26 de abril de 2009

Uruguai independente

Província da Cisplatina deixou de ser brasileira
Newton Nazaro*


Em 7 de setembro de 1822, respaldado pela elite agrária, D. Pedro proclamou a independência do Brasil. No ano seguinte, porém, a disputa entre o imperador e os latifundiários pelo controle político do país levou o monarca a dissolver a Assembléia Constituinte e a manter o Parlamento fechado pelos três anos seguintes.

Sem um canal de interlocução com o governo centralista de D. Pedro 1º e pressionados pelas camadas populares, pela concorrência do charque do Rio Grande de São Pedro e dos comerciantes do Rio de Janeiro, comerciantes e fazendeiros da Cisplatina se uniram ao líder rebelde Lavalleja na luta pela independência da região, em 1825.

Movimento separatista
Em Buenos Aires, manifestações populares levaram o governo das Províncias Unidas do Prata a dar apoio militar ao movimento. Mas se, por um lado, o governo das Províncias Unidas temia um conflito direto com o Brasil, por outro lado a adesão ao movimento separatista da Banda Oriental abria a possibilidade de anexá-la e, posteriormente, desativar o porto de Montevidéu.

Assim, Buenos Aires se transformaria na única porta de entrada de toda a região do Prata e monopolizaria todo o lucro de seu rico comércio.

O fato de ser a única monarquia das Américas fazia que o Brasil figurasse perante os governantes das repúblicas vizinhas como um agente dos interesses da Santa Aliança. Do ponto de vista da Inglaterra, isso representava um contraponto à influência dos Estados Unidos no continente, expressa pela chamada doutrina Monroe ("A América para os americanos"), de 1823.

Foi justamente essa proximidade diplomática com a Inglaterra que desencorajou um ataque de todos os demais países vizinhos contra o Império do Brasil.

Apoio inglês ao Brasil
Com pretensões sobre o comércio platino e com base na identidade entre os regimes políticos, a Inglaterra apoiava o Brasil, enquanto os Estados Unidos apoiavam as Províncias Unidas na disputa pela Banda Oriental, também com vistas sobre o mercado regional.

Esses apoios de parte a parte, todavia, não chegaram a evoluir para uma participação direta de ingleses nem de americanos no conflito, mas a duração da guerra prejudicou o trânsito de seus navios mercantes no Prata.

Para a diplomacia britânica, havia duas possibilidades de solução para o conflito: ou a posse das Províncias Unidas sobre a Banda Oriental, mediante indenização ao governo brasileiro, ou a criação de um Estado tampão entre os dois maiores países da América do Sul.

Em 1828, a independência do Uruguai
A segunda opção pareceu aos ingleses mais interessante. Um consenso em torno da soberania da região significaria uma paz duradoura, necessária aos seus interesses comerciais. Para isso, foi necessário que o presidente Rivadávia, das Províncias Unidas, assumisse o compromisso de manter a passagem dos navios brasileiros pelo Prata a caminho dos rios Paraná e Paraguai, rumo ao Mato Grosso, e do rio Uruguai, rumo à região das antigas missões jesuíticas.

Do ponto de vista do Brasil, a manutenção da livre navegação pela bacia platina, àquela altura, já era motivo mais que suficiente para o fim dos gastos insustentáveis com as operações militares que, além do dinheiro, haviam consumido também a vida de 8 mil homens.

Em 27 de agosto de 1828, foi assinada a Convenção Preliminar de Paz pelos representantes do Império do Brasil e da República das Províncias Unidas do Prata, sob a mediação da diplomacia britânica. O ato marcou a independência da República Oriental do Uruguai.
*Newton Nazaro é graduado em História pela PUC-SP, professor do Curso Intergraus, em São Paulo, e co-autor da coleção "Panoramas da História", a ser lançada pela Editora Positivo.

União Ibérica

Sob domínio espanhol, colônia sofreu invasões estrangeiras
Marco Cabral dos Santos*



A passagem do século 16 ao 17, foi marcada por uma crescente dificuldade dos portugueses em expandir ou manter sua empreitada colonial na América. A morte do rei dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, abriu uma crise dinástica sem precedentes em Portugal, uma vez que não havia deixado herdeiros. Seu tio-avô, o cardeal dom Henrique assumiu o trono, como regente, mas apenas até 1580, quando sua morte pôs fim à dinastia de Avis, estabelecida em 1385.

Com o trono português vazio e a urgência em se restabelecer o comando de um reino detentor de vastas possessões em diversos continentes, alguns candidatos entraram em cena na política sucessória. Entre eles, os mais fortes eram dona Catarina, duquesa de Bragança, e Felipe 2º, rei da Espanha, que por ser neto de D. Manuel, o venturoso, requeria o direito à sucessão portuguesa. Diante de um impasse nas negociações diplomáticas, Felipe 2º recorreu à solução militar, promovendo a invasão de Portugal por suas tropas.

Um rei com duas coroas
Em 1581, Felipe 2º tornou-se rei de duas coroas, delegando o governo de Portugal a um vice-rei espanhol. No entanto, os portugueses procuraram resguardar certas prerrogativas em relação às suas colônias, apresentando uma lista de exigências ao novo rei, o que deu origem, em 1581, ao Juramento de Tomar.
Por meio deste documento, Felipe 2º assumia uma série de compromissos com o povo português, entre os quais a manutenção da exclusividade de navios portugueses no comércio colonial, a permanência de funcionários portugueses no plano administrativo; o respeito às leis e aos costumes, bem como o compromisso da preservação da língua portuguesa.

Além disso, a principal cláusula de compromisso reportava-se à colônia, vetando aos espanhóis a possibilidade de intromissão nos negócios portugueses com suas possessões de além-mar. Dessa forma, estabeleceu-se uma incorporação de Portugal aos quadros da coroa espanhola, mas procurou-se preservar sua independência legal e administrativa. Esta anexação no campo formal resguardou a relação de Portugal com o Brasil, buscando manter a política do exclusivo colonial.

Os inimigos da Espanha
No entanto, no plano da política internacional, a posição de Portugal modificava-se bastante. Para os inimigos da coroa espanhola, os ataques às possessões portuguesas passaram a configurar ataques à política expansionista de Felipe 2º. No Brasil, portanto, os reflexos da União Ibérica foram rapidamente sentidos, sobretudo pelos sucessivos ataques sofridos ao longo de sua vasta costa litorânea, promovidos pelos países inimigos da Espanha: Holanda, Inglaterra e França.

Em 1583, os franceses atacaram Santos e Rio de Janeiro, incitando os colonos a lutar contra o domínio espanhol. A partir de 1594, passaram a investir contra o nordeste brasileiro; em 1597, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, e, em 1612, iniciaram, com o apoio da Coroa francesa, a fundação da França Equinocial, uma tentativa de estabelecer uma empresa colonial no Maranhão. Os ingleses, por sua vez, atacaram Salvador em 1587 e saquearam Santos em 1591.

Nova Holanda
Mas sem dúvida, foram os holandeses aqueles que tiveram maiores êxitos na tentativa de impor uma ruptura no império colonial ibérico. Em 1630, estabelecem a ocupação de Pernambuco e de vasto território do nordeste brasileiro, numa extensão que iam do atual estado de Alagoas até o Maranhão, a que deram o nome de Nova Holanda.

A União Ibérica teve fim em 1640, quando D. João 4º ascendeu ao trono português, dando início à dinastia de Bragança, que perduraria até 1910.
* Marco Cabral dos Santos é historiador com doutorado em História pela Universidade de São Paulo.

Grandes navegações

A expansão marítima espanhola
Newton Nazaro*



A Espanha foi o segundo país a se lançar na aventura das grandes navegações. A primeira viagem marítima se deu em 1492, com Colombo - setenta e sete anos depois de os portugueses invadirem Ceuta, no Reino de Fez (atual Marrocos), em 1415.

Vários motivos levaram a Espanha a esse "atraso" na busca de uma rota para o comércio de especiarias que não passasse pelo Mediterrâneo (controlado pelas cidades-Estado de Gênova e Veneza), nem pela costa africana, conhecida pelos portugueses até o Cabo da Boa Esperança, no extremo-sul do continente.

Um desses motivos foi a prioridade dada à reconquista da península, numa luta que se prolongou por 781 anos, a guerra mais longa de que se tem notícia. A vitória castelhana sobre o Califado de Granada, último reduto muçulmano na península Ibérica, data exatamente de 1492.

Outro motivo foi a unificação tardia dos reinos cristãos de Leão, Castela, Aragão e Navarra. O passo mais importante nessa direção foi dado somente em 1469, quando o casamento de Fernando de Aragão e Isabel de Castela deu origem ao Reino Católico de Fernando e Isabel, núcleo inicial do que viria a ser a Espanha.

Cristóvão Colombo e seu projeto polêmico
Em meados do século 15 acreditava-se que a Terra era redonda e plana, um disco. Por isso, quase ninguém levava a sério o projeto do navegador genovês Cristóvão Colombo, de chegar às Índias perseguindo o pôr-do-sol. Isso só seria possível se a Terra tivesse o formato de um globo, o que contrariava a concepção dominante na época.

Mesmos assim, a idéia de atingir o Oriente pelo Ocidente foi arduamente defendida por Colombo. Um debate travado entre ele e os padres da Universidade de Salamanca, em 1486, custou-lhe a exposição ao ridículo, a pecha de louco e quase uma condenação à fogueira da Inquisição, já em plena atividade na Espanha (muito antes do Concílio de Trento, que viria a ressuscitá-la como reação à Reforma protestante, no século 16).

Ainda que tivesse conseguido a adesão de algumas pessoas influentes, como a própria rainha, o projeto de circunavegação do então suposto globo terrestre só ganhou credibilidade depois que o respeitável Martin Pinzón foi confirmado no comando de uma das três embarcações que comporiam a esquadra.

As caravelas Santa Maria, Pinta e Nina
Finalmente, em 3 de agosto de 1492, a bordo da caravela Santa Maria, Cristóvão Colombo partiu do porto de Palos rumo ao oeste, seguido pela Pinta e pela Nina. Setenta dias depois a esquadra chegou à ilha de Guanahani, nas Antilhas, rebatizada como San Salvador pelo próprio "Almirante das Índias".

Colombo faria, nos doze anos seguintes, mais três viagens à América. Na segunda (1493 a 1496), atingiu as ilhas de Cuba, Jamaica, Espanhola (Haiti e República Dominicana), Borinquén (Porto Rico), Guadalupe, Dominica e Martinica. Na terceira viagem (1498 a 1500), enquanto os portugueses Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral chegavam, respectivamente, à Índia e ao que viria a ser a costa brasileira, Colombo desembarcava na ilha de Trinidad e na costa norte da América do Sul.

Na quarta e última viagem (1502 a 1504), Colombo navegou pela costa da América Central, ainda na esperança de encontrar uma passagem para regiões produtoras de especiarias. Morreu em 1504, acreditando ter atingido um braço da Ásia e contrapondo-se à teoria de que se tratava de um novo continente, defendida por Américo Vespúcio, a quem coube a glória de ver seu nome dado, pelo rei Fernando, às terras recém-descobertas.

Ouro e prata impulsionaram colonização espanhola
Na disputa contra a nobreza - aliada do rei da Espanha - pelo governo das novas terras, o descobridor da América levou a pior. A ganância por cargos e riqueza aumentou a pressão dos nobres sobre o rei, e Colombo caiu no ostracismo.

Ouro e prata, no México, e prata, no Peru, impulsionaram a colonização espanhola desde a primeira metade do século 16. A organização da mão-de-obra indígena pelo sistema de encomienda, imposto pelos colonizadores no caso mexicano, e a adoção da mita, já praticada pelos incas, submeteu grandes contingentes de nativos a jornadas desumanas nas minas.

Não raro essas jornadas terminavam em morte por exaustão. Ao redor dessas regiões, a agricultura e o pastoreio destinavam-se exclusivamente ao abastecimento dos pólos de mineração. No mais, havia um quase vazio demográfico entre ambos.

O impacto do derrame de metais preciosos na Europa deu capacidade de importação de manufaturados à Espanha, em detrimento de seu próprio setor manufatureiro. Em toda a Europa, o significativo aumento da circulação de moedas provocou sua desvalorização e, conseqüentemente, um aumento generalizado nos preços.

Praticamente sem manufaturas, e com o declínio da produção das minas americanas, a Coroa espanhola viu-se em apuros em meados do século 17. A aventura e os lucros da expansão marítima alçaram o país ibérico à condição de maior potência da Europa e do mundo. Mas esse posto foi ameaçado e tomado por duas potências ascendentes, a Inglaterra e a Holanda, antes que a primeira metade do século chegasse ao final.

Expansão marítima

Inglaterra, França e Holanda contestam Tordesilhas
Newton Nazaro*


Quando as Coroas portuguesa e espanhola dividiram o mundo, em junho de 1494, através do Tratado de Tordesilhas, era de se esperar que os governos da Inglaterra, França e Holanda tivessem se recusado a reconhecer a partilha.

Mesmo tendo sido referendado pelo papa (espanhol) Alexandre 6º, o tratado não deixava terras para mais ninguém. A linha divisória do Tratado de Tordesilhas passaria a 370 léguas marítimas (aproximadamente 2.442 quilômetros) a oeste do arquipélago de Cabo Verde, na região mais ocidental da costa africana.

Nos livros, a linha de Tordesilhas geralmente é mostrada cortando apenas o território da América do Sul, quando, na verdade era um meridiano e circundava o globo terrestre passando pelos dois pólos. A leste, "todas as terras descobertas, ou por descobrir", pertenceriam a Portugal e, a oeste, o mesmo valia para a Espanha.

Inglaterra, França e Holanda rejeitam Tratado de Tordesilhas
Até 1456, ingleses e franceses travaram a Guerra dos Cem Anos (iniciada em 1337), que consumiu uma enorme quantidade de dinheiro e homens por mais de um século.

Ao final do conflito, a França, que suportou praticamente toda a guerra dentro de seu território, teve urgência na recomposição de sua agricultura e de suas finanças, o que levou algum tempo. Na Inglaterra, a disputa pelo trono levou à Guerra das Duas Rosas, um conflito interno que envolveu as famílias Lancaster (rosa vermelha no brasão) e York (rosa branca no brasão).

A paz só foi alcançada em 1485, com a coroação de um membro da família Tudor, Henrique 7º, que tinha laços de parentesco com as duas casas de nobres que vinham se digladiando até então.

Os Países Baixos também estiveram envolvidos numa série de disputas entre nobres e o rei. A região da Flandres, desde o século 12, se destacou por seu desenvolvimento manufatureiro e seu próspero comércio, tendo chegado a ser alvo da disputa entre a França e a Inglaterra na Guerra dos Cem Anos.

Em 1556, os Países Baixos caíram sob o domínio de Filipe 2º de Habsburgo, rei da Espanha, país cuja principal fonte de riqueza eram as minas de ouro e prata da América. Desdobramentos da Reforma Protestante e da Contra-Reforma, no século 16, os conflitos entre católicos e protestantes contribuíram para a demora na busca da expansão das rotas comerciais flamengas para fora da Europa.

Novas rotas para o Oriente
Sem ter como competir, num primeiro momento, com os países ibéricos nas rotas meridionais que contornavam a África e a América, os navegadores dos demais países, ao longo do século 16, buscaram caminhos para o Oriente pelo hemisfério norte.

O francês Cartier (1536), a serviço do rei Francisco 1º, e os ingleses Davis e Hudson (1576/1578) já haviam tentado encontrar uma ligação entre o Atlântico e o Pacífico através da América do Norte, mas foi William Baffin quem concluiu, em sua expedição, entre 1615 e 1616 que, por ali, "não havia passagem, nem esperança de passagem".

Pelo nordeste da Europa, Sir Richard Chancellor chegou a Arcangel, na Rússia, em 1553. Em 1584, expedições inglesas e holandesas (os dois grandes rivais da Espanha, naquele momento) concluíram ser impossível transpor a barreira de gelo do arquipélago russo de Nova Zembla em busca de uma passagem para o sul, que pudesse cortar ou contornar toda a Ásia e levá-los ao Índico e às especiarias de sua costa.

Companhia das Índias
Os holandeses, através de sua Companhia das Índias Orientais, fundada em 1602, resolveram desafiar o já decadente poderio português e passaram a freqüentar a rota das Índias através do contorno da África. Em seu rastro, vieram, a partir de 1532, também os franceses e os ingleses.

Daí por diante, a febre das descobertas foi seguida pelo início da colonização de territórios. Os franceses se estabeleceram ao longo do rio São Lourenço, no Canadá, desde aproximadamente 1608, e expandiram sua área de atuação comercial, ao longo do rio Mississipi, até o golfo do México, onde fundaram a colônia da Louisiana, em 1682. A Companhia da Baía de Massachussets foi responsável pelo primeiro foco de colonização inglesa na América do Norte, em 1629.

Pirataria, corsários e invasões
A grande dificuldade em se encontrar caminhos marítimos distantes dos controlados pelos portugueses e espanhóis levou os reis da França e da Inglaterra a se associarem a piratas que atacavam embarcações ibéricas na rota do Atlântico.

Protegidos pelos reis de seus países, esses salteadores dos mares passaram a ser conhecidos por corsários. Em troca da proteção oficial, parte do que pilhavam era dividida com a própria Coroa. Deve-se à absorção desses salteadores pela política de Estado a incorporação de ilhas antilhanas à Inglaterra e à França.

Agraciados com patentes militares e títulos de nobreza, ex-corsários foram incumbidos de dar início ao processo de colonização e plantio de cana, nos séculos 16 e 17, nas ilhas que haviam sido tomadas de nativos e, até então, foram usadas como refúgios.

Já a presença holandesa na região se deve aos investimentos de duas empresas privadas que funcionavam como sociedades anônimas, a Companhia das Índias Orientais (VOC) e a Companhia das Índias Ocidentais (WIC).

Nova York e Recife
Na América do Sul, a Guiana Holandesa (atual Suriname) foi oficializada pelo Tratado de Breda, de 1667, com a Inglaterra. Na América do Norte, uma fortificação holandesa datada de 1625, passou para o controle da mesma Companhia das Índias Ocidentais que, cinco anos mais tarde, invadiu Pernambuco.

A fortificação flamenga deu origem à atual cidade de Nova York e, no Brasil, os holandeses fundaram Recife, ambas originalmente batizadas com o nome de Nova Amsterdã.

Tratado de Tordesilhas

Linha divide mundo entre Portugal e Espanha


No auge das grandes navegações, os portugueses concluíram, com razão, que a partilha estipulada pela bula intercoetera papal não os beneficiavam, pois apenas algumas ilhas ficariam sob seu domínio. Por esse motivo Portugal exigiu um novo acordo, que foi concretizado pelo tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494. Com ele, ampliava-se a distância de 100 para 370 léguas a partir das ilhas de Cabo Verde.

O Tratado de Tordesilhas assegurou a Portugal o domínio das terras descobertas a oeste do Atlântico. D. Manuel organizou uma das maiores expedições que o reino já havia preparado, composta por uma esquadra formada por dez naus e duas caravelas e cerca de 1.500 homens, sob o comando de Pedro Álvares Cabral, nobre de tradicional família portuguesa.

Terra à vista
A versão mais difundida afirma que o objetivo da esquadra de Cabral era assegurar o domínio português nas regiões asiáticas estabelecendo uma feitoria em Calicute. A esquadra partiu de Lisboa em 8 de março de 1500, e Cabral percorreu uma rota a oeste afastando-se da costa africana.

E assim ele teria acontecido o descobrimento do Brasil

Sabinada

Revolta expressava descontentamento com a Regência
Renato Cancian*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação


A Sabinada foi um movimento de revolta que eclodiu na Bahia. Foi liderada pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, por isso ficou conhecida como Sabinada. O principal objetivo da revolta era instituir uma república baiana, mas só enquanto o herdeiro do trono imperial não atingisse a maioridade legal.

Portanto, a sabinada se insere no conjunto das revoltas regenciais que eclodiram como manifestações de descontentamento e insatisfação de parcelas da classes dominantes e populares diante da condução do governo monárquico pelas regências.

Características da Sabinada
Em comparação com outras revoltas provinciais de caráter separatista ocorridas no mesmo período, a Sabinada foi bastante breve pois durou de 1837 a 1838. Outra importante característica: a revolta foi organizada por homens cultos e ficou restrita às camadas médias da população de Salvador. O movimento de revolta não obteve, portanto, o esperado apoio dos proprietários agrários da região (os ricos fazendeiros e senhores de engenho).

Por outro lado, as próprias lideranças recusaram-se a mobilizar a população pobre para participarem e apoiarem a revolta temendo, com isso, uma radicalização do movimento, a exemplo do que estava ocorrendo com a Cabanagem no Pará e a Farroupilha no Rio Grande do Sul.

República Bahiense
A principal causa da revolta foi a profunda insatisfação com as autoridades nomeadas pelo governo regencial para o comando do governo da Bahia. Os rebeldes as acusavam de serem despóticas, repressoras e excessivamente centralizadoras. Mas o estopim da eclosão do movimento de revolta baiana foi a indignação contra o recrutamento militar imposto pelo governo regencial para combater a Revolta dos Farrapos.

Assim, com o apoio de parte do exército baiano, os sabinos conseguiram tomar vários quartéis da capital e, em seguida, o poder em Salvador, em 7 de novembro de 1837. No mesmo ano proclamam a chamada República Bahiense. Mas os líderes do movimento anunciaram que a República Bahiense duraria apenas até Pedro 2º atingir a maioridade e assumir o trono.

Repressão violenta
O governo central, sob comando do regente Feijó reagiu organizando uma ofensiva militar com o objetivo de reprimir os revoltosos e reintegrar a província separatista. Os revoltosos foram cercados por terra e por mar. As tropas militares governamentais receberam o apoio dos grandes proprietários agrários da região. A Sabinada foi reprimida com bastante violência.

Em Salvador inúmeras casas foram queimadas, assim como muitos revoltosos. Mais de mil pessoas morreram nos combates. A revolta foi facilmente vencida e chegou ao fim um ano após ter eclodido, em março de 1838. Três líderes da Sabinada foram executados e outros três condenados ao desterro. O principal líder, Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, recebeu pena de desterro e foi enviado para o Mato Grosso.

Sem contar com o apoio das classes dominantes da região, e excluindo a população pobre da participação do movimento, a Sabinada foi uma revolta breve e de pouca importância. O movimento restringiu-se à capital e algumas localidades próximas. Por outro lado, os líderes do movimento de revolta não chegaram a apresentar propostas de mudanças consistentes, que se convertessem em projetos de transformação das condições sociais, econômicas e políticas da população que habitava a região.
* Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais, é autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política -1972-1985" (Edufscar).

Revolução Praieira

Democratas pernambucanos pedem fim da monarquia
Renato Cancian*




Maior insurreição que ocorreu no Segundo Reinado, a Revolução Praieira começou em 1848, na província de Pernambuco, e representou a última manifestação popular contra a monarquia e os poderosos proprietários rurais locais, os senhores de engenho.

Foram as condições econômicas e políticas da província de Pernambuco que contribuíram para a eclosão da Praieira. Na época, o país se recuperava da crise econômica. Porém, enquanto as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais prosperavam economicamente com a produção e exportação do café, as províncias nordestinas estavam em franca decadência devido à crise da produção do açúcar e do algodão. A situação das populações que habitavam essas regiões era de absoluta pobreza.

Privilégios lusitanos
Em Pernambuco, porém, as condições de pobreza e miséria da população local eram ainda mais graves, porque os portugueses eram proprietários de praticamente todo comércio local e não admitiam que trabalhadores brasileiros fossem empregados.

Além disso, os portugueses, donos de armazéns, quitandas, padarias, lojas de retalhos, vestuários e utensílios domésticos, etc., tinham privilégios comerciais na província e podiam vender suas mercadorias livremente pelo preço que lhe conviesse. Por conta disso, a cada dia o custo de vida aumentava. Essa situação reforçou os sentimentos antilusitanos na região.

Um outro problema que na época inquietava os liberais e democratas pernambucanos era a opressão política, devida à concentração do poder nas mãos de poucos. A família Cavalcanti, dona de cerca de dois terços dos engenhos de açúcar da região, e apoiada pelas famílias Rego Barros e Albuquerque, dominava os partidos Liberal e Conservador, controlando toda a vida política na província.

Solução armada
Em 1842, um grupo de democratas e liberais pernambucanos, liderados por Borges da Fonseca, Abreu Lima, Inácio Bento de Loiola, Nunes Machado e Pedro Ivo, organizaram-se politicamente e fundaram o Partido da Praia. Pretendiam com isso divulgar publicamente sua idéias. Defendiam uma solução armada para acabar com os problemas econômicos e políticos da província de Pernambuco.

Descontentes com a nomeação de um presidente conservador para a província, em 1848, os membros do Partido da Praia lançaram o chamado "Manifesto ao Mundo", documento em que exigiam o fim da monarquia e a proclamação de uma república; o fim do voto censitário para que todos os brasileiros tivessem o direito de votar; a extinção do Senado Vitalício e do Poder Moderador; o fim dos privilégios comerciais dos estrangeiros; a liberdade de imprensa.

Foram os líderes do Partido da Praia que desencadearam o movimento de revolta que ficou conhecido, por isso mesmo, como Revolução Praieira. A revolução teve início em Olinda, com a derrubada do presidente da província. A partir daí, os focos da revolta se alastraram.

Consolidação da Monarquia
Os revolucionários tentaram tomar Recife, mas fracassaram. As forças imperiais, leais ao governo monárquico, reagiram e contiveram a revolta nas principais cidades. A rebelião continuou no interior da província mas foi prontamente reprimida. A Revolução Praieira foi completamente debelada em 1849.

Alguns dos principais líderes do movimento morreram em combate, outros foram presos e depois anistiados. Como em outras revoltas armadas ocorridas no Império, foi a participação da população pobre que fez com que o movimento assumisse um caráter revolucionário.

Com o fim da Revolução Praieira, encerrou-se a fase de revoltas e agitações sociais do Brasil Império. As décadas seguintes marcariam a consolidação do governo monárquico e da elite agrária e escravista.
* Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais, é autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política -1972-1985"

Revolução pernambucana

República em Pernambuco durou 75 dias
Renato Cancian*




A Revolução pernambucana de 1817 foi o último movimento de revolta anterior à Independência do Brasil. Mas, diferentemente de todos os outros movimentos sediciosos que eclodiram no período colonial, a Revolução pernambucana conseguiu ultrapassar a fase conspiratória e atingir a etapa do processo revolucionário de tomada do poder. As causas da Revolução pernambucana estão intimamente relacionadas ao estabelecimento e permanência do governo português no Brasil (1808-1821).

Quando a Corte portuguesa abandonou Portugal e estabeleceu-se no Brasil, fugindo da invasão napoleônica, adotou uma série de medidas econômicas e comerciais que geraram crescente insatisfação da população colonial. A implantação dos novos órgãos administrativos governamentais e a transmigração da Corte e da família real portuguesa exigiram vultosas somas de recursos financeiros. Para obtê-las, a Coroa lusitana rompeu com o pacto colonial, concedendo inúmeros privilégios à burguesia comercial inglesa, e criou novos impostos e tributos que oneraram as camadas populares e os proprietários rurais brasileiros.

Ideais liberais em Pernambuco
Em nenhuma outra região, a impopularidade da Corte portuguesa foi tão intensa quanto em Pernambuco. Outrora um dos mais importantes e prósperos centros da produção açucareira do Nordeste brasileiro, Pernambuco estava atravessando uma grave crise econômica em razão do declínio das exportações do açúcar e do algodão. Além disso, a grande seca de 1816 devastou a agricultura, provocou fome e espalhou a miséria pela região. A insatisfação popular, que já era grande, generalizou-se diante dos pesados tributos e impostos, cobrados pelo governo de dom João.

Foi também em Pernambuco, que os princípios de "liberdade, igualdade e fraternidade", que compunham os ideais da Revolução Francesa de 1789, encontraram "solo fértil" para circular e se propagar. Coube as sociedades secretas e as seitas maçônicas, a organização de permanentes e acirrados debates sobre as novas doutrinas revolucionárias, com o propósito de avaliar a adequação dessas idéias à situação de crescente insatisfação da população colonial da região do Nordeste brasileiro. Destacaram-se neste trabalho, os padres João Ribeiro e Miguelinho, e os líderes maçons Domingos José Martins e Antônio Cruz.

Governo provisório
O movimento de revolta ainda estava em sua fase preparatória, quando o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro tomou conhecimento da conspiração, ordenando, em seguida, a prisão imediata dos envolvidos. Porém, os pernambucanos rebeldes conseguiram resistir ao cerco das tropas militares oficiais. Esse fato é considerado como o estopim da rebelião, que rapidamente ganhou força. Diante disso, o governador fugiu do palácio, mas foi preso pelos rebeldes.

Os rebeldes tomaram o palácio e em pouco tempo dominaram Recife. Os líderes da rebelião chegaram a constituir um governo provisório, composto por representantes de várias classes sociais. A partir de então, para consolidar o movimento revolucionário, os rebeldes adotaram uma série de medidas de caráter político e econômico com objetivo de obter o apoio da população e das elites locais. De imediato, o governo provisório ordenou a libertação dos presos políticos, aumentou o soldo dos soldados, aboliu os títulos de nobreza e extinguiu alguns impostos.

Falta de apoio e repressão
O governo provisório também organizou grupos de emissários, que ficaram encarregados de se dirigirem para as províncias do Norte e Nordeste para desencadear um movimento revolucionário mais amplo. Na Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte, porém, as tentativas malograram diante da repressão desencadeada por forças militares oficiais, e também pela falta de apoio popular. Em Pernambuco, dom João ordenou uma violentíssima repressão militar contra os revolucionários.

As tropas oficiais atacaram por terra e mar, cercando o porto de Recife com uma grande esquadra. O governo provisório durou 75 dias, os revolucionários pernambucanos foram derrotados. Os que não morreram em combate foram rapidamente presos. Todos os líderes revolucionários presos acabaram sendo sumariamente condenados à morte, entre eles: Teotônio Jorge, padre Pedro de Souza Tenório, Antônio Henriques e José de Barros Lima.

República e revolução
As lideranças do movimento revolucionário tinham como projeto político o estabelecimento de uma República e a elaboração de uma Constituição, norteadas pelos princípios e ideais franceses de igualdade e liberdade para todos. Mas, o ideário republicano dos rebeldes encontrou alguns limites de classe diante da questão do trabalho cativo. Para não perder o apoio dos proprietários de engenho locais, as lideranças do movimento revolucionário não chegaram a propor uma ruptura radical com a escravidão negra. Não obstante, a Revolução pernambucana, apesar do seu fracasso, entrou para a história como o maior movimento revolucionário do período colonial.
* Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais, é autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política -1972-1985" (Edufscar).

Revolução Farroupilha

Quem foi e o que fez Bento Gonçalves?
Alexandre Bigeli*

Os brasileiros do Rio Grande do Sul celebram no dia 18 de julho o aniversário da morte de Bento Gonçalves (1788/1847). Ele foi um dos mentores da Revolução Farroupilha, ou Guerra dos Farrapos, um grande movimento que sacudiu o sul do país durante o período em que o Brasil era governado por regentes (1830/1845), até que o herdeiro do trono, Dom Pedro 2º, completasse a maioridade.

Quem leu o livro "A Casa das Sete Mulheres" (ou assitiu à minissérie exibida no começo de 2003 pela Rede Globo de Televisão) tem uma idéia da dimensão do protesto e da mobilização popular contra as arbitrariedades do governo imperial. O termo "farrapo" vem de "esfarrapado", palavra do português aracaico usada para ridicularizar os simpatizantes das idéias liberais.

Também conhecido como Guerra dos Farrapos, o movimento partiu basicamente da elite rio-grandense, seguidas vezes prejudicada pela política fiscal do Império. A base da economia gaúcha era a produção da carne sob forma de charque. Buscando aumentar sua arrecadação, o governo imperial aumentou muito a taxação sobre este e outros produtos sulistas, como couro e erva-mate.

Além disso, havia a questão militar. Os rio-grandenses eram preteridos na escolha dos oficiais que combatiam nas guerras do período, como a da Cisplatina, contra o Uruguai e a Argentina. O que incomodava os gaúchos era o fato de os soldados sulistas morrerem nos campos de batalhas enquanto eram comandados por oficiais enviados pela capital.

Para completar, o Rio Grande do Sul recebia poucos investimentos imperiais, como a construção estradas e a manutenção de serviços educacionais, mesmo sendo uma província rica e estratégica. Isso irritava a população local, que tanto contribuiu para o Império nas guerras.

República Rio-Grandense
A insatisfação era enorme e artingiu um ponto de rompimento. Em 1835, o combatente Bento Gonçalves comandou a tomada da capital da província, Porto Alegre, dando início a uma série de combates entre os gaúchos e as forças imperiais. Em 1836, os farrapos proclamaram a República Rio-Grandense e aclamaram Bento Gonçalves como presidente. Porto Alegre continuava nas mãos do Império, mas a maior parte do Rio Grande do Sul era controlada pelos farrapos, que também se infiltravam em Santa Catarina. Os combates persistiam.

Entre 1837 e 1839, o imigrante combatente Giuseppe Garibaldi assumiu o comando militar dos farrapos e decidiu enfrentar o Império pelo mar. O estaleiro dos rebeldes, que ficava na Lagoa dos Patos, no sul do Estado, foi atacado pela marinha imperial, o que provocou um dos lances mais impressionates da história militar: os barcos farrapos foram transportados por terra até Tramandaí (litoral do RS).

Foram 80 km de travessia sobre troncos de árvore. A partir daí, os farrapos organizaram suas forças marítimas e desferiram um vigoroso ataque à Laguna, em Santa Catarina. A vitória estimulou os farrapos a expandir o movimento, transformando Santa Catarina na República Juliana.

A série de grandes vitórias farroupilhas teve vida curta. Entusiasmados, eles tentaram conquistar a Ilha do Desterro (atual Florianópolis), mas foram surpreendidos por forças imperiais. Na batalha, perderam muito arsenal de guerra. Entre 1840 e 1841, com muito mais recursos, o Império lançou contra-ataques vigorosos no Rio Grande do Sul, obrigando os farrapos a transferir diversas vezes a capital de sua república, inicialmente em Piratini. Isso afetou a organização militar e civil do movimento. Bento Gonçalves começou a cogitar a rendição dos farrapos.

Duque de Caxias
Em 1842, o Império nomeou Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, como presidente da província do Rio Grande do Sul. Convém lembrar que o Império jamais reconheceu a República. Além das armas, o Duque usou a política para derrotar de uma vez por todas os farrapos.

Lima e Silva criou intrigas entre os comandantes da revolução, aproveitando as dificuldades de comunicação entre Bento Gonçalves e os outros líderes. Isso desarticulou o movimento. Obteve vitórias militares que empurraram os rebeldes até a região fronteiriça com o Uruguai. Além disso, o Duque de caxias determinou que as populações das cidades recuperadas fossem bem tratadas pelas tropas e pela nova administração, o que contribuiu para reduzir a resistência contra o Império.

Progressivamente, Bento Gonçalves foi perdendo poder dentro do movimento, cada vez menos capaz de oferecer resistência ao Império. A paz foi selada em 1845, após acordo não totalmente desfavorável aos rio-grandenses.

O Duque de Caxias foi escolhido pelos gaúchos como presidente da província. O Império assumiu as dívidas que o Rio Grande contraiu enquanto república independente. Os oficiais gaúchos mantiveram no exército imperial os postos que tinham na organização militar rebelde. Os prisioneiros de guerra foram libertados, assim como os escravos que lutaram na guerra. Na economia, os gaúchos conseguiram que o charque importado fosse sobretaxado em 25%.

Não podemos esquecer que a Revolução Farroupilha foi longa (1835-1845) e contou com ampla mobilização devido à sua origem elitista. Por outro lado, outras revoltas do período regencial, como a Cabanagem, no Pará, e a Sabinada, na Bahia, nasceram do povo, descontente com a escravidão ou com as péssimas condições de vida. Mas essa é outra história.
*Alexandre Bigeli é jornalista e professor

Revolução Constitucionalista

Em 1932, elite paulista reage à ditadura
Alexandre Bigeli*


durante a Revolução Constitucionalista de 1932
No dia 9 de julho, o estado de São Paulo comemora o aniversário do Movimento Constitucionalista de 1932. A data representa um marco importante na história do estado e do Brasil. O movimento exigiu que o país tivesse uma Constituição e fosse mais democrático.

Na época, Getúlio Vargas ocupava a presidência da República devido a um golpe de Estado, aplicado após sua derrota para o paulista Julio Prestes nas eleições presidenciais de 1930. O período era conhecido como "A Era Vargas". A Revolução Constitucionalista de 1932 representa o inconformismo de São Paulo em relação à ditadura de Getúlio Vargas. Podemos dizer que o Brasil teve quase uma guerra civil.

Uma das principais causas do conflito foi a ruptura da política do café-com-leite - alternância de poder entre as elites de Minas Gerais e São Paulo, que caracterizou a República Velha (1889-1930). Alijada do poder, a classe dominante de São Paulo passou a exigir do governo federal maior participação.

Como resposta, Getúlio Vargas não apenas se negou a dividir poder com os paulistas como ameaçou reduzir seu poder dentro do próprio estado de São Paulo, com a nomeação de um interventor não paulista para governar o estado. Os paulistas não aceitaram as arbitrariedades de Getúlio Vargas, o que levou ao conflito que opôs São Paulo ao resto do país.

Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, o MMDC
Vários jovens morreram na luta pela constituição. Entre eles, destacam-se quatro estudantes que representam a participação da juventude no conflito: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, o célebre MMDC. O movimento marcou a vida de outros milhares de paulistanos e brasileiros.

Governistas X constitucionalistas
No dia 9 de julho, o Brasil assistiu ao início de seu maior conflito armado, e também a maior mobilização popular de sua história. Homens e mulheres - estudantes, políticos, industriais- participaram da revolta contra Getúlio e o governo provisório de São Paulo.

O desequilíbrio entre as forças governistas e constitucionalistas era grande. O governo federal tinha o poder militar e os rebeldes contavam apenas com a mobilização civil. As tropas paulistas lutaram praticamente sozinhas contra o resto do país. As armas e alimentos eram fornecidos pelo próprio estado, que mais tarde conseguiu o apoio do Mato Grosso.

Cerca de 135 mil homens aderiram à luta, que durou três meses e deixou quase 900 soldados mortos no lado paulista - quase o dobro das perdas da Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial.

Embora o movimento tenha nascido de reivindicações da elite paulista, ele teve ampla participação popular. Um dos motivos foi a utilização dos meios de comunicação de massa para mobilizar a população. Os jornais de São Paulo faziam campanha pela revolução, assim como as emissoras de rádio, que artingiam audiência bem maior.

Até hoje, a história da Revolução de 32 é mal contada. Ou, pelo menos, é contada de duas formas. Há a versão dos governistas (getulistas) e a dos revolucionários (constitucionalistas). Durante muito tempo, a versão dos getulistas foi a mais disseminada nos livros escolares do país, mas hoje, com uma maior participação dos professores na escolha do material didádito, a história também já é contada sob a ótica dos rebeldes.

A importância do movimento é incontestável. Seu principal resultado foi a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, dois anos mais tarde. Mesmo assim, a Revolução de 32 continua como um dos fatos históricos do país menos analisados, tanto no tocante às causas quanto em relação às suas conseqüências. Os livros didáticos ainda trazem pouco sobre o tema.
*Alexandre Bigeli é jornalista e professor

Revolução Acreana

Bolívia e Brasil disputam o Acre
Rodrigo Gurgel*


Convencionou-se chamar de Revolução Acreana a revolta dos seringueiros que, no início do século 20, ocupavam o atual Estado do Acre, àquela época pertencente à Bolívia. Insurgindo-se contra o governo boliviano, que cedera todo aquele território ao truste anglo-americano Bolivian Syndicate, os seringueiros proclamaram a independência da região, dando início à disputa diplomática que passou à história com o nome de Questão do Acre.

Antecedentes históricos
Para entender as causas da rebelião e da conseqüente compra do Acre pelo Brasil, faz-se necessário retornar ao século 18, quando o bandeirismo já havia dilatado o horizonte geográfico brasileiro nas direções norte e oeste, muito além do estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, ocupando terras de posse espanhola, fato que se tornaria matéria dos tratados de Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777).

Mesmo com a criação, em 1751, da nova capitania real de Mato Grosso, não houve qualquer estímulo governamental no sentido de se povoar o Extremo Oeste, inclusive porque a política econômica do império estava voltada exclusivamente à exportação do café. Uma colonização espontânea - entre o Noroeste e o Norte - teve início apenas quando o interesse mundial despertou para os seringais que se estendiam por toda a região.

Sertanistas e aventureiros passaram, então, a explorar a Amazônia, desconhecendo se os territórios a oeste pertenciam ao Brasil, ao Peru ou à Bolívia, e abrindo caminho a sucessivas ondas migratórias.

Disputas pela borracha e soberania boliviana
A penetração dos colonos brasileiros e a crescente importância da borracha no comércio internacional despertaram o interesse da Bolívia, que solicitou uma demarcação precisa das fronteiras entre o seu território e o Brasil. Após várias negociações, em 1867 assinou-se o Tratado de Ayacucho, que ampliava o território brasileiro, mas reconhecia o uti possidetis boliviano sobre a região do atual Estado do Acre. Ou seja, admitia a legalidade e a legitimidade do poder exercido pela Bolívia naquela extensão de terra fronteiriça.

No entanto, à medida que o preço da borracha subia, os seringais multiplicavam-se, seguindo o contorno dos rios Acre, Purus e, mais a oeste, do Tarauacá. E as migrações cresceram ainda mais quando uma prolongada seca expulsou levas de cearenses do interior nordestino. Na verdade, a corrida da borracha assumiu proporções semelhantes às da busca por minas de ouro, no século 18.

Apesar dos limites fixados em 1867, os brasileiros seguiam penetrando no rumo oeste, rompendo a fronteira com a Bolívia numa larga extensão. Diante do agravamento do problema, Brasil e Bolívia concordaram, no ano de 1895, em nomear uma comissão que estudaria a ratificação do Tratado de Ayacucho. Pouco tempo depois, o Brasil reconheceria, novamente, a soberania boliviana na região.

Assim, em 1899, os bolivianos estabeleceram um posto administrativo em Puerto Alonso, cobrando impostos e lançando taxas aduaneiras sobre as atividades dos brasileiros.

Começa a revolta
A reação, no entanto, não se fez esperar: os seringueiros, alheios às tramitações diplomáticas, julgaram lesados seus interesses e iniciaram movimentos de contestação e rebeldia.

Em abril, um advogado cearense, José Carvalho, liderou uma ação armada, que culminou na expulsão das autoridades bolivianas. Logo depois, a Bolívia estabeleceu negociações com o Bolivian Syndicate. A idéia era conceder poderes excepcionais ao truste anglo-americano, que poderia não só monopolizar a produção e exportação da borracha, mas também cobrar impostos e atuar com poderes de polícia. Era a forma encontrada pela Bolívia para controlar, definitivamente, a região.

O governador do Amazonas, Ramalho Júnior, informado do ajuste por um funcionário do consulado boliviano em Belém, Luis Gálvez de Arias, enviou-o à frente de contingentes militares para ocupar Puerto Alonso. Gálvez proclamou, então, com o apoio dos seringalistas, a independência do Acre, tornando-se seu presidente. Sob protestos da Bolívia, Campos Sales, presidente do Brasil na época, extinguiu a efêmera república em março de 1900.

Por fim, em julho de 1901, o governo boliviano firmou contrato com o Bolivian Syndicate. O congresso brasileiro, agindo de maneira demagógica, considerou o ato arbitrário e adotou represálias: cancelou convênios de comércio e navegação entre os dois países e suspendeu o direito de trânsito para a Bolívia.

Ao mesmo tempo, os seringueiros organizaram uma investida armada. As operações foram chefiadas por José Plácido de Castro, um gaúcho que participara da Revolução Federalista. Os revoltosos ocuparam a Vila de Xapuri e prenderam as autoridades bolivianas. Depois, atacaram Puerto Alonso, proclamando o Estado Independente do Acre. Poucos meses depois, no início de 1903, o exército boliviano capitulou e Plácido de Castro foi aclamado governador do Estado Independente do Acre.

Solução diplomática
Informado, entretanto, de que a Bolívia preparava um ataque maciço contra a região, o barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, decidiu intervir e passar a disputa para o âmbito diplomático.

O problema com o Bolivian Syndicate se resolveu mediante a indenização de 110 mil libras esterlinas, para que ingleses e norte-americanos desistissem do contrato. A seguir, foram restabelecidas as relações comerciais com a Bolívia.

Das conversações subseqüentes resultou que a Bolívia cederia ao Brasil uma área de 142.800 km2, em troca de 2 milhões de libras esterlinas. O Brasil, por sua vez, comprometia-se a construir uma estrada de ferro, a Madeira-Mamoré, a fim de garantir o escoamento da produção boliviana pelo rio Amazonas.

Assinou-se, então, o Tratado de Petrópolis, em novembro de 1903, colocando-se um ponto final na Questão do Acre.
*Rodrigo Gurgel é escritor, crítico literário e editor de "Palavra", suplemento de literatura do Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique (edição virtual).

Revolta dos malês

Rebelião de escravos muçulmanos em Salvador

Uma revolta de escravos africanos ocorreu em Salvador, na madrugada de 25 de janeiro de 1835. O movimento envolveu cerca de 600 homens. Tratava-se, em sua imensa maioria, de negros muçulmanos, em especial da etnia nagô, de língua iorubá. Vem daí o nome que a rebelião recebeu: Revolta dos Malês. A expressão "malê" provém de "imalê", que no idioma iorubá significa muçulmano.

O primeiro alvo dos rebeldes - inicialmente um grupo de 60 homens - foi a Câmara Municipal de Salvador, em cujo subsolo localizava-se uma prisão onde estava preso o velho Pacífico Licutan, um dos mais populares líderes malês. Entretanto, o ataque à prisão não obteve sucesso, devido à reação conjunta dos carcereiros e da guarda do palácio do governo, situada na mesma praça (a atual praça Tomé de Sousa).

Esse primeiro grupo de rebeldes espalhou-se então pelas ruas da cidade, convocando os outros escravos a se unirem a eles. Durante algumas horas, a revolta expandiu-se por diversas regiões de Salvador, traduzindo-se em confrontos violentos entre os revoltosos e as forças policiais. Os malês foram duramente reprimidos e, afinal, vencidos. Mais de 70 rebeldes e cerca de dez soldados morreram nos combates.

Não se conhecem os planos dos revoltosos no caso de uma vitória do movimento. O historiador João José dos Reis, estudioso do episódio, afirma que "há indícios de que não tinham planos amigáveis para as pessoas nascidas no Brasil, fossem estas brancas, negras ou mestiças. Umas seriam mortas, outras escravizadas pelos vitoriosos malês".

Morte, prisão e desterro
Dezesseis dos acusados pela revolta foram sentenciados à morte, mas, posteriormente, 12 deles conseguiram ter sua pena comutada. Quatro foram executados no Campo da Pólvora, no dia 14 de maio de 1835, por um pelotão de fuzilamento. Os outros malês receberam diversos tipos de punição: prisão simples, prisão com trabalho, açoite e deportação para a África.

Para se ter uma idéia do rigor do castigo, convém mencionar que a pena de açoites variava de 300 até 1.200 chicotadas, que foram distribuídas ao longo de vários dias. O idoso Pacifico Licutan recebeu 1.200 chibatadas e outro condenado à mesma sentença morreu em decorrência disso.

Na época da revolta, Salvador contava com aproximadamente 65 mil habitantes, dos quais cerca de 40 % eram escravos. No entanto, incluídos homens livres e alforriados, os negros e os mestiços representavam 78 por cento da população. De qualquer modo, a identidade étnica e religiosa teve grande importância no movimento. Os negros nascidos no Brasil, por exemplo, não participaram da revolta. Ela se deveu exclusivamente aos africanos islâmicos, em especial de origem nagô.

O medo de uma nova revolta se instalou durante muitos anos entre os habitantes livres de Salvador, bem como nas demais províncias brasileiras. Em quase todas elas, principalmente no Rio de Janeiro, sede do Império do Brasil, os jornais noticiaram o ocorrido na Bahia. Por isso, as autoridades passaram a submeter a população africana a uma vigilância mais cuidadosa, bem como, muitas vezes, a uma repressão abusiva.

Fonte: João José Reis, "Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835", São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

Revolta da Vacina

Oswaldo Cruz e Pereira Passos tentam sanear Rio
Marco Cabral dos Santos*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação


Durante o mês de novembro de 1904, o Rio de Janeiro, então capital federal, foi palco de uma das maiores revoltas urbanas ocorridas no país: a Revolta da Vacina. Milhares de habitantes tomaram as ruas da cidade em violentos conflitos com a polícia. O motivo era uma polêmica medida adotada pelo governo de então: a vacinação obrigatória.

Contando com uma população de mais de 800 mil habitantes, a cidade era constantemente vitimada por surtos de febre amarela, varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose. Na tentativa de pôr fim a esse triste quadro epidemiológico, o presidente Rodrigues Alves convocou o médico sanitarista Oswaldo Cruz, que, de imediato, pôs em marcha um ambicioso plano de saneamento e higienização da cidade. Seu projeto, porém, envolvia controvertidas medidas de controle da população e de seus hábitos de higiene.

Exército de mata-mosquitos
Por ter um caráter autoritário e invasivo, adentrando lares e desrespeitando privacidades, sobretudo da população mais pobre, a nova política sanitária foi alvo da mais hostil reação popular. Para o combate da febre amarela, organizou-se uma grande equipe de "mata-mosquitos", incumbida de perseguir os insetos nos lugares mais recônditos do Rio de Janeiro. Os funcionários tinham o poder de invadir as casas e quebrar a inviolabilidade dos lares cariocas.

Com a meta de controlar a peste bubônica, a prefeitura promoveu uma declarada guerra aos ratos na cidade. E chegou a comprar os animais mortos de quem se dispusesse a caçá-los. Aproveitadores e oportunistas não demoraram a entrar em ação. Há relatos de que moradores partiam de Niterói para vender roedores do outro lado da Baía de Guanabara. Além deles, havia os habituais esquadrões municipais, sempre truculentos, que invadiam cortiços, sobrados e casas de cômodos com a finalidade de exterminar aquela praga urbana.

A vacina e o "bota-abaixo"
No entanto, a medida sanitária mais polêmica foi tornar obrigatória a vacinação contra varíola, o que descontentou grande parte da população. A obrigatoriedade da vacina era garantida por uma rede de compulsão social. A apresentação dos comprovantes de vacinação passaria a ser condição para matrículas em escolas, admissões em empresas e oficinas, casamentos e outras tantas atividades, de maneira que a vida social daquele que se recusasse a ser vacinado tornar-se-ia impossível.

Em paralelo, a tônica modernizadora da gestão do prefeito Pereira Passos já se fazia sentir desde 1903, quando da inauguração da avenida Passos. Em março de 1904, com a demolição de dezenas de casarões e sobrados, tiveram início as obras da avenida Central. Os objetivos de enquadrar a cidade nos preceitos recomendados pela higiene custaram a remoção de centenas de famílias pobres, transfigurando por completo a paisagem do centro. Essa política ficou popularmente conhecida como "bota abaixo". A vacinação obrigatória era, portanto, uma entre várias medidas que visavam disciplinar a população mais pobre, erradicando-a das áreas centrais.

Praças de guerra
Tão logo a nova lei foi anunciada, a insatisfação popular tomou forma de protesto. Os confrontos - que se iniciaram a partir da prisão de um estudante, numa manifestação no Largo de São Francisco - em pouco tempo se generalizaram, opondo os populares e as forças policiais. As cargas de cavalaria tentavam a todo custo conter a insatisfação dos amotinados, enquanto a massa popular não parava de crescer.

Em poucos dias, os conflitos atingiam diversos bairros pela cidade. As áreas compreendidas entre o Largo de São Francisco e a Praça Tiradentes converteram-se em verdadeiros campos de batalha. Barricadas eram erguidas na tentativa de conter as investidas da polícia. Muitas ruas tiveram seus calçamentos transformados em munição pelos populares que, escondidos por detrás dos bondes, alvejavam como podiam as forças policiais.

Lima Barreto
Em meio ao caos gerado pelos conflitos, as autoridades passaram a efetuar prisões de forma generalizada. Testemunha ocular das agitações que marcavam as ruas cariocas naquele tempo, o escritor Lima Barreto registrou em seu "Diário Íntimo" as inúmeras violências e arbitrariedades de que foram vítimas os populares revoltosos: "A polícia arrepanhava a torto e a direito pessoas que encontrava na rua. Recolhia-as às delegacias, depois juntavam na Polícia Central. Aí, violentamente, humilhantemente, arrebentava-lhes os cós das calças e as empurrava num grande pátio. Juntadas que fossem algumas dezenas, remetia-as à Ilha das Cobras, onde eram surradas desapiedadamente".

Em 16 de novembro de 1904 a revolta foi sufocada pela polícia. O saldo da agitação que sacudiu as ruas do Rio de Janeiro foi trágico. Cerca de 110 feridos e 30 pessoas mortas. A ação policial resultou na prisão de 945 pessoas, das quais 461 foram deportadas para o Acre.

Truculência do poder público
Num regime republicano recém instaurado, onde a participação política da maior parte da população era nula, o levante representou uma reação legítima frente ao tratamento autoritário que o governo dispensava ao povo. Mais que um levante dos cariocas contra as medidas sanitárias do Estado, a Revolta da Vacina simboliza a resistência popular frente à truculência que historicamente permeia o contato do poder público com o povo. Anos mais tarde, o político paulista Washington Luís diria que no Brasil "a questão social é questão de polícia", reforçando a idéia de que a força e a arbitrariedade são os mecanismos corretos para conter os anseios populares.

A vacinação, em suma, foi mais uma medida para disciplinar a população pobre, vista sempre como obstáculo ao progresso e ao desenvolvimento. Sua revolta representou o protesto ampliado contra o projeto de modernização excludente que estava em marcha naquele momento.

Revolta da Chibata

Movimento defendeu mudanças na Marinha
Vitor Amorim de Angelo


Na noite de 22 de novembro de 1910, dia em que o marechal Hermes da Fonseca completava sua primeira semana como presidente da República, teve início no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, a chamada Revolta da Chibata. Protagonizado por marinheiros da Armada brasileira, o movimento defendia, entre outras coisas, o fim dos castigos físicos aplicados aos graduados da Marinha, como a chibatada, por exemplo.

Os castigos, suspensos pela Armada logo após a Proclamação da República, foram retomados no ano seguinte como forma de controle e punição dos marinheiros - em sua maioria, negros e pobres. Poderiam receber chibatadas aqueles que cometessem faltas graves, como, por exemplo, o desrespeito à hierarquia militar.

Os castigos físicos, porém, contrastavam com as punições aplicadas pelas marinhas de outros países a seus graduados e, principalmente, com a fase modernizadora vivida pela Armada brasileira na época. Embora a escravidão tivesse sido abolida oficialmente mais de vinte anos antes, o uso da chibata pela oficialidade branca reproduzia, de certa forma, a mesma relação estabelecida entre os escravos e seus senhores até o final do século 19.

A eclosão do movimento
Depois de ferir um oficial a bordo do navio Minas Gerais, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi condenado a receber 250 chibatadas como castigo. O rigor da punição, aplicada sob os olhares da tropa, provocou indignação entre os graduados da Marinha. Desde o ano anterior, quando voltaram de uma missão junto à Armada inglesa, os marinheiros vinham se articulando contra os castigos físicos, tendo, inclusive, formado o Comitê Geral da revolução, liderado por João Cândido - o "Almirante negro".

Os marinheiros logo assumiram o controle do Minas Gerais, que estava em trânsito para o Rio de Janeiro, matando quatro oficiais que seguiam a bordo, incluindo o comandante do navio. Na manhã do dia 23, já no Distrito Federal, os revoltosos, que haviam conseguido o apoio de outras embarcações da Marinha brasileira, encaminharam um manifesto ao presidente da República.

Na carta, escrita no dia anterior, os marinheiros afirmavam não poder mais suportar "a escravidão dentro da Marinha", declarando-se a favor de uma reforma no "código imoral e vergonhoso que nos rege a fim de que desapareça a chibata [...] e outros castigos semelhantes". O manifesto dava ao marechal Hermes da Fonseca o prazo de 12 horas para responder às demandas dos revoltosos.

Entretanto, o desfecho do movimento só ocorreria no dia 26, quando os marinheiros entregaram os navios, depois de o presidente da República aceitar o fim dos castigos físicos e sancionar a anistia aprovada pelo Senado no dia anterior. Já no dia 27, antes mesmo de suspender o uso das chibatas, Hermes da Fonseca assinou um decreto que permitia a exclusão de marinheiros da Armada sem a necessidade de instaurar um processo legal para tanto.

O levante da ilha das Cobras
Com a aprovação do decreto, abriu-se o caminho para a expulsão de vários marinheiros que tinham participado do levante de novembro. Assim, poucos dias depois da rendição, teve início um novo levante, dessa vez, na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Ao contrário do movimento anterior, a revolta de dezembro foi duramente combatida pela Marinha, que dizimou boa parte dos revoltosos, mesmo depois da rendição.

Dos sobreviventes, a maioria foi forçada a embarcar no navio Satélite, que seguiria em direção ao Amazonas, para trabalhar na produção da borracha. Alguns deles, contudo, nem chegaram ao destino: foram fuzilados a bordo da embarcação. Os demais revoltosos foram presos em calabouços da ilha das Cobras, sendo que, em pouco mais de um dia, apenas dois dos 18 graduados presos ali sobreviveram às condições insalubres do local - entre eles, João Cândido.

O destino do Almirante negro, porém, foi melancólico e desprovido de qualquer honra ou glória. Expulso da Marinha sob acusação de estar envolvido com o levante de dezembro, foi internado poucos meses depois como louco no Hospital dos Alienados, de onde só conseguiu sair depois de quase um ano e meio, após ser absolvido das acusações que pesavam contra ele por conta do movimento de 1910.

Muito mais que uma revolta
Embora o levante que João Cândido liderou tenha entrado para a história do Brasil como uma "revolta", o movimento de 1910 pode ser considerado um episódio bem mais profundo do que isso, especialmente pelas suas reivindicações, que não se limitavam à luta pelo fim dos castigos físicos. A ocultação da carta enviada no dia 23 de abril ao presidente Hermes da Fonseca, que veio a público tempos depois, certamente contribuiu para conformar uma versão da história que retirava da Revolta da Chibata seu caráter de luta política.

O fato de o manifesto ter sido escrito no dia anterior, por exemplo, desmonta a versão segundo a qual o movimento teria eclodido de maneira espontânea, sem nenhuma espécie de organização anterior. Pelo contrário, os marinheiros há muito tempo já vinham se articulando para lutarem por mudanças no funcionamento interno da Marinha. Prova disso foi a criação do Comitê Geral da revolução.

Por outro lado, as versões que caracterizam a Revolta da Chibata como um movimento primitivo, instintivo, não se sustentam quando questionamos a razão para o afastamento dos marinheiros envolvidos no movimento de 1910. A expulsão das principais lideranças da Revolta da Chibata demonstrou que o poder dos marinheiros estava muito além do controle dos navios. Daí porque, mesmo após a rendição, o oficialato tratou de excluí-los rapidamente dos quadros da Armada.

O movimento de 1910, portanto, foi bem mais que uma simples revolta, instintiva e espontânea. A rebelião daquela noite não questionava a República nem tampouco lutava pelo retorno da monarquia, como queriam os restauradores. Seu objetivo era instituir uma nova relação de trabalho dentro da Armada e lutar pelo reconhecimento dos pobres e negros da Marinha brasileira como cidadãos livres e dotados de direitos.
*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é professor de história da Universidade Federal de Uberlândia.

Revolta da Armada

Setores da Marinha lutam contra Floriano Peixoto
Vitor Amorim de Angelo*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação


A Revolta da Armada foi um movimento deflagrado por setores da Marinha brasileira em 1893 contra o presidente da República, marechal Floriano Peixoto. Encabeçado pelo contra-almirante Custódio de Mello e pelo almirante Luiz Filipe Saldanha da Gama, o episódio expressou com clareza os interesses e as disputas políticas do início do período republicano.

Para compreender melhor a Revolta da Armada, contudo, é preciso retroceder ao governo anterior, do marechal Deodoro da Fonseca, e aos conflitos que levaram à sua renúncia, em novembro de 1891, com apenas nove meses de governo constitucional. O apoio de figuras associadas ao antigo regime político - a Monarquia - só acentuou as divergências e colaborou para reforçar a imagem de Floriano como consolidador da República.

As facções políticas estaduais
Quando a República foi proclamada, em 1889, um problema que imediatamente veio à tona foi a ascensão das oligarquias locais ao poder nos seus respectivos estados. Ocorre que havia elites em disputa pelo poder, e o presidente provisório, Deodoro da Fonseca, precisou decidir quem iria apoiar em cada estado. Com isso, logo as oligarquias desprestigiadas pelo novo regime, política ou economicamente, começaram a fazer oposição a Deodoro.

Esse movimento atingiu seu ponto alto na eleição presidencial de 1891, da qual Deodoro saiu vencedor. O vice-presidente eleito, porém, era Floriano Peixoto, apoiado pela oposição. Deodoro destituiu todos os governadores oposicionistas, nomeando políticos de sua confiança. Contudo, as bancadas estaduais no Congresso permaneceram as mesmas, e elas, em sua maioria, eram contra o presidente. Houve, assim, um descompasso entre os que detinham o poder nos estados e os representantes estaduais no Congresso Nacional.

Uma exceção foi o Rio Grande do Sul, onde a bancada federal apoiava o governador, Júlio de Castilhos. Quando, sob pressão, Deodoro renunciou, o vice, Floriano Peixoto, que assumiu a Presidência da República em novembro de 1891, destituiu os governadores que apoiavam Deodoro. Uma ferrenha disputa pelo poder instalou-se no Rio Grande do Sul, envolvendo o grupo de Castilho e as novas facções na luta pelo poder.

O movimento contra Floriano Peixoto
O presidente, que inicialmente manteve-se neutro, decidiu apoiar o governador que ele mesmo destituíra. Floriano sabia que, ao favorecer Castilhos, ganharia o apoio da bancada gaúcha no Congresso. De outro lado, os grupos que passaram a disputar o poder no Rio Grande do Sul, após a queda do governador, incluíram elementos identificados com a Monarquia. A oposição a Castilhos chegou a fundar o Partido Federalista Brasileiro, unindo dissidências do Partido Republicano local e integrantes do antigo Partido Liberal.

Em 1893, teve início a Revolta da Armada. Custódio de Mello, que havia apoiado Floriano na eleição para vice-presidente, não aceitou as medidas do governo em relação à política gaúcha. De outro lado, havia o problema sucessório. Pela Constituição, Floriano deveria convocar novas eleições no prazo de dois anos após a posse. Porém, isso não ocorreu. E Custódio, que era candidato à Presidência, ficou contrariado com a nova situação.

De maneira circunstancial, figuras associadas ao antigo regime também se juntaram ao movimento contra Floriano Peixoto - caso do almirante Saldanha da Gama, por exemplo.

A rebelião dos marinheiros, porém, não conquistou maiores apoios na então capital da República, Rio de Janeiro. Depois de algumas trocas de tiros com o Exército, os revoltosos seguiram para o sul do país. Parte deles desembarcou na atual cidade de Florianópolis. Chegaram a ensaiar uma aliança com os federalistas gaúchos - Custódio de Mello chegou a participar da Revolução Federalista -, mas o acordo não avançou.

Floriano Peixoto, que contava com amplo apoio dentro do Exército e mesmo entre as elites estaduais (sobretudo a paulista), adquiriu navios no exterior para reforçar o combate aos revoltosos, finalmente derrotados em março de 1894. Ao suprimir a Revolta da Armada, que de alguma forma vinculava-se à restauração da Monarquia - o presidente terminou por credenciar sua própria imagem como um radical defensor da nascente. República.
*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.

Regência Una

Fortalecendo o poder central
Vitor Amorim de Angelo*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação



O Ato Adicional de 1834 foi a primeira emenda à Constituição de 1824, outorgada por dom Pedro 1°. Em 1831, quando o imperador abdicou o trono do Brasil, abriu-se um novo cenário político. Os setores liberais saíram fortalecidos daquele processo. Afinal, eram ferrenhos opositores do centralismo político que havia caracterizado o reinado de dom Pedro 1°.

Foi nesse contexto, portanto, que o Brasil chegou à década de 1830. Mesmo com a vacância do trono, o príncipe herdeiro, Pedro de Alcântara, não pôde ser coroado. Segundo a Constituição de 1824, se o herdeiro do trono fosse menor de idade, uma regência assumiria o governo em seu lugar, até que ele completasse 18 anos. Com a volta de dom Pedro 1° para Portugal, uma regência trina passou a representar o príncipe.

O fortalecimento dos setores liberais resultou em mudanças significativas. Uma delas ocorreu em 1832, quando foi aprovada a revisão da Carta de 1824. Os deputados eleitos no ano seguinte acumulariam poderes constituintes durante a legislatura de 1834-1837 para reformar a Constituição brasileira. Todas as alterações acabaram consubstanciadas no Ato Adicional de 1834.

Mudanças instituídas pelo Ato
As eleições para a Câmara, em 1833, fortaleceram o movimento liberal moderado, que conquistou a maioria das cadeiras em disputa. Como os deputados eleitos naquele ano teriam poderes para reformar a Constituição, abriu-se o caminho que levaria às mudanças na Carta de 1824. Em virtude da nova composição da Câmara, as propostas conservadoras e liberais radicais foram isoladas pela maioria moderada.

A revisão constitucional buscou adequar as instituições políticas do império à nova conjuntura e à correlação de forças que então se desenhava. Assim, foi concedida certa autonomia às províncias, sem, no entanto, enfraquecer o poder central. Havia grande temor de que uma liberdade excessiva pudesse levar à fragmentação do território nacional e ao enfraquecimento do reino.

Por isso, o Ato Adicional à Constituição de 1824, aprovado em 12 de agosto de 1834, manteve intacto o Poder Moderador, ao contrário do que desejavam os liberais radicais; e a vitaliciedade do Senado, o que agradou aos setores conservadores. De outro lado, dissolveu o Conselho de Estado (instância de assessoria do imperador) e declarou o Rio de Janeiro como cidade neutra, transferindo a capital fluminense para Niterói.

As duas mudanças mais importantes, contudo, foram a instituição da regência una (no lugar da trina) e a concessão de amplos poderes para as Assembléias Provinciais legislarem em matérias civil, militar, política e econômica. Foi, portanto, uma tentativa de conciliar a centralização do poder nas mãos de um só regente com a descentralização desse mesmo poder segundo os interesses locais. O efeito disso logo alterou a correlação das forças políticas durante o período regencial.

Interpretação do Ato Adicional
O equilíbrio entre concentração e divisão do poder mostrou-se muito frágil. As revoltas provinciais, ao invés de recuarem, prosseguiram no mesmo ritmo. E o novo regente, Diogo Feijó, eleito em 1835 para substituir a regência trina, ao contrário do que esperavam os setores conservadores, não combateu as agitações com o vigor e a contundência desejada. A tensão política e social aumentava. O fantasma do separatismo surgia com toda força.

Nesse contexto, os liberais moderados se dividiram entre "progressistas" (a favor das medidas liberais do Ato Adicional) e "regressistas" (contrários a elas). Estes últimos, diante do quadro de profunda agitação política e social, fizeram coro com as forças conservadoras em favor da centralização. Isolado, Feijó acabou renunciando ao cargo. Em seu lugar assumiu o ministro da Justiça, Pedro de Araújo Lima.

Sua regência ficou conhecida como o "regresso conservador". Durante o mandato de Araújo Lima, foi aprovada a Lei de Interpretação do Ato Adicional, que fortaleceu o poder central e diminuiu a autonomia das províncias. Era um passo atrás em relação às reformas de 1834. O regresso conversador, porém, não conseguiu conter a rebeliões locais, o que, lentamente, fortaleceu a tese de que o Brasil precisava de um novo imperador. Abria-se, assim, a porta para o golpe da maioridade.
*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.

Reação republicana

Oligarquias disputam o poder
Vitor Amorim de Angelo



Reação republicana é o nome pelo qual ficou conhecida a chapa de oposição apresentada, em 1921, por alguns estados - Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro e Distrito Federal - contra o candidato à presidência da República apoiado por Minas Gerais e São Paulo. Em março de 1922, seria escolhido o novo presidente da República, que substituiria o paraibano Epitácio Pessoa, no cargo desde 1919.

Seguindo a política do café-com-leite, as oligarquias de Minas e São Paulo lançaram o nome do governador mineiro, Arthur Bernardes, à sucessão presidencial. Insatisfeitos, alguns estados de importância secundária no cenário político-econômico da época - ou que buscavam mais espaço frente à hegemonia mineira e paulista - indicaram o então senador fluminense Nilo Peçanha para a disputa contra a chapa situacionista. Estava formada, assim, a Reação republicana.

Versões para a dissidência
O movimento oposicionista de 1921 evidenciou, pela segunda vez, a crise política provocada pelo controle da máquina pública por parte das oligarquias de Minas Gerais e São Paulo. Ao mesmo tempo, canalizou as insatisfações provocadas pela relativa exclusão política a que estavam condenadas outras elites regionais.

A Reação republicana representou, de forma consistente, mais uma contestação à dinâmica político-eleitoral que dominava a República desde o final do século 19. Algumas versões tentam explicar o movimento de 1921 e estabelecer suas conexões com o quadro mais amplo da política do café-com-leite e da política dos governadores.

A primeira delas atribui a crise não à disputa pela sucessão presidencial em si, mas à indicação do vice na chapa encabeçada pelo candidato apoiado por Minas e São Paulo. Assim, não haveria maiores questionamentos quanto à preponderância desses estados, mas tão-somente no que dizia respeito à participação, ainda que secundária, das demais oligarquias no processo político.

Outra versão tenta associar o lançamento de Nilo Peçanha à presidência com os interesses de uma camada urbana em franco crescimento no Distrito Federal. Nesse caso, é ressaltado o aspecto populista do então candidato da oposição e a forma como ele se relacionava com sua base político-eleitoral.

Por fim, uma outra corrente de historiadores atribui a Reação republicana aos problemas da economia brasileira do início dos anos 1920. Muito além da insatisfação política, as oligarquias dissidentes, conforme essa versão, sentiam-se prejudicadas pela política econômica que, privilegiando a recuperação financeira do setor cafeeiro, afastava-se dos interesses mais imediatos daquelas forças regionais.

A campanha de Arthur Bernardes
O programa lançado pelo movimento oposicionista defendia: 1) maior independência do Legislativo em relação ao Executivo, o que significava uma crítica à política dos governadores; 2) o fortalecimento das Forças Armadas, o que acabou atraindo os militares para a campanha de Nilo Peçanha; e 3) políticas sociais para a população urbana, o que permitiu o avanço da candidatura oposicionista sobre esse segmento do eleitorado.

No caso dos militares, em particular, sua relação com Epitácio Pessoa vinha se deteriorando desde 1919, já que o presidente, em várias ocasiões, nomeara civis para ocupar cargos militares - por exemplo, o Ministério da Guerra. Em 1920, o ex-presidente Hermes da Fonseca retornara do exterior. Seu prestígio junto às Forças Armadas fez com que seu nome fosse cogitado novamente para a sucessão de 1922.

Embora Nilo Peçanha tenha conseguido emplacar sua candidatura, em detrimento à de Hermes da Fonseca, os militares não apoiaram o candidato da situação. Para isso também pesou bastante o episódio envolvendo supostas cartas que Arthur Bernardes teria escrito criticando os militares e, em particular, o marechal Hermes da Fonseca, eleito, em 1921, para presidir o Clube Militar. Mas tarde, descobriu-se que as cartas eram falsas.

A eleição transcorreu normalmente e, apesar da intensa radicalização política, a vitória do candidato situacionista confirmou-se. Em Pernambuco, eclodiram rebeliões populares contra o resultado das eleições no estado. O governo Epitácio Pessoa enviou tropas para reprimir as manifestações. Hermes da Fonseca envolveu-se no episódio ao manifestar-se contra o envio do Exército para acabar com as rebeliões.

Em seguida, como reposta, o governo decretou a imediata prisão do marechal e o fechamento do Clube Militar. A partir daí, desencadeou-se uma onda de insatisfações dentro das Forças Armadas que culminaria com a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Apesar da vitória e da posse, no final de 1922, Arthur Bernardes conviveria com a constante tensão com os militares ao longo de todo o seu governo.
* Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é professor de história da Universidade Federal de Uberlândia.

Quilombo dos Palmares

Verdades e mitos sobre o quilombo e Zumbi
Túlio Vilela*




Comunidades fundadas por escravos de origem africana que conseguiram fugir de seus senhores. Assim, podemos definir os quilombos que existiram no Brasil e em todas as outras partes do continente americano onde houve a exploração do trabalho de escravos de origem africana. O que mudou foi apenas o nome: quilombos ou mocambos nas áreas de colonização portuguesa (Brasil); maroons nas áreas de colonização inglesa (exemplo: sul dos atuais Estados Unidos), palenques nas áreas de colonização espanhola (exemplos: Cuba e Colômbia) e grand marronage, nas áreas de colonização francesa (exemplo: Haiti).

Houve quilombos de diversos tamanhos, alguns pequenos, com apenas vinte ou trinta habitantes, e outros grandes, com centenas ou milhares de habitantes. O maior e mais famoso de todos os quilombos brasileiros foi, sem dúvida alguma, o dos Palmares. Na verdade, Palmares era um conjunto de dez quilombos. Estima-se que, em 1671, sua população tenha sido algo em torno de 20 mil habitantes.No entanto, justamente por causa dessa fama criou-se um grande mito em torno de Palmares e de um dos seus líderes, Zumbi. Este artigo pretende mostrar o que há de verdadeiro e de falso neste mito.

O Quilombo dos Palmares
O Quilombo dos Palmares localizava-se na serra da Barriga, região situada no que hoje são os estados de Alagoas e Pernambuco. O nome, Palmares, veio do fato de a região possuir um grande número de palmeiras. A data de sua fundação não é certa. Segundo algumas fontes, Palmares teria surgido em 1597, quando cerca de quarenta escravos fugiram de um engenho de açúcar no litoral do Nordeste e se refugiaram na Serra da Barriga. A mais antiga referência conhecida ao nome Palmares é uma carta do mesmo ano, escrita pelo padre Pero Lopes, superior dos jesuítas em Pernambuco, ao rei de Portugal.

Negros, mestiços, índios e brancos
No entanto, há pesquisadores que contestam essa data, para eles, Palmares pode ter surgido por volta de 1580. Outros ainda afirmam que talvez até antes disso já existissem comunidades quilombolas na mesma região. Seja como for, no início, a população de Palmares era pequena, não passava de poucas dezenas, mas as notícias sobre o lugar começaram a atrair um número maior de escravos fugidos de engenhos, especialmente de Pernambuco. Além de negros, a população de Palmares era composta por mestiços, índios e até brancos. Entre as pessoas brancas que viviam em Palmares estavam, provavelmente, mulheres acusadas de feitiçaria e outros indivíduos procurados pelas autoridades da época.

A população de Palmares cresceu muito em decorrência das invasões holandesas no Nordeste (1624-1654). Com as invasões, os engenhos desorganizaram-se e houve uma diminuição da vigilância, o que facilitou as fugas. Além disso, as autoridades portuguesas no Brasil ofereceram alforria (libertação) aos escravos que guerreassem contra os holandeses. Assim, muitos escravos recrutados aproveitaram para desertar (abandonar o exército) e refugiaram-se em Palmares, enquanto outros, como Henrique Dias destacaram-se na luta para expulsar os holandeses e chegaram até a participar de expedições de ataque aos quilombos.

Vale lembrar que era comum encontrar capitães-de-mato (encarregados de recapturar escravos fugidos) negros. Ou seja, nem sempre a cor da pele determinava de que lado a pessoa estava, pois, se havia brancos morando nos quilombos, também havia negros que lutavam contra os quilombolas. As relações com os índios também variavam: conforme a situação, os quilombolas tanto podiam ser aliados quanto adversários das comunidades indígenas que habitavam a região.

Zumbi e Domingos Jorge Velho
Várias expedições foram organizadas pelos senhores de engenho para capturar negros em Palmares. Geralmente, um senhor de engenho tinha o interesse em recapturar um escravo fugido porque o preço de um escravo novo era muito alto. Portanto, do ponto de vista do senhor de engenho, quando um escravo fugia, significava um prejuízo, um investimento perdido. Foi numa dessas expedições que um menino nascido em Palmares foi capturado e entregue ao padre da vila de Porto Calvo. Quinze anos depois, esse menino voltaria para Palmares e se tornaria o líder mais importante da comunidade quilombola: Zumbi.

O nome Zumbi provavelmente originou-se de Nzumbi, o título que os bantos, um povo africano, davam a um líder militar e religioso. Por volta de 1690, as autoridades contrataram o paulista Domingos Jorge Velho, bandeirante conhecido por caçar índios (enquanto no Nordeste a maioria dos escravos era de origem africana, em São Paulo, a maioria dos escravos era de origem indígena), para liderar a invasão e destruição definitivas de Palmares.

Em troca, o bandeirante exigiu cem mil em dinheiro mais um quinto do valor dos quilombolas capturados, 500 mil réis em panos em roupas e o perdão tanto dos crimes que havia cometido quanto dos que viesse a cometer. Não bastasse tudo isso, as autoridades deram ao bandeirante o poder de prender qualquer pessoa suspeita de colaborar com os quilombolas.

Sucídio ou assassinato?
No primeiro ataque, em 1692, o exército de Domingos Jorge Velho foi derrotado. Percebendo que não seria fácil derrotar os quilombolas, o bandeirante exigiu que as autoridades enviassem mais armas e munições. Milhares de homens foram recrutados em todas as capitanias do Nordeste para fazer parte do exército que atacaria Palmares. Assim, em 6 de fevereiro de 1694, o principal dos quilombos de Palmares foi atacado pelo exército comandado por Domingos Jorge Velho. Os quilombolas resistiram, mas acabaram derrotados. Zumbi, apesar de ferido, conseguiu fugir e resistiu por vários meses, organizando ataques contra os senhores de engenho.

No entanto, Antônio Soares, um homem da confiança de Zumbi foi capturado e após ser torturado revelou o esconderijo de seu líder. Após a descoberta do esconderijo, Zumbi sofreu uma emboscada e morreu no dia 20 de novembro de 1695. As circunstâncias de sua morte ainda são objeto de debate: para uns, foi suicídio, para outros, foi assassinato.

De qualquer modo, a cabeça de Zumbi foi cortada e levada para o Recife, onde foi colocada sob um poste. Era uma forma de as autoridades desencorajarem novas tentativas de fuga e de acabar com os boatos de que Zumbi era "imortal". Morria o homem e surgia o mito. Um mito tão forte, que, nos dias de hoje, parte da comunidade negra do Brasil escolheu a data da morte de Zumbi, 20 de novembro, para comemorar o Dia da Consciência Negra. A data foi transformada em feriado em algumas cidades brasileiras.

O homem e o mito
O problema é que esse mito criado em torno de Zumbi e a intenção de transformar a data de sua morte em uma data cívica baseiam-se em inverdades. A maior delas é que Zumbi lutou pela abolição da escravidão. Sem dúvida alguma, Zumbi e outros quilombolas desejavam a liberdade, mas apenas a liberdade individual, eles jamais tiveram a pretensão de extinguir a escravidão. Pelo contrário, por mais estranho que possa parecer, a escravidão também existia dentro de Palmares. Há registros da época que mencionam a existência de escravos em Palmares.

Segundo esses registros, esses escravos eram homens seqüestrados pelos quilombolas e obrigados a trabalhar nas plantações. Era comum que um escravo liberto quisesse ter seus próprios escravos. Ou seja, o mesmo escravo que sonhava com a própria liberdade não hesitaria em ter seus próprios escravos se o pudesse. O fato em si não causa surpresa se considerarmos que a escravidão já existia nas sociedades africanas antes mesmo da chegada dos portugueses na África, especialmente nos reinos do Congo e de Angola, locais de origem de grande parte dos quilombolas e de seus antepassados.

Mas atenção: o fato de que a escravidão já existisse na África não justifica o tráfico de escravos africanos praticado por portugueses e outros europeus. Por outro lado, foi um dos fatores que facilitou o crescimento desse tráfico.

Questão religiosa

Igreja e Estado entram em conflito
Vitor Amorim de Angelo*



A chamada Questão religiosa foi um episódio que não esteve diretamente relacionado ao fim do Império, mas que desgastou bastante a relação entre a Coroa e a Igreja católica.

São amplamente conhecidas as relações entre a o catolicismo e a política brasileira. Desde o processo colonizador até a Proclamação da República, Igreja e Estado - primeiro o português, depois o brasileiro - sempre estiveram intimamente ligados. Após 1889, embora não existisse mais uma ligação formal, a relação entre os dois não desapareceu.

A Constituição de 1824 estabelecia o catolicismo como religião oficial do Império. Portanto, ao contrário de hoje, em que temos um Estado laico, até 1889 existia uma relação formal entre a Igreja e a Coroa, que atendia aos interesses de ambos. Ao imperador, por exemplo, era facultado o direito ao padroado (prerrogativa de preencher os cargos eclesiásticos mais importantes) e ao beneplácito (aprovação das ordens e bulas papais para que fossem cumpridas, ou não, em território nacional). Os próprios sacerdotes eram tratados como funcionários públicos, recebendo salários da Coroa.

Bispos aplicam o ultramontanismo
A bula papal "Syllabus" (1864) e o Concílio Vaticano 1° (1869-1870) consagraram a doutrina do ultramantonismo, defendida pelo papa Pio 9º. Em linhas gerais, essa doutrina postulava a infalibilidade do papa e combatia as idéias e instituições que defendiam a secularização e o anticlericalismo. Esse era o caso, por exemplo, da Maçonaria. Contudo, no caso brasileiro, havia inúmeros clérigos maçons.

O bispo do Rio de Janeiro, dom Pedro Maria de Lacerda, era um dos adeptos do ultramontanismo. Por isso mesmo, em abril de 1872, suspendeu o padre Almeida Martins, que, no mês anterior, numa festa em comemoração à Lei do Ventre Livre, havia proferido um discurso em homenagem ao visconde de Rio Branco, presidente do Conselho de Ministros e - o que era o problema - grão-mestre da Maçonaria.

Em março, o bispo do Pará, Antônio de Macedo Costa, já tinha atacado violentamente os maçons, ameaçando os religiosos ligados à Maçonaria de não poderem continuar participando das atividades religiosas e de perderem o direito à sepultura eclesiástica e à absolvição sacramental. Contudo, após a punição do padre Almeida Martins, clérigos maçons divulgaram um manifesto em que reafirmavam a compatibilidade entre a atividade religiosa e a Maçonaria.

Em dezembro de 1872, foi o bispo de Olinda, Vital Maria, quem procurou aplicar o ultramontanismo. Após uma campanha mal-sucedida para incentivar católicos a abandonarem a Maçonaria, o bispo determinou que as irmandades expulsassem seus membros maçons. Porém, não sendo atendido, passou a ameaçar de excomunhão os que tivessem ligações com a Maçonaria.

Imperador e papa celebram acordo
Nos dois casos, os perseguidos recorreram ao governo provincial, que encaminhou o recurso à Corte. Tanto Antônio de Macedo quanto Vital Maria foram declarados incompetentes para punir as irmandades, papel que caberia ao imperador, dom Pedro 2°. Enquanto o bispo de Olinda continuou sustentando sua decisão, o bispo do Pará assumiu uma postura mais contundente. Macedo não reconheceu a autoridade do Império para censurá-lo.

Para tentar dirimir os atritos com a Igreja, dom Pedro enviou ao Vaticano a chamada Missão Penedo, em agosto de 1873. Entretanto, os acontecimentos seguintes inviabilizaram a missão diplomática. No final daquele ano, o Conselho de Ministros, diante da insubordinação dos bispos, decidiu apresentar denúncia formal contra os dois. No início de 1874, Antônio de Macedo e Vital Maria foram condenados a quatro anos de prisão.

A solução para o impasse só ocorreu em 1875, quando o papa Pio 9° e o imperador Pedro 2° finalmente chegaram a um consenso. Este concedeu anistia aos bispos presos. O papa, por sua vez, suspendeu as punições contra as irmandades do Pará e de Olinda. Igreja e Estado se mantinham, assim, juntos novamente, numa relação que não resistiria mais do que alguns anos.
*Vitor Amorim de Angelo é historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.

Proclamação da República

Questão Militar e Proclamação da República
Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação



Juntamente com a agitação abolicionista da década de 1870, chegou também ao Brasil a propaganda republicana. Durante a década de 1880, a idéia de República angariou simpatizantes no país, mas em número menor que o abolicionismo, e num ritmo muito mais lento. Somente após o fim da escravidão, ela entrou na ordem-do-dia. Os primeiros a engrossar as fileiras do novo grupo foram os cafeicultores, revoltados com a monarquia. Responsabilizavam o governo imperial pela perda dos escravos, sem indenização.

Depois da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, os líderes do setor cafeeiro rapidamente se uniram aos idealistas do Partido Republicano, fundado havia quase duas décadas. Até então, a agremiação contava apenas com militantes jovens e idealistas. Mas o partido não decolou. Durante dez anos, seu desempenho eleitoral foi pífio: não conseguia eleger seus candidatos à Câmara e ao Senado.

Escravos no exército
Entretanto, durante nos anos 1880, a política não era feita somente na Assembléia, mas também nos quartéis. O Exército foi uma instituição que saiu fortalecida da Guerra do Paraguai. Literalmente, os soldados tinham sido os salvadores da pátria. Para a tarefa, contribuíram milhares de escravos incorporados às tropas. Os negros formaram a maioria dos batalhões brasileiros naquele momento.

Para não morrer nos campos de batalha, os aristocratas tinham o direito de mandar os escravos em seu lugar. Além disso, para aumentar o número de recrutas, o governo ofereceu liberdade aos escravos que fossem guerrear. Aproximando-se dos soldados nas dificuldes da guerra, os oficiais desenvolveram simpatia pelo abolicionismo. Com isso, mais um elemento veio afastar o Exército da monarquia.

Oficiais sem dinheiro nem prestígio
Outro motivo de insatisfação com o governo era a origem social da maioria dos comandantes: as classes sociais médias. Para seus membros, a carreira militar parecia uma oportunidade de subir na vida. Entretanto, os oficiais estavam ganhando pouco. Além disso, não tinham sequer a contrapartida do prestígio social ou do poder político.

Nessas circunstâncias, uma grande solidariedade conquistou a oficialidade do Exército, unindo-a entre si e com as tropas e evidenciando diferenças entre o militar e o civil. Nos quartéis, o poder dos civis logo passou a ser questionado. Em 1886, as opiniões dos militares chegaram às ruas através dos jornais.

A Questão Militar
No Piauí e no Rio Grande do Sul, respectivamente, os coronéis Cunha Matos e Sena Madureira atacaram o ministro da Guerra, Afredo Chaves, um civil. Estava aberta uma série de desentendimentos com o governo, que ficou conhecida como Questão Militar.

O Império puniu com a prisão os dois coronéis, lembrando que, de acordo com a Constituição, a participação na política interna do Brasil não era um dever do Exército. Em 1887, depois de outros atritos entre os militares e o Ministério da Guerra, foi fundado o Clube Militar, uma entidade que passou a funcionar como órgão político e porta-voz da categoria. Para a sua presidência, elegeu-se uma das maiores lideranças militares do país: o marechal Deodoro da Fonseca.

Na queda de braço do coronel Sena Madureira com o ministro da Guerra, Deodoro tinha ficado ao lado do coronel. Desde então, passou a ser cortejado tanto pelos oficiais insatisfeitos com a monarquia, quanto pelos republicanos. Como militar, efetivamente não aprovava as atitudes do governo em relação aos militares. Mas não identificava o governo com a monarquia, nem com a pessoa do imperador - a quem respeitava e de quem era amigo.

Propaganda republicana
Para a maioria dos militares, o Império talvez devesse chegar ao fim, mas a República podia esperar pela morte de Pedro 2º O respeito ao "velhinho" retardou o rompimento definitivo entre os oficiais e a monarquia. Por isso, a ação dos grupos republicanos ligados aos cafeicultores passou a atacar o imperador através de sua herdeira, a Princesa Isabel.

A sucessão e o futuro reinado foram transformados em fantasmas assustadores pela propaganda republicana. A idéia de uma mulher no trono causava arrepios na mentalidade machista da época. Para piorar, pairava sobre a princesa Isabel a figura do conde D'Eu, antipático e estrangeiro. Em surdina, começou a conspiração que iria derrubar a monarquia.

Desgastado com o poder econômico dos cafeicultores, com a opinião pública e com os militares, o Império tentou promover reformas na ordem política. Em junho de 1889, formou-se um novo ministério, que tinha em sua presidência Afonso Celso de Assis Figueiredo, o visconde de Ouro Preto - que já havia prestado relevantes serviços ao governo no passado. A ele caberia solucionar os problemas sociais e garantir a sucessão da monarquia.

Visconde de Ouro Preto
Ouro Preto tentou resolver a questão militar enfraquecendo o Exército. Procurou distribuir as tropas pela imensidão do território nacional e transferiu comandantes e líderes para lugares afastados. Promoveu uma política de valorização de outros grupos armados, como a Polícia e a Guarda Nacional, além de criar a Guarda Cívica e a Guarda Negra, formada por antigos escravos.

Em contrapartida, os republicanos espalharam o boato de que o governo pretendia acabar com o Exército. Não existia nenhuma evidência nesse sentido, mas o boato incendiou os quartéis. Na manhã de 15 de novembro de 1889, sob o comando do marechal Deodoro, tropas revoltadas saíram às ruas para derrubar o ministério de Ouro Preto. Os soldados teoricamente leais ao governo nada fizeram em sua defesa. Ao contrário, seu comandante, Floriano Peixoto, simplesmente disse que não poderia lutar conta brasileiros.

Após depor Ouro Preto, Deodoro se recolheu em sua casa, pois estava doente. Ao deixar o palácio, escutou um soldado gritar "Viva a República", respondeu: "Cale a boca, rapaz!". Deodoro pretendia esperar a volta do imperador ao Rio de Janeiro, para discutir com ele a situação. Dom Pedro 2º estava em Petrópolis, alheio a todos aqueles acontecimentos. Ao receber as notícias pelo telégrafo, voltou às pressas à corte, para tentar formar um novo ministério. Não houve tempo.

Proclamação da República
Entre a queda do ministro Ouro Preto e a volta de dom Pedro 2º ao Rio, enquanto republicanos e líderes militares se perguntavam o que fazer, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro decidiu proclamar a República por conta própria. A Câmara do Rio, evidentemente, não tinha nenhuma autoridade para falar em nome do Brasil, mas, naquele momento de confusão, seu pronunciamento foi seguido pelos republicanos, com o apoio armado do Exército.

Formou-se então um governo provisório, cuja chefia foi entregue ao marechal Deodoro da Fonseca. Informado de que dom Pedro 2º pretendia compor um novo ministério que teria como presidente um inimigo pessoal seu, o marechal aderiu à causa republicana, de que até aquele instante fora um simples instrumento.

Dom Pedro 2º rumo ao exílio
No dia seguinte, no Paço da Cidade, dom Pedro 2º foi notificado de que a monarquia já não era a forma de governo em vigor no Brasil. Como Ouro Preto, o imperador também estava deposto e intimado a deixar o país em 24 horas. O governo provisório tinha providenciado um navio para transportá-lo para o exílio, em Portugal. Dom Pedro 2º não se opôs, declarando aceitar a vontade da opinião pública nacional.

O navio partiu na madrugada de 17 de novembro. O horário foi escolhido para evitar manifestações populares favoráveis ao imperador. Um forte esquema de segurança foi montado na cidade para acompanhar a família imperial a bordo. Embora fosse improvável que o povo se levantasse para defender dom Pedro 2º, a República preferia não arriscar. Na verdade, o povo estava à margem dos acontecimentos, mas isso não impedia que manifestasse sua opinião, como nos versinhos abaixo, que circularam no Rio de Janeiro pouco depois do embarque do ex-soberano:

"Partiu dom Pedro Segundo
Para o reino de Lisboa.
Acabou a monarquia
E o Brasil ficou à toa."

A avaliação que o escritor Lima Barreto fez do episódio também merece ser transcrita:

"Uma rematada tolice que foi a tal república. No fundo, o que se deu em 15 de novembro foi a queda do Partido Liberal e a subida do Conservador, sobretudo da parte mais retrógrada dele, os escravocratas de quatro costados".
* Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.