26 de abril de 2009

Guerrilha do Araguaia

Luta armada no campo
Vitor Amorim de Angelo*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação



Durante a ditadura militar, vários partidos e organizações de esquerda optaram pelo caminho da luta armada. Tanto nas cidades como no campo, essa "oposição armada" ao regime marcou profundamente a história política recente do Brasil. No caso dos conflitos rurais, o mais importante - e até hoje mais controverso - foi a chamada Guerrilha do Araguaia.

Ocorrida no início da década de 1970, a guerrilha levou este nome por ter sido travada em localidades próximas ao rio Araguaia, na divisa entre os atuais estados do Pará, Maranhão e Tocantins (na época, pertencente ao Estado de Goiás). A guerrilha foi organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), que, desde meados dos anos 1960, já mantinha militantes na região do conflito.

O objetivo do PC do B era angariar apoio da população local para, a partir do campo, enfrentar a ditadura, derrubá-la, tomar o Estado e fazer a revolução. Antes de definir-se pela luta armada, o partido apostou na estratégia de construção de uma frente ampla democrática contra a ditadura. Essa linha política, entretanto, não eliminou a opção armada.

Com a decretação do AI-5, no final de 1968, e o endurecimento do regime militar, o PC do B abandonou definitivamente a luta democrática em favor do enfrentamento armado. O mesmo caminho foi feito por outros partidos e organizações, que, nas cidades, deram início a uma onda de atentados e expropriações. O PC do B, ao contrário, praticamente não se envolveu em ações urbanas. Isso, de certa forma, preservou-lhe da perseguição da ditadura, garantindo melhores condições para estruturar a guerrilha no campo.

A organização da guerrilha
Embora, até então, as ações armadas mais espetaculares tivessem ocorrido nas cidades, parte da esquerda revolucionária acreditava que a guerrilha rural também era um passo decisivo rumo à revolução. No plano internacional, não faltavam as referências vitoriosas na China, em 1949, com Mao Tsé-Tung, e em Cuba, uma década depois, com Fidel Castro e Che Guevara.

Com uma estratégia que mesclava as experiências chinesa e cubana, o PC do B acreditava que a deflagração da guerrilha representaria uma inflexão na oposição à ditadura. Tanto é assim que, no começo de 1972, em meio ao endurecimento do regime e à crescente perseguição nas cidades, o partido enviou para a região do Araguaia boa parte dos membros do seu Comitê Central.

Para a estruturação da guerrilha, foi criado uma Comissão Militar, à qual competia coordenar três agrupamentos menores, formados por 21 militantes - cada um com seu respectivo comandante. Os agrupamentos, por sua vez, subdividiam-se em três destacamentos menores, de 7 militantes cada, incluindo um chefe e um subchefe para cada grupo. Era, portanto, uma estrutura rígida, que visava não apenas organizar os trabalhos no campo como também proteger-se da perseguição militar.

A divisão dos guerrilheiros em uma estrutura de grupos e subgrupos fez com que nem mesmo entre eles um destacamento conhecesse os integrantes dos outros. Essa divisão em "células" e a utilização de nomes frios era uma estratégia para que, em caso de captura, um militante não delatasse os demais, o que faria cair a estrutura inteira.

O confronto com o Exército
A versão mais aceita dá conta de que a guerrilha, ainda não deflagrada, teria sido descoberta pelos militares através de informações passadas por uma militante do PC do B. Foi assim que, em abril de 1972, o Exército chegou à região à procura dos guerrilheiros, que viviam misturados à população local.

Naquele momento, praticamente 70 militantes do partido moravam na região, trabalhando como agricultores, farmacêuticos, professores e comerciantes. Para não chamar a atenção, o grupo não se envolvia com questões políticas. Por isso, dada a sua integração, foi com grande surpresa que a população local recebeu a notícia de que eram acusados de atividade subversiva.

Apesar de serem infinitamente mais fracos que o Exército, os guerrilheiros conseguiram resistir por quase dois anos às perseguições. Os militares precisaram de três campanhas para, finalmente, encerrar o conflito na região do Araguaia, em dezembro de 1973, com a destruição da Comissão Militar. Daí em diante, as perseguições continuaram, mas a estrutura da guerrilha já estava completamente desmantelada.

Àquela altura, as bases do PC do B nas cidades também tinham sido duramente perseguidas, de forma que o partido perdeu quase que por completo o contato com os guerilheiros estabelecidos no Araguaia, literalmente isolados no meio da selva. As investidas militares - inclusive contra os moradores - foram marcadas pela extrema crueldade, tendo se transformado, sobretudo na fase final da guerrilha, numa verdadeira caça aos comunistas.

A busca pelos "desaparecidos"
O conflito do Araguaia terminou com um trágico saldo: foram cerca de 76 mortos, sendo 59 militantes do PC do B e 17 recrutados na região. Também por isso, acabou se transformando no principal confronto direto entre a ditadura militar e a esquerda armada. Ocorrida sob intensa censura, a guerrilha nem mesmo chegou ao conhecimento da população em geral, o que só ajudou a isolar ainda mais os militantes do PC do B.

A confirmação da existência da guerrilha na região por parte do governo só veio tempos depois de encerrado o conflito. A perseguição aos guerrilheiros, segundo testemunhos de militares que participaram da operação, moradores do local e sobreviventes, teve requintes de crueldade, como decapitação e fuzilamento.

Em razão disso, muitos corpos nunca foram - e possivelmente nunca serão - encontrados. Desde os anos 1980, os familiares dos guerrilheiros mortos vêm lutando, inclusive na Justiça, para que o Exército libere documentos que comprovem a morte dos parentes. Os militares, porém, continuam negando a existência de quaisquer documentos, o que já foi amplamente contestado. O desfecho desta batalha judicial certamente trará novos contornos para a historia da ditadura militar no Brasil.
* Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é professor de história da Universidade Federal de Uberlândia.

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