26 de abril de 2009

Encilhamento

Política econômica tentou impulsionar a industrialização
Vitor Amorim de Angelo*



Encilhamento foi o nome pelo qual ficou conhecida a política econômica adotada durante o governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca - o primeiro presidente da República. A mudança de regime político - da Monarquia à República - ocorreu num momento de graves desajustes econômicos. Um dos efeitos da crise foi a falta de dinheiro circulante no país.

Para resolver o problema, o governo pôs em prática uma política de incentivo à emissão de papel moeda. Historicamente associado ao nome do ministro da Fazenda Rui Barbosa, o programa buscava contornar o problema da falta de dinheiro para pagar os trabalhadores assalariados - cujo número havia aumentado sensivelmente com o fim da escravidão e a imigração de mão-de-obra livre - e viabilizar o processo de industrialização nacional.

Por isso mesmo, acabou recebendo o nome de encilhamento. Encilhar é o ato de colocar a cilha (cinta) na cavalgadura para prender a sela ou a carga. No hipismo, trata-se do preparativo para entrar com o cavalo na pista. Analogamente, era como se o Brasil se preparasse para um novo momento: a industrialização. E um dos preparativos principais naquela conjuntura era facilitar o crédito aos investidores.

Por outro lado, o nome encilhamento também remetia à agitação e à jogatina que dominavam os jóqueis durante as corridas. O mesmo aconteceu com a política econômica do governo Deodoro da Fonseca, cujos efeitos criaram um clima de grande confusão e desordem no mercado de investimentos da época.

Medidas e efeitos do encilhamento
Os últimos anos do Império e os primeiros da República representaram um período extremamente profícuo em debates a respeito da importância da industrialização para o Brasil. Em alguns casos, a bandeira republicana esteve associada à proposta modernizante pela via da indústria, e não mais da agricultura - caminho tradicional até então. Foi nesse contexto que se inseriu a política do encilhamento.

Sem abandonar o setor primário, do qual a economia brasileira e o próprio governo eram absolutamente dependentes, o programa dividiu o país em três grandes regiões bancárias autorizadas a emitir dinheiro, cuja garantia (lastro) eram títulos da dívida pública. Pressionado, o governo terminou credenciando outros bancos a emitirem papel-moeda, criando um volume de dinheiro circulante muito além do que o país necessitava.

Efeitos da política econômica
O efeito imediato dessa medida foi a desvalorização do mil réis, a moeda da época, seguida por um surto inflacionário, provocado pela injeção excessiva de dinheiro na economia. A desvalorização da moeda brasileira, por sua vez, levou ao fechamento de muitas empresas e à falência de tantos outros investidores.

A facilidade de créditos sem a devida fiscalização permitiu que os recursos fossem investidos em outro fim que não aquele para o qual haviam sido aprovados. No mercado de ações, a intensa especulação marcou o período do encilhamento. Muitas empresas-fantasma, que após obterem créditos fechavam suas portas, continuaram negociando suas ações na bolsa de valores - em alguns casos, até mesmo a preço crescente.

Embora seja quase sempre ligado à figura de Rui Barbosa (que não foi o único ministro da Fazenda de Deodoro) e à crise econômica que marcou o início da República, o encilhamento incentivou, ainda que de maneira limitada, a industrialização brasileira. Se de um lado, ele materializou o espírito liberal dos primeiros anos da República, de outro mostrou a debilidade do país para intervir na economia.

Ao mesmo tempo, o fracasso dessa política econômica ensejou o fortalecimento dos setores ligados ao setor primário e às posições defendidas pelos grandes fazendeiros, descontentes com o apoio a outro setor que não o primário.
*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.

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