Italianos, alemães e japoneses substituem trabalho escravo
Marco Cabral dos Santos*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
A formação da sociedade brasileira foi fortemente marcada por grandes deslocamentos populacionais (migrações). O tráfico de escravos, que desde o século 15 trasladou mais de 10 milhões de negros africanos para terras americanas, foi o mais importante desses afluxos, deixando marcas profundas em nossa constituição social. Contudo, desde a primeira metade do século 19, com o iminente fim da escravidão, a possibilidade de introduzir trabalhadores europeus esteve na pauta das ações políticas brasileiras, principalmente na transição do trabalho escravo ao assalariado.
No entanto, é preciso entender esse enorme movimento migratório em outra perspectiva, inseri-lo num panorama mais geral. A segunda metade do século 19 assistiu o desenrolar de um processo que ficou marcado como a maior migração de povos de toda a história. Estima-se que entre 1846 e 1875, cerca de 9 milhões de pessoas deixaram a Europa - principalmente a Itália - e cruzaram o Atlântico, rumando sobretudo para os Estados Unidos, na esperança de "fazer a América".
Imigração italiana
Igualmente importante é entender os fatores que impulsionaram esse grande fluxo migratório. O fato é que a Itália, na segunda metade do século 19, possuía milhares de trabalhadores dispostos a abandonar sua terra natal e se aventurar em países distantes como Brasil, Argentina e Estados Unidos. Isso se explica, sobretudo, pela forte penetração das relações capitalistas no campo e a conseqüente concentração da propriedade da terra.
As altas taxas e impostos sobre a posse da terra obrigaram muitos pequenos proprietários a empréstimos e endividamentos. Além disso, o pequeno produtor não conseguia competir com os grandes proprietários, que enchiam os mercados com produtos mais baratos. Sem condições de ocupação, esses trabalhadores se proletarizaram, transformando-se em mão-de-obra barata na nascente indústria italiana. Outros tantos preferiram cruzar o Atlântico, em busca de sorte melhor. Nesse sentido, a forte propaganda do governo brasileiro encontrou um público bastante vulnerável, carente de possibilidades de uma sobrevivência digna em sua terra natal.
Mão-de-obra barata
Em 1871, formou-se a Associação Auxiliadora de Colonização de São Paulo, reunindo importantes fazendeiros e contando com o apoio do governo. Quinze anos mais tarde, em 1886, foi criada a Sociedade Protetora da Imigração, responsável direta pelo alojamento, emprego e transporte dos recém-chegados até as zonas cafeeiras - sendo o café, na época, o verdadeiro motor da economia brasileira. Em apenas um ano, esta sociedade promoveu a entrada de mais de 32 mil trabalhadores. Até o ano de 1900, essa cifra ultrapassaria a casa dos 800 mil imigrantes.
Atraídos por uma forte campanha publicitária e por passagens subvencionadas pelo governo brasileiro, milhares de europeus viam aqui uma saída para sua difícil situação econômica, deixando-se cair nas tentadoras promessas de uma vida melhor ao sul do equador.
Estudos recentes mostram que a introdução de trabalhadores europeus em terras brasileiras deu-se num volume muito maior do que a capacidade de absorção das lavouras de café do interior paulista e de outras localidades. O objetivo era manter a oferta de braços num nível muito elevado, de maneira que o custo da mão-de-obra se mantivesse baixo e não onerasse demasiadamente a produção.
Brás, Bexiga e Barra Funda
Isso explica o fato de grande parcela desses imigrantes ter sido atraída pelos centros urbanos, em vez do campo, marcando definitivamente a conformação social de cidades como São Paulo. Daí o surgimento de bairros nos quais a presença de estrangeiros era marcante, como Bom Retiro, Brás, Bexiga e Barra Funda.
Em virtude desse afluxo de imigrantes, a população da cidade de São Paulo passaria de cerca de 31 mil habitantes em 1872 para mais de 230 mil em 1900. Esse excedente de trabalhadores fez com que o processo de industrialização, ocorrido em princípios do século 20, dispusesse de mão-de-obra barata, já que a oferta desta era considerável.
No sul do país, porém, a fixação de imigrantes deu-se de maneira diferenciada. Baseou-se na colonização por meio de pequenas propriedades, num processo iniciado muito antes do paulista, já que as primeiras colônias datam do início do século 19.
Ali predominaram os trabalhadores alemães, concentrados principalmente nas províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 1824, por exemplo, formou-se a colônia alemã de São Leopoldo; em 1828 surge a de São Pedro de Alcântara e, a partir de 1850, surgem as colônias de Blumenau, Brusque e Dona Francisca, que mais tarde seria conhecida como Joinville.
Racismo e imigração
No entanto, é forçoso notar que não apenas aspectos econômicos nortearam as políticas de imigração de meados do século 19. A introdução de grandes levas de europeus era também motivada por aspectos de cunho raciais, dado o manifesto desejo de nossas elites de "branquear" a população brasileira, aliando-se ao plano de nação moderna que buscavam construir.
Em 1879, por exemplo, o deputado Ulhoa Cintra apresentou um projeto de introdução de trabalhadores chineses, advindos dos EUA ou da própria China, onde a abundância dessa mão-de-obra oriental tornava-a extremamente barata. Alvo de críticas de todo tipo, porém, tal projeto foi rechaçado. Alegava-se, sobretudo, que os chineses representavam uma "raça inferior", e portanto incompatível com o ideário do novo Brasil desejado pelas elites.
Japoneses e coreanos
Os opositores dos chineses agarravam-se na idéia de que a vinda de europeus promoveria uma depuração da raça brasileira, supostamente "maculada" por séculos de escravidão. A introdução de asiáticos nas lavouras paulistas somente se consolidaria em 1908, com a chegada do navio japonês Kasato-Maru. Tinha início uma nova e importante fase do processo imigração, com a formação de uma grande colônia japonesa.
Ao longo do século 20, o Brasil atraiu outros milhares de imigrantes advindos de diversas partes do mundo. Nas últimas décadas, por exemplo, nota-se a forte presença de coreanos e bolivianos em alguns bairros paulistanos.
Estima-se que nos últimos anos tenham entrado no país cerca de 50 mil bolivianos, atraídos sobretudo por oficinas de costura nos bairros do Brás e Pari, muitas delas clandestinas. Também vivem hoje em São Paulo entre 40 e 50 mil coreanos, a maioria deles ocupados em atividades comerciais. São novas cores que se somam ao arco-íris multiétnico brasileiro.
* Marco Cabral dos Santos é historiador com doutorado em História pela Universidade de São Paulo.
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