Salvacionismo e revoltas
Renato Cancian*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
A candidatura vitoriosa do marechal Hermes da Fonseca nas eleições presidenciais, ocorreram com o rompimento das relações de barganha e dominação política firmadas entre os dois mais importantes Estados da federação, São Paulo e Minas Gerais.
As oligarquias paulistas e mineiras não chegaram a um acordo com relação a escolha de um candidato para sucessão do presidente Nilo Peçanha. Então, São Paulo aliou-se à Bahia apoiando a candidatura de Rui Barbosa, enquanto Minas Gerais aliou-se ao Rio Grande do Sul apoiando a candidatura do marechal Hermes da Fonseca, que venceu a disputa eleitoral.
A política salvacionista
Em seu mandato, o presidente Hermes da Fonseca julgou ser possível alterar a correlação de forças políticas entre as oligarquias dominantes tradicionais, beneficiando aliados políticos que eram ligados às oligarquias menos influentes que apoiavam seu governo.
Contando com o pleno apoio de parcelas da oficialidade, ou seja, militares importantes, e políticos de sua família, Hermes da Fonseca idealizou a política salvacionista. Ela baseou-se em intervenções militares nos Estados, para destituir os governadores e substituí-los por outros que seriam nomeados pelo próprio presidente da República.
Em defesa da política salvacionista, Hermes da Fonseca valeu-se dos argumentos de que seu propósito era o de sanear as instituições republicanas e acabar de vez com a corrupção. Mas seus reais objetivos eram outros. Na prática, a política salvacionista refletia claramente o modo como se travava a luta pelo poder político na Primeira República.
As intervenções militares nos Estados desrespeitava abertamente os princípios republicanos e preceitos constitucionais vigentes. Além disso, a política salvacionista gerou mais instabilidade e crise política, devido as revoltas e rebeliões armadas que eclodiram nos Estados que se insurgiram contra os interventores.
Intervencionismo e crise política
O Nordeste foi principal alvo das intervenções do governo federal. Ao intervir nos Estados da região, o presidente Hermes da Fonseca teve como principal objetivo neutralizar politicamente o senador gaúcho Pinheiro Machado, que na época era um dos mais influentes oligarca, conhecido por todos como o "mandarim" da República.
A intervenção federal no Estado do Ceará, porém, gerou a primeira grave crise política do governo de Hermes da Fonseca. A tentativa de substituir o governador cearense ligado a família Acioly, e em seu lugar nomear o coronel Franco Rabelo, desencadeou a grande Revolta de Juazeiro. Liderada pelo padre Cícero, a revolta popular foi tão violenta que o presidente Hermes da Fonseca recuou rapidamente retirando seu interventor do Ceará.
Revoltas militares
O governo de Hermes da Fonseca também enfrentou outro movimento de revolta social e uma rebelião militar. Em novembro de 1910, portanto, logo no início do seu mandato, ocorreu a Revolta da Chibata. Foi a maior e mais expressiva revolta de marinheiros ocorrida no Brasil.
Entre as principais causas da Revolta da Chibata estão as péssimas condições de trabalho nas embarcações e o código disciplinar em vigor, que previa a aplicação de castigos corporais, as chibatadas, para disciplinar os marinheiros. Indignados com a situação, os marinheiros reivindicaram tratamento mais digno por parte dos comandantes e melhores condições de trabalho. Como não foram atendidos, os marinheiros se revoltaram.
Liderados pelo cabo negro João Cândido, os marinheiros se amotinaram assumindo o comando do navio Minas Gerais. Em seguida, receberam apoio dos marinheiros dos navios São Paulo e Bahia. Os revoltosos manobraram as embarcações e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro caso o governo não atendesse suas reivindicações. Exigiram também uma anistia a todos os envolvidos na revolta.
Incapaz de reprimir os revoltosos, o governo federal solicitou ao Congresso a votação de uma lei abolindo a chibata e concedendo anistia. Os marinheiros encerram a revolta acreditando que seus objetivos foram alcançados. Porém, o governo e as autoridades militares não cumpriram com suas promessas, e na primeira oportunidade prendeu e castigou os revoltosos.
Diante da atitude do governo, os marinheiros se rebelaram novamente. Mas desta vez, o governo reagiu militarmente e massacrou os revoltosos na Ilha das Cobras. Muitos marinheiros morreram e os que sobreviveram foram presos e enviados para prisões na Amazônia. O líder da Revolta da Chibata, o marinheiro negro João Cândido, sobreviveu e foi internado num hospital para loucos. A revolta fracassou, mas gerou muitas pressões sobre as autoridades políticas e militares que modificariam o código disciplinar de modo a abolir os açoites.
Revolta popular
Em 1912, eclodiu a Guerra Santa do Contestado. Em muitos aspectos, esse grande movimento de revolta social assemelhou-se à Guerra de Canudos, porque envolveu beatos e sertanejos que pegaram em armas para lutar pela posse da terra. O conflito ocorreu nas fronteiras dos Estados do Paraná e Santa Catarina.
A revolta foi um movimento eminentemente popular organizado por sertanejos miseráveis, que foram expulsos das grandes propriedades agrárias pelos coronéis locais. Mobilizados e liderados primeiro pelo religioso João Maria, e depois por José Maria, os sertanejos enfrentaram diversas expedições militares enviadas pelo governo federal. A Guerra Santa do Contestado foi só foi debelada 1916, no governo de Wenceslau Braz, o sucessor de Hermes da Fonseca na presidência da República.
Reconciliação política
Na sucessão do presidente Hermes da Fonseca, os Estados de São Paulo e Minas Gerais retomaram a política do "café-com-leite". A reaproximação dos dois Estados mais importantes da federação foi ocasionada pela candidatura do gaúcho Pinheiro Machado. Para se opor a ela, o Partido Republicano Paulista (PRP) se aproximou do Partido Republicano Mineiro (PRM) lançando a candidatura do mineiro Wenceslau Braz. Com o apoio das influentes oligarquias paulista e mineira, Venceslau Brás venceu a disputa eleitoral e governou o Brasil de 1914 a 1918.
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