Rui Barbosa disputa a presidência da República
Vitor Amorim de Angelo
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Campanha civilista é o nome pelo qual ficou conhecida a participação do baiano Rui Barbosa na corrida presidencial de 1910, contra o marechal Hermes da Fonseca.
A campanha civilista representou a primeira grande fissura na política do café-com-leite. Afinal, em 1910, ao contrário de boa parte das disputas que ocorreram durante a República Velha, Minas Gerais e São Paulo estiveram em lados opostos.
A desavença se formou, de um lado, por divergências na política mineira e, de outro, pela tentativa do Rio Grande do Sul de ocupar um lugar de destaque no cenário nacional, fugindo da divisão instituída pela política dos governadores. A morte do presidente Afonso Penna só aprofundaria a evolução de uma crise política que culminou no retorno dos militares ao poder.
As divergências em Minas
Afonso Pena abriu o debate em torno da sucessão presidencial ainda em 1908, dois anos antes do encerramento de seu mandato. O candidato preferido para substituí-lo - com o devido apoio da oligarquia paulista - era o então governador de Minas Gerais, João Pinheiro. Porém, a morte repentina do governador deu início à crise política que se aprofundaria em 1909.
Com o falecimento de João Pinheiro, Afonso Pena decidiu apoiar seu ministro da Fazenda, Davi Campista, para a disputa pela presidência. Campista, entretanto, ao contrário de Pinheiro, não era um nome de consenso entre os políticos mineiros, desfrutando de pouco prestígio junto às lideranças do estado.
Fora de Minas, Rui Barbosa, da Bahia, e Hermes da Fonseca, do Rio Grande do Sul, despontavam como possíveis candidatos à sucessão de Afonso Pena, que insistia na indicação de Campista. O senador Pinheiro Machado, importante liderança gaúcha da época, chegou a levar uma lista de nomes para ser analisada pelo presidente, cuja opção por Campista continuava inabalável.
Os gaúchos, que inicialmente tencionaram apoiar Rui Barbosa, nome que integrava a lista apresentada a Afonso Pena, acabaram, face à negativa presidencial, aprovando o nome de Hermes da Fonseca. A opção pela candidatura militar, tida como secundária a princípio, ganhou força diante de um possível embate contra o governo federal. Era uma tentativa, portanto, de ganhar o apoio das Forças Armadas, afastadas do poder central desde o governo Floriano Peixoto.
De outro lado, a base do governo no Congresso Nacional se corroía rapidamente, a ponto de a maior parte das lideranças mineiras ter apoiado a indicação do governador do estado, Wenceslau Brás, para vice na chapa encabeçada por Hermes da Fonseca. Com isso, Afonso Pena ficou cada vez mais enfraquecido diante de sua bancada, que não se mostrou solidária à candidatura de Davi Campista.
A posição de São Paulo
Com a oficialização da chapa Hermes-Wenceslau, em maio de 1909, São Paulo viu-se diante de uma difícil situação. Afinal, àquela altura, ligar-se ao bloco mineiro e gaúcho significaria ter que dividir a vitória com aqueles estados e, o que era pior, assumir um papel secundário numa campanha em que os paulistas não figuravam como a principal força política.
Embora, inicialmente, não tivesse apoiado o nome de Campista, o ministro não era propriamente um nome estranho à oligarquia de São Paulo. Fora exatamente sob a sua gestão na Fazenda que se concretizara a primeira política de valorização do café, acertada no Convênio de Taubaté, em 1906.
Aliada de Afonso Pena, a oligarquia paulista vislumbrava um recuo da base mineira no Congresso Nacional e a indicação do ungido do presidente. Esse objetivo, porém, fracassou. Líderes do Partido Republicano Paulista (PRP) pressionaram o presidente para que aceitasse o pedido de demissão de Hermes da Fonseca - na época, ministro da Guerra - e nomeasse outro militar para o cargo, na tentativa de dividir as Forças Armadas.
Morre o presidente da República
No dia 14 de junho de 1909, em meio à crise sucessória, o presidente Afonso Pena faleceu, sendo substituído pelo vice, Nilo Peçanha, que completaria o mandato. Nilo, ligado a Pinheiro Machado e inimigo do presidente morto, abriu definitivamente o caminho para a candidatura de Hermes da Fonseca.
Ao mesmo tempo, algumas correntes do PRP, marginalizadas dentro do partido e dos rumos da política paulista, declararam seu apoio ao candidato oficial. À oligarquia de São Paulo não restou outra alternativa viável a não ser apoiar o nome da oposição que mais se destacava no quadro sucessório: Rui Barbosa.
Assim, a campanha de 1910 colocou, de um lado, Rio Grande do Sul e Minas Gerais e, de outro, Bahia e São Paulo. A candidatura civil de Rui, em oposição ao militar Hermes da Fonseca, deu nome à sua campanha: a campanha civilista. Pela primeira vez na história republicana, um candidato à presidência percorreu vários pontos do país em busca de votos. O empenho de recursos dos cafeicultores paulistas certamente viabilizou a estratégia oposicionista.
No final, porém, Hermes da Fonseca sagrou-se vencedor, embora a oposição, que quase sempre recebia poucos votos, tivesse conquistado um resultado expressivo. A chapa oficial recebeu cerca de 403 mil votos, enquanto o candidato oposicionista terminou com pouco mais de 222 mil. Rui Barbosa, entretanto, mostrara a força que o movimento civilista havia alcançado ao obter mais votos que Hermes em importantes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador - sua cidade natal.
* Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é professor de história da Universidade Federal de Uberlândia.
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