4 de abril de 2009

O Socialismo Utópico

Jacquéline Russ

Diante da riqueza da obra apresentada por Russ, optamos por realizar um recorte a fim de identificar as diferentes vertentes religiosas que influenciaram o socialismo utópico. Assim, embora tal tendência não se mostrasse presente na corrente inglesa ricardiana, ela já emergirá em Owen, a partir da clara influência iluminista por ele apresentada - onde a oposição entre a razão (bem) e a ignorância (mal) somam-se à negação da existência do livre-arbítrio. Obviamente, que a ligação de Owen com a "Religião Racional" estaria, em princípio, afastada de qualquer mística apresentando-se, ao contrário, como a própria oposição a esta. Porém, sua ligação com tendências milenaristas e messiânicas, acabam colocando-o entre os que, para efeitos de melhor entendimento, chamaremos aqui de "utopistas religiosos". A influência de Hegel, neste sentido, é notável. Sua dialética, e o próprio entendimento de um processo histórico que caminha à passos evolucionistas - além de sua visão metafísica de uma "negatividade positiva", que impulsiona à ação - são especialmente importantes para as linhas utopistas surgidas posteriormente.
Da mesma forma, a tentativa de Feuerbach, de se opor a Deus e às religiões, acaba resultando numa teologia do amor e da razão, passível de ser classificada como mística.
Dentre os franceses, nem mesmo está livre de adquirir significados místicos: sua doutrina da felicidade social não está desprovida do mito da idade do ouro - e do próprio conceito de processo histórico linear e evolucionista de Hegel.
Saint Simon, é aquele que assume, talvez, de forma mais clara, a linha mítico-religiosa. Sua nova religião, ainda que se destine a trabalhar para a existência do paraíso na terra, oferece o amor como instrumento de equilíbrio econômico.
Mas, dentre os utopistas apresentados por Russ, Fourier é aquele que empreende o mais profundo mergulho místico: a partir de uma concepção naturalista do mundo - e de influências de ordem cosmogônica e metafísica - ele acaba por fundar uma teoria, tendo por base a total satisfação dos desejos carnais, acaba se apresentando, em última instância, como um culto à Eros.
Mais tradicional e burguesa que Fourier, a feminista Flora Tristan adota a essência do neocristianismo para reivindicar a universalidade da Internacional.
Exceto por Blanc - cuja contribuição para o socialismo utópico não foi, de fato, significativa - Proudhon seria o único a verdadeiramente quebrar com esta tendência. Ao contrário do que ocorrera com seus predecessores, sua acusação à divindade - colocada ao mesmo nível negativo do Estado e da propriedade - não resultou em uma nova filosofia permeada de religiosidade. Ao contrário: contrapondo o dogmatismo - político ou religioso - à idéia de liberdade, Proudhon parece fundar o alicerce para a separação entre socialismo e misticismo. Contudo, uma vez que Jacquéline Russ, discute a inserção deste pensador entre os utopistas, é de inferir que a aliança entre o místico e a corrente socialista, foi realmente uma característica marcante do socialismo utópico do século XIX.


RUSS, Jacquéline. O socialismo utópico. São Paulo: Martins Fontes, 1991

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