26 de abril de 2009

Cangaço

Banditismo no sertão nordestino
Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação



Entre os séculos 19 e meados do 20, um tipo específico de banditismo se desenvolveu no sertão nordestino: o cangaço.

Os cangaceiros - bandos de malfeitores, ladrões, assassinos, bem armados, conhecedores da região - saqueavam fazendas, povoados e cidades, impunemente, ou, pior, impondo sua própria lei à região em que atuavam.

Para isso, contavam com o isolamento do sertão, com o tradicional descaso e a incompetência das autoridades constituídas, bem como com a conivência ou proteção de vários chefes políticos locais, os grandes proprietários rurais, conhecidos como "coronéis".

História do cangaço
O cangaceiro - um deles, em especial, Lampião - tornou-se personagem do imaginário nacional, ora caracterizado como uma espécie de Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres, ora caracterizado como uma figura pré-revolucionária, que questionava e subvertia a ordem social de sua época e região.

Nesse sentido - heróico/mitológico - o cangaço é precursor do banditismo que ocorre atualmente nos morros do Rio de Janeiro ou na periferia de São Paulo, onde chefes de quadrilhas também são considerados muitas vezes benfeitores das comunidades carentes.

História do cangaço
O cangaço existiu a partir do século 19, mas atingiu o auge entre o início do século 20, marcado pela ação do bando de Antonio Silvino, e a década de 1940, quando foi morto o cangaceiro Corisco, no interior da Bahia. Entre a atuação dos dois, destacou-se aquele que tornou-se a personificação do cangaço, por ser o líder de uma quadrilha que atuou por quase duas décadas em diversos estados do Nordeste: Virgulino Ferreira da Silva, o célebre Lampião.

Contribuíram para sua fama a violência e a ousadia, que o levaram a empreender ataques até a cidades relativamente grandes do sertão, como Mossoró (RN), em 13 de junho de 1927. Nesse caso, em especial, o ataque fracassou, pois a população local se entrincheirou na cidade e repeliu o ataque. O mesmo não aconteceu em Limoeiro do Norte (CE) ou Queimadas (BA), que o bando de Lampião tomou por alguns dias saqueando, matando indiscriminadamente, e impondo a sua vontade pelo tempo que ali permaneceu.

As volantes
O agravamento do problema do cangaço levou as polícias estaduais a criar forças especiais para combatê-lo, as chamadas "volantes", comandadas por policiais de carreira, mas formadas por "soldados" temporários e cujos métodos de atuação - em especial em relação à população pobre - não era muito diferente daqueles dos próprios cangaceiros. Quanto ao governo federal, seu descaso pelo cangaço foi sempre o mesmo manifestado pelo semi-árido de um modo geral.

De qualquer modo, em 1938, o governo de Alagoas se empenhou na captura de Lampião. Uma volante comandada por João Bezerra conseguiu cercá-lo na fazenda de Angicos, um refúgio no Estado de Sergipe. Depois de vinte minutos de tiroteio, cerca de 40 cangaceiros conseguiram escapar, mas onze foram mortos, entre eles o líder do bando e sua mulher, conhecida como Maria Bonita.

Para se ter uma idéia do caráter violento da sociedade em que isso aconteceu, vale mencionar que os onze mortos foram decapitados e suas cabeças, levadas para Salvador (BA), ficaram expostas no museu Nina Rodrigues até 1968 - quando foram finalmente sepultadas.

O fim do cangaço
Lugar-tenente de Lampião, o cangaceiro Corisco jurou vingança e continuou a atuar até maio de 1940, quando também foi morto num cerco policial. Na década de 40, o Brasil passava por grandes transformações econômicas e sociais, promovidas pela industrialização.

A evolução dos meios de transporte e comunicação integravam pouco a pouco o sertão ao resto do país. De resto, a necessidade de mão de obra nas fábricas do Rio de Janeiro e de São Paulo passaram a atrair a população do semi-árido. Assim, as diversas circunstâncias que originaram o cangaço desapareceram junto com ele.

O cangaceiro imaginário
O cangaceiro, porém, não desapareceu do imaginário popular, em geral, assumindo uma figura heróica de defensor dos fracos, que, de fato, nunca teve. Assim, porém, foi pintado pela literatura de cordel e também pelo cinema nacional. Da mesma maneira, certa historiografia de cunho marxista, também promoveu a apologia e a valorização do cangaço, por considerar os bandidos como rebeldes e insurgentes contra as injustiças sociais.

No caso das populações pobres - a quem o Estado brasileiro jamais dispensou os devidos cuidados -, não é difícil entender a admiração que bandidos como Lampião, ou Escadinha ou Fernandinho Beira-mar, podem despertar. Muitas vezes, nas comunidades onde esses bandidos atuaram, eles tinham mais poder do que as autoridades constituídas, pois eram uma presença mais constante e, talvez, tratassem essas pessoas com mais dignidade e com menos violência do que a própria polícia.

No entanto, isso não os torna absolutamente heróis. Os bandidos não agem no interesse da comunidade, mas de seus próprios bandos, usando de crueldade e violência para fazer prevalecer as suas próprias leis.
*Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.

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