em realidade, e voltando ao ponto
inicial, o branco não desenvolveu nenhuma outra alternativa para o
indígena nos quadros da colonização que não fosse ou a submissão
total ou o seu isolamento – (p.58).
Quanto às condições de vida do
escravo indígena em São Paulo, eram das piores e os documentos da
época se referem aos conselhos – inúteis – para que se desse
bom tratamento às “peças”, para que não fugissem e não
“andasse” a morrer.(p.59)
Contudo a atividade do indígena que
parece ter sido a mais rentável para o colono paulista da época era
a de caça ao próprio índio, pois tratava-se de “bons sertanistas
cursados no sertão”.(p.59).
O processo de perda de identidade
cultural do indígena foi se acentuando cada vez mais com o passar do
tempo e com a estabilização das práticas de escravização e
submissão dos autóctones por parte do colonizador.(p.60).
Quanto ao rendimento bruto das
bandeiras apresadoras, é muito difícil se ter uma ideia exata,
pois como já disse anteriormente, os índios escravizados não
podiam constar nem ser avaliados nos inventários.(p.60).
Com a transladação dos jesuítas
para as margens dos rios Uruguai e Paraná, tiveram início o
armamento dos índios missioneiros, reivindicação constante dos
jesuítas à Coroa espanhola.(p.61).
Contudo, o período da caça ao índio
em larga escala chegava ao seu fim, e para isso concorreram vários
fatores.(p.61, 62).
Novas tentativas de fortuna: o ouro das Gerais.
O período de ouro das minas gerais
está intimamente associado ao bandeirantismo paulista. (p.63).
Na ausência, em São Paulo, de uma
atividade agrícola plenamente inserida nos desígnios mercantis da
colonização portuguesa, que fornecesse os bens tropicais exóticos
exportáveis para a Europa, como era o caso do açúcar produzido em
outros pontos da colônia, e com o declínio da atividade de caça ao
índio, os paulistas procuravam redirecionar e concentrar seus
esforços em busca de alternativas econômicas.(p.63 e 64).
Quanto à localização dessas
riquezas, supunha-se que não ficavam as grandes distâncias, já que
se considerava que as minas de prata de potosi estavam próximas das
fronteiras brasileiras. Desse modo, a penetração pelo sertão
deveria naturalmente conduzir a elas. (p. 64,65).
Desde o início da colonização
pensava-se que a capitania de São Vicente constituía um lugar
privilegiado para a procura de ouro e Martin Afonso de Sousa teria
escolhido a região entre a ilha de São Vicente e o planalto de
Piratininga para o estabelecimento dos primeiros núcleos de
provocação porque se tratava da provável “costa do ouro e da
prata”.(p.65)
As primeiras pesquisas de metal
precioso, na capitania de São Vicente, tiveram maior sucesso,
chegando-se a fazer, desde o início, alguma mineração
incipiente.(p.66).
A.J. Antonil refere-se, para o período
em questão, à existência de outro em Parnaíba, Paraguai, Curitiba
e Jaraguá, lembrando asa dificuldades para “cantar” e “juntar”
o metal explorado de forma muito rudimentar.(p.67).
Concretamente, esse período inicial
de pesquisa de metais preciosos na capitania de São Vicente não
chegou a descobrir mais do que ouro em pequenas quantidades, e tudo
indicam que não se fizeram fortunas pessoais com esses
achados.(p.67).
As grandes descobertas auríferas só
se produziram efetivamente no final do século XVII e início do
século XVIII, num contexto bastante diferente do período do ouro de
lavagem, e que se caracterizava por modificações nas relações
entre Metrópole e Colônia no seu conjunto.(p. 68).
Tendo em conta a perspectiva das
relações internacionais, Celso Furtado, na Formação Econômica do
Brasil, sintetiza o dilema com que Portugal necessariamente tinha que
se defrontar: era impossível manter a neutralidade em face das
nações poderosas do momento.(p.69).
O tratado que vinculou definitivamente
o destino de Portugal aos desígnios dos interesses ingleses foi o de
Methuen, celebrado em 1703.(p.70
Em ultimo instância, é esta
subordinação econômica e política de Portugal à Inglaterra que
explica o destino que posteriormente sofreu o ouro de origem
brasileira.(p.71).
Analisando as mudanças ocorridas
neste período, que se segue à recuperação da autonomia
portuguesa, Caio Prado Jr. Fala no surgimento de um novo sistema
político e administrativo que, em ultima instância, visava
assegurar que a colônia americana fosse estritamente uma produtora e
fornecedora de gêneros úteis para a Metrópole, que lhe rendessem
grandes lucros no mercado europeu.(p.71)
Quanto à política de monopólios,
Portugal continuou, após a recuperação de sua autonomia, a seguir
uma orientação bastante rígida, que se manifestou, por exemplo, na
criação das companhias privilegiadas do comércio, em 1647 e 1682,
a que se atribuía o direito de exclusividade no comércio
colonial.(p.72).
A retomada das iniciativas de estímulo
oficial aos paulistas para que procurasse as pedras coradas e os
metais preciosos, única riqueza de que “se podia esperar remédio”
(...) desde os fins do século XVI que se esperava particularmente
dos paulistas a descoberta de tais riquezas, pois era conhecida sua
experiência como sertanistas.(p.73).
Contudo, as primeiras convocações
para que os paulistas efetivamente se empenhassem nessa busca não
chegaram a trazer frutos concretos, o que se explica por duas ordens
de fatores.(p.73).
A rebeldia dos paulistas frente às
injunções metropolitanas pode ser observada no caso da flagrante
desobediência ou escamoteamento das leis sobre a escravidão
indígena e no caso do conflito com os jesuítas que, após serem
expulsos de São Paulo, só puderam voltar à capitania adotando uma
atitude conciliatória para com os interesses escravagistas aí
imperantes.(p.74).
Foi somente em 1672, quando já se
encontravam esgotadas as possibilidades de apresamento dos indígenas
com resultados compensadores, que reclamos da Coroa para que se
efetivassem os achados de metais preciosos começaram a surtir efeito
entre os habitantes do planalto.(p.75,76).
Quanto à sequência dos primeiros
achados, Capistrano de Abreu menciona o de Antônio Dias, próximo a
Ouro Preto, o de João de Farias, o de Bueno e Bento Rodrigues um
pouco mais distante, os do ribeirão do Carmo e do Ibupiranga, todos
nas cercanias de Ouro Preto e Mariana.(p.77).
Referindo-se ao período inicial da
descoberta da minas, Saint-Hilaire relata que bandos numerosos de
homens de todas as idades e de todas as condições saíram de São
Paulo e das Vilas vizinhas à cata de ouro.(p.77).
No que diz respeito à forma de
ocupação da área mineradora, de início os paulistas não formaram
nenhum estabelecimento fixo.(p.77,78).
Nas áreas em que as riquezas eram
maiores se demoravam mais, chegando a erigir casas e constituir
aldeias que, com o tempo, se transformaram em arraiais e,
posteriormente, em cidades, como foi o caso de Mariana, Ouro Preto,
Sabará, Caeté, Pitangui e São José. (p.78).
Somente em 1723 apareceram os
primeiros porcos e galinhas e em 1725 um frasco de sal chegava a
obter por pagamento meio libra de ouro.(p.78).
A situação só começou a melhorar
paulatinamente a partir de 1725, com a abertura de novos caminhos por
terra e o início de atividades agrícolas e pastoris mais
estáveis.(p.78).
Com relação às repercussões das
novas descobertas em outros pontos da Colônia, não se pode deixar
de enfatizar a grande migração de brancos e dos escravos negros
para a região das minas.(p.79).
Mas não foram apenas os habitantes da
colônia que afluíram em massa para as Minas Gerais. O fluxo
imigratório de Portugal para o Brasil, que se iniciara em meados do
século XVII, ganhou novo ímpeto com a notícia das descobertas
auríferas.(p.80).
Na perspectiva das autoridades
coloniais, os novos achados despertaram reações contraditória: por
um lado, entrevia-se um século de prosperidade para a Metrópole, e
por outro colocava-se de forma premente a questão do controle
administrativo, fiscal e policial da área mineradora e de sua
população.(p.80).
Diferentemente do que ocorreu no
período da caça aos índios, em que os paulistas se ausentavam pelo
sertão e depois retornavam, revivendo continuamente o binômio
sertão – (...). Os que se dirigiam para a região mineradora à
busca de enriquecimento rápido não voltavam, e a agricultura e a
criação foram abandonadas por falta de escravos.(p. 81 e 82).
Quanto às riquezas das minas,
passaram de maneira muito fugaz, por São Paulo.(p.82).
Agravando o quadro crítico da
economia paulista, em 1758 foi abolida a escravidão indígena em
todo o Brasil, através do decreto de D. José I, de que era ministro
o marquês de Pombal.(p.82).
A questão do heroi bandeirante
Tanto Southey, como Sani-Hilaire e
posteriormente Oliveira Martins, Oliveira Vianna, A.R.Taunay,
Alfredo Ellis e Cassiano Ricardo contribuíram de alguma forma
para a consolidação da imagem heroica do bandeirante. (P.85).
Para os estudiosos das bandeiras da
primeira metade do nosso século, o bandeirante era considerado
exatamente em elo fundamental da constituição e permanência do
povo brasileiro e do Estado nacional, em última instância, de sua
unidade geográfica e política: “De qualquer maneira... é certo
que aos paulistas vetustos das eras passadas deve o Brasil o que é
como grande nação continental” (Alfredo Ellis Júnior, O
Bandeirismo Paulista). (p. 86).
Uma forma mais acabada deste tipo de
concepção é dada por Cassiano Ricardo em seu livro Marcha para o
Oeste. O autor sustenta a tese de que o fenômeno social bandeira é
fundamentalmente um processo, em que os paulistas, através de seus
vários avanços geográficos, tiveram que se adaptar a várias
mudanças, à pressão das condições e a circunstâncias
determinadas.(p.87).
Na versão dos estudiosos das
bandeiras, o bandeirante, que em suas ações é homem de seu tempo,
na perspectiva histórica realmente rompe com o curso dos eventos,
ele altera as disposições de Portugal, Espanha e da Santa Sé sobre
a distribuição geográfica do Novo Mundo, modifica os desígnios da
expansão espanhola e jesuítica, faz descobertas que redirecionam o
curso da história e – aspecto crucial - é a corporificação
individual de um novo tempo histórico de que é o prenúncio - o da
nacionalidade.(p.88).
Encontramos uma visão crítica da
figura heroica do bandeirante, a partir de uma perspectiva que
recoloca em cena a violência cometida contra o indígena, em
Capistrano de Abreu, considerado por Taunay como pioneiro
sertanejo.(p.89).
Numa outra perspectiva, que poderíamos
denominar de “crítica ética e espiritual” temos a visão da
figura heroica do bandeirante contida no famoso livro de Viana Moog
Bandeirantes e Pioneiros. p.90).
Como se pode perceber, este autor
procurou inverter os sinais do culto do herói bandeirante, tentando
cercá-lo criticamente nas suas múltiplas manifestações, como se
estivesse diante de um símbolo dotado de um poder de ubiquidade e
de permanência histórica que pudesse corporificar e revelar as
várias faces do que acreditava serem os males da nacionalidade.(p.
90 e 91).
Do ponto de vista da historiografia
das bandeiras, outra versão crítica do bandeirantismo na
perspectiva de uma história social rigorosa do bandeirante, com
visíveis efeitos desmistificadores, encontra-se no livro de
Alcântara Machado Vida e Morte do Bandeirante. (p.91).
O bandeirante que Alcântara Machado
nos mostra é o simples morador de uma região secundária da
Colônia, sem importância econômica, distante dos centros mais
dinâmicos do Brasil e da Europa, que levava uma vida quase
indigente, lutando com as injunções mais imediatas e prementes de
uma existência material extremamente difícil.(p.93).
Dentre os vários pontos levantados
nestas versões da figura do bandeirante, há um aspecto que parece
particularmente importante recuperar e recolocar em cena, isto é, o
da violência e genocídio praticados por ele contra o indígena,
pois trata-se do contraponto histórico necessário da imagem
triunfal.(p.93)
A rigor – e basta examinar os textos
para se certificar a construção da figura do herói bandeirante só
avançou na proporção exata em que se encobriu ou descartou a
questão da violência cometida contra os grupos locais, abrindo
caminho, deste modo, para que se exaltasse a ideia de expansão
territorial e heroísmo, desvinculando-a da interpretação de seu
verdadeiro contexto histórico e social do século XVII, que
necessariamente envolve a consideração do destino que sofreu a
população indígena que esteve sob a área de ação das
bandeiras.(p.94).
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito obrigado, seu blog é ótimo!!
ResponderExcluir