Nova Constituição e crise econômica
Renato Cancian*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
A ditadura militar no Brasil terminou com a transferência pacifica do poder aos civis, sem que isso ocasionasse uma ruptura da ordem social vigente e nem qualquer punição às Forças Armadas pelas violações dos direitos humanos perpetradas pelos órgãos de repressão.
No final do governo do general João Batista Figueiredo, as forças políticas que faziam parte do pacto de dominação estabelecido desde o golpe de 1964, tentaram se manter no poder apresentando como candidato a sucessão presidencial o político paulista Paulo Salim Maluf, pertencente ao Partido Democrático Social (PDS).
Por não concordarem com a indicação de Paulo Maluf como candidato oficial, influentes políticos do PDS abandonaram o partido e criaram outra agremiação política: o Partido da Frente Liberal (PFL). Maluf representava os interesses dos industriais paulistas, enquanto que os dissidentes que fundaram o PFL eram, em sua maioria, representantes dos interesses da região Nordeste.
Aliança PMDB-PFL
A oposição lançou como candidato o político mineiro Tancredo Neves, pertencente ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Em julho de 1984, o PFL e o PMDB firmaram uma aliança, apresentando o político José Sarney como vice-presidente na chapa de Tancredo Neves.
A eleição presidencial foi indireta, ou seja, a escolha do presidente da República coube ao colégio eleitoral formado pelos parlamentares do Senado e Camâra Federal. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf, por 480 votos contra 180.
A morte de Tancredo
A posse de Tancredo Neves na presidência da República estava marcada para 15 de março de 1985. Porém, ele não chegou a tomar posse devido a problemas de saúde. O presidente eleito foi internado às pressas e passou por sete intervenções cirúrgicas.
O estado de saúde de Tancredo Neves gerou enorme comoção social. Populares fizeram inúmeras intermináveis vigilias nos hospitais onde o presidente ficou internado. Mas a situação se agravou a tal ponto que ele faleceu, em 21 de abril, aos 75 anos de idade, de infecção generalizada.
Como sua morte ocorreu antes de ele assumir o governo, colocou-se em dúvida a legitimidade da posse do vice-presidente José Sarney na presidência da República. Políticos da oposição temiam uma intervenção militar e conseqüentemente a ruptura do processo de redemocratização. Não obstante, a união das forças democráticas forneceu a base de apoio para o vice-presidente José Sarney assumir o governo.
O vice José Sarney assume
Alguns estudiosos do período argumentam que durante o mandato presidencial de José Sarney, os militares exerceram algum tipo de tutela sobre o governo. Porém, inúmeras medidas governamentais visaram o fortalecimento das forças democráticas. Por exemplo, em maio de 1985, uma Emenda Constitucional restabeleceu as eleições diretas para as prefeituras das cidades consideradas como áreas de segurança nacional.
A emenda também abrandandou as exigências para registro de novos partidos. Desse modo, partidos políticos defensores de ideologias de esquerda, que atuavam na clandestinidade puderam se legalizar, tais como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), entre outros. Mas talvez o item mais importante da Emenda Constitucional foi a convocação de uma nova constituinte para elaboração de uma nova Carta-Magna.
Congresso constituinte
Quando ocorrem mudanças de um regime político ditatorial para um regime democrático, a expectativa geral em qualquer sociedade é com relação à elaboração de um novo conjunto de leis capazes de expressar as novas aspirações e interesses da população que foram reprimidos e contidos durante décadas de governos militares.
A Constituição em vigor era a de 1967, ou seja, estava muito defasada diante das profundas transformações ocorridas na sociedade brasileira. É neste sentido que podemos compreender a decisão tomada no início do governo de José Sarney da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que se encarregaria da elaboração de uma nova Constituição para o país.
Surgiram duas propostas para o encaminhamento da Constituinte. A primeira delas, apresentada pelo governo Sarney, defendeu a idéia de que os parlamentares eleitos para o Congresso Nacional nas eleições de 1986 fossem considerados membros da Assembléia Nacional Constituinte. A Segunda, defendia a proposta de uma eleição exclusiva para escolha de membros que se ocupariam especificamente da elaboração da nova Constituição. A proposta governamental saiu vitoriosa.
A Constituição de 1988
Durante a elaboração da nova Constituição, o conjunto das forças políticas que representavam diversos interesses da sociedade buscou defender suas prerrogativas. Ficou manifesta o surgimento de um conflito de interesses entre dois blocos ideológicos distintos. Um deles (representando os liberais) era contrário à intervenção estatal na economia, enquanto que o outro (representando as forças de esquerda) defendia a continuidade e ampliação da atuação reguladora do Estado.
Houve, porém, consenso em torno de algumas questões fundamentais relacionadas com os direitos individuais, políticos e sociais. A Constituição de 1988, também chamada "Constituição cidadã", instituiu um Estado democrático ao estabelecer extensas garantias aos cidadãos brasileiros.
No que se refere aos direitos civis e sociais, é possível apontarmos as influências da Declaração Universal dos Direitos Humanos nos artigos constitucionais que tratam da liberdade individual e das garantias de condições sociais mínimas para que os cidadãos possam gozar de uma vida digna.
Os trabalhadores obtiveram conquistas, entre as mais importantes estão: a limitação da jornada de trabalho para 44 horas semanais, o seguro-desemprego, a licença-maternidade e licença-paternidade. A Constituição também assegurou aos funcionários públicos o direito de se organizar em sindicatos e utilizar a greve como instrumento de negociação, menos nos casos dos serviços essenciais.
A crise e os sucessivos planos econômicos
No governo Sarney, a economia brasileira atravessou uma grave crise sem precedentes na história republicana do país. Foram lançados diversos planos de estabilização inflacionária. Porém, nenhum deles obteve êxito. Em março de 1986, o ministro da Fazenda, Dílson Funaro, lançou o Plano Cruzado.
Os planos Cruzado, Cruzado II, Bresser e Verão
O aspecto mais importante do Plano Cruzado foi o congelamento dos preços e também dos salários, por um período de um ano. O plano teve um efeito imediato no que se refere ao controle da inflação e aumento do poder aquisitivo da população, mas depois de muita euforia (pois a população de modo geral começou a vigiar os preços e denunciar remarcações), a inflação voltou a crescer.
Seguiram-se os planos Cruzado II, de novembro de 1986; o Bresser, de abril de 1987; o Verão, em janeiro 1989. Todos esses planos econômicos fracassaram e a crise economica agravou-se no final do governo de José Sarney, com uma escalada da inflação que chegou a um patamar de 1800%.
As eleições diretas de 1989
De uma perspectiva institucional, o Brasil completou a transição para a democracia somente quando da realização das primeiras eleições diretas para presidente em 1989, o que não ocorria desde 1960. O pleito foi marcado por uma polarização ideológica entre a direita e a esquerda.
O político alagoano Fernando Collor de Mello, candidato do insignificante Partido da Renovação Nacional (PRN) e representante dos interesses conservadores; disputou o pleito com o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, representante das forças populares e de esquerda. Depois de uma acirrada campanha, Collor de Mello venceu o pleito com 35 milhões de votos, cerca de 5 milhões de votos a mais do que o candidato Lula. Collor assumiu a presidência da República em março de 1990.
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