27 de março de 2009

HISTORIA DA INQUISIÇÃO

Nadir Costa


Introdução

Poucos termos passaram ao uso comum com a opinião sinistra quanto enganosa como Inquisição, que se tornou sinônimo de hipocrisia, sadismo e fanatismo. Para o imaginário atual, a inquisição foi apenas um tribunal de padres mal intencionados que queimavam gente. Por outro lado, colocar semelhante reparaç1ao não significa restabelecer a Inquisição, mas retomar eventos significativos para a análise histórica, descartando as visões redutoras que podem seduzir os que buscam na história um espetáculo.
O primeiro problema é: como se formou a historiografia sobre a Inquisição? quem escreveu sobre ela? O que está por trás das posições assumidas? Quando a Europa burguesa emergiu dos escombros do universo feudal, apareceu toda uma literatura que pintou a Inquisição com as piores cores possíveis. Era natural, já que o Tribunal do Santo Ofício tinha sido uma estrutura sólida do Antigo regime. O certo é que a historiografia só se ocupou da Inquisição a partir do século XIX, embora já se tivesse escrito anteriormente sobre o tema
Atualmente, parece claro que os que escrevem sobre a Inquisição acabam, marcados pelas questões contemporâneas. Certos autores ,têm minimizado ao alcance da repressão inquisitorial terminam se colocando a serviço de forças que desmentem a imparcealidade alardeada. Admitir que imparcialidade é inviável não significa dizer que é impraticável contar a verdadeira história da Inquisição. Uma verdadeira história da Inquisição implica contemplar todas as variáveis possíveis e aceitar-se como uma história posicionada a partir de um determinado enfoque metodológico. Em seu tempo, a Inquisição cumpriu um papel político .
Antes de buscar exemplos historiográficos, é interessante referir um episódio ocorrido no Brasil, durante o governo Geisel (1974 079), apesar da censura, foi exibido, um filme de Giuliano Montaldo Intitulado Giordano Bruno. Tratava-se de um filme com importantes implicações políticas para os dias de hoje, embora a ação transcorra no séc .XVI. O vilão do filme é a Inquisição e o espectador medianamente informado e o pior informado saía desse filme com a imagem mais negativa possível da Igreja. O filme, involuntariamente , talvez tenha auxiliado os setores conservadores, dado o contexto brasileiro de então . Seguramente houve muita gente que restringiu-se a apreender os aspectos evidentes e deixou o cinema com sentimentos rancorosos para com a Inquisição e para com a Igreja - toda a Igreja , em qualquer lugar e época.
Dois livros serão analisados como exemplos de diferentes abordagens da Inquisição . No primeiro o enfoque político é ostensivamente assumida. No segundo ela é percebida sob a camuflagem fornecida por um discurso aparentemente neutro e imparcial. Trata-se respectivamente , de História da Inquisição , de Iossif Grigulevich ( Editorial Caminho, Lisboa), e A Inquisição , de Guy e Jean Testas (Difel, São Paulo).
Grigulevich , começa dizendo que, via história da Inquisição, deseja mostrar que a opressão e a intolerância são necessidades permanentes à dominação da classe. Historiador soviético formado na fase pré- Perestroika, Grigulevich está alinhado com uma visão marxista e, em função disso, associa a perseguição religiosa a heréticos do passado à perseguição religiosa aos comunistas da atualidade. O autor tece críticas contundentes à hierarquia da Vaticano em especial, face ao papel desempenhado pelo anticomunismo da cúria romana nos tempos da guerra fria.
O modo como Grigulevich e Guy e Jean Testas valorizam as bibliografias que atenuam ou agravam o papel da Inquisição é sintomático das forças que atuam por trás desses autores. Grigulevich compara os autores que buscam reabilitara Inquisição aos que se esforçaram por justificar e / ou minimizar o nazismo. Guy e Jean Testas adotam a postura cautelosa de evitar a condenação a priori da Inquisição. Grigulevich denuncia a aparente imparcialidade como mero sofisma, registrando as arbitrariedades da Inquisição para reforçar a credibilidade da posição adotada, quando atenua os males que ela causou. Ele cita o caso do abade francês Vacandard, que em sua história crítica da Inquisição declara que as responsabilidades daquele tribunal e da Igreja em geral não pode ser minimizadas, mas acentua que os meios empregados foram concordes com os tempos e eficazes para defender o catolicismo.
Guy e Jean Testas atenuam as condições carcerárias das vítimas da Inquisição , apoiado-se em Miguel de la Pinta Liorente ,que também utilizam paracontra-argumentar na questão de quantos a Inquisição matou na fogueira. Para Grigulevich, Miguel de la Pinta Liorente é apenas um apologista do tribunal, não sendo, pois uma fonte confiável ele critica também Vicente Palácio Atard, por Ter colocado a Inquisição acima do bem e do mal ao por seus defeitos na conta da falibilidade humana, e o americano William Thomas Walsh, tido como mero advogado da Inquisição
Juan Antonio Liorente, ex-secretário da Inquisição espanhola e tendo acesso a documentos, escreveu sua história crítica da Inquisição na Espanha, o texto prova, segundo Grigulevich , as atrocidades da Inquisição naquele país. A obra data de 1817. Em 1888 , o americano Henry Charles Le a escreveu história da Inquisição na Idade Média, outro texto enaltecido por Grigulevich pela riqueza das fontes utilizadas e por ser um severo golpe nos paladinos da Inquisição .
Guy e Jean Testas suspeitam dos números de Juan Antonio Liorente acerca de quantas foram as vítimas da Inquisição espanhola. Grigulevich observa que Liorente fornece algarismos gerais pela falta de documentação mais detalhada, ele é da opinião de que nem os dados mais completos mais completos poderiam dar a verdadeira dimensão da opressão e da crueldade representadas pela Inquisição na história européia .
Guy e Jean Testas destacam que a Inquisição espanhola fez menos vítimas que às caças às bruxas na Alemanha ou na Inglaterra ou que o terror na Revolução Francesa. Os dois autores falam em situar a Inquisição em sua época para minimizar o alcance do que ela fez, mas esquecem completamente o contexto histórico da Revolução Francesa para ficar apenas com os números do terror, mesmo que ambos tenham tido em comum o conteúdo da irracionalidade e o caráter de espetáculo. A Inquisição precisou do terror para evitar as transformações e o aplicou de um modo calculada e deliberadamente mais organizado e violento do que a Revolução Francesa.
As divergências entre Grigulevich e Guy e Jean Testas são muitas. Grigulevich , arrola argumentos para mostrar como a Inquisição paralisou a evolução do pensamento da Espanha, Guy Jean Testas defendem que aquela foi a fase áurea da literatura espanhola( Lope de Veja, Cervantes, Calderón de la Barca ), Transcrevem Menéndez y Pelayo para mostrar que na Espanha da Inquisição, floresceram o ensino e a pesquisa e que os textos de Copérnico, Campanella, Bruno, Galileu, Espinoza e Newton nunca foram proibidos. Grigulevich, afirma que Menéndez y Pelayo era apologista da Inquisição.
Sem deixarem de reconhecer os suplícios impostos pela Inquisição, os dois autores observam, que o estabelecimento daquele tribunal foi produto de uma longa evolução que teve de se dobrar a numerosos imperativos .Grigulevich, vendo a Inquisição como instrumento repressivo de um sistema de poder, dentro de uma formação econômico-social feudal, não admite separar responsabilidades eclesiástica e políticas naquele contexto.
Guy e Jean Testas destacam o papel que o papa Honório III deu aos dominicanos no exercício da tarefa inquisitorial, frisam que os dominicanos e também os franciscanos, “estavam preparados para esta tarefa e poderiam associar à sua ação à prédica, a fim de despertar os arrependimento e a devoção”. Intencionalmente, os autores mencionam ocasiões em que os dominicanos foram assassinados no exercício de suas funções. Grigulevich, prefere esmiuçar a repressão inquisitorial, e destaca os santos da Igreja que pregaram o extermínio físico dos hereges: S. João, S. Pedro, S. Agostinho, S. Bernado – Assunto que Guy e Jean Testas não tocam. Grigulevich, citando Bertrand Russell, qualifica-o de fanático desalmado.
Grigulevich diz que a Inquisição surgiu para combater a heresia enquanto ameaça à dominação vigente, Guy e Jean Testas dizem que ela nasceu para enfrentar “os perigos que ameaçavam a Igreja e para extirpar um “mal tão profundo” que “roía a Cristandade”. Grigulevich dizia que a heresia foi a resposta ao verdadeiro mal, um sistema social injusto e opressor que se juntava a uma hierarquia eclesiástica onipotente e venal. Guy e Jean Testas mostram os albigenses como Heréticos agitadores. Grigulevich os vê como seita dissidente e contestatória.
Guy e Jean Testas dizem que S. Domingos lutou para evangelizar o Languedoc, “vivendo na miséria”. Grigulevich afirma que ele buscou, astuciosamente, adotar uma estratégia de mimetismo na região. Guy e Jean Testas entendem a crueldade inquisitorial como abuso eventual e produto de circunstâncias específicas e singulares, para eles, a Inquisição nasceu para combater os desvios da fé católica; Grigulevich vê no mesmo fato, um exercício sádico de um suposto direito de reprimir, reforçado pela impunidade e marcado pela arbitrariedade indiscriminada. .
Ao se referirem ao IV Concílio da Latrão (1215), Guy e Jean Testas dizem que ele resultou do fato de o papa Inocêncio III ter ficado horrorizado com os abusos na repressão as albigenses. Na visão de Grigulevich, temos um indivíduo repressor, ávido de poder e intolerante. O mesmo Concílio é analisado minuciosamente como a institucionalização da arbitrariedade e da repressão.Guy e Jean Testas observam que com a expulsão dos judeus da Espanha, eles foram para Portugal, criando um problema demográfico para o país adotivo, pelo que o rei D. João II limitou a 600 o número de famílias que poderiam entrar. Acrescentamos dois autores que o fanatismo dos católicos portugueses produziu tamanho massacre de judeus em Lisboa. A conclusão de que foi bom implantara Inquisição em Portugal, pois isto impediu que se repetissem as nefastas manifestações de histeria coletiva antijudaica.
Grigulevich diz que D. João II permitiu que os judeus ficassem em Portugal porque eles pagavam oito cruzados de ouro por cabeça para ter esse direito, dinheiro que o rei usava para custear suas guerras na África. E Grigulevich apresenta ainda razões completamente diferentes para explicara posterior instalação da Inquisição por D. João II : ela não se destinaria a solucionar o problema do incontrolável fanatismo popular, mas seria uma concessão às pressões da Espanha.
Guy e Jean Testas , ao concluírem sua análise da Inquisição espanhola, duvidam de que ela tenha favorecido a disseminação da covardia, naquele país, pois a Espanha, dizem , produziu Cortez, Pizarro, S. Tereza de Ávila e Cervantes.
Os dois referidos autores insistem de que a Inquisição poupou à Espanha os horrores das guerras religiosas.
Ao longo dessa breve comparação entre diferentes modos de enfocar a Inquisição, tornou-se claro que Grigulevich parte para uma visão teórica que faz com que o célebre tribunal seja visto dentro do contexto de conflitos sociais e políticos da época. Guy e Jean Testas usam o contexto como desculpa para o que consideram desvios das finalidades originais da Inquisição. Grigulevich, por sua parte, como foi visto, não separa as responsabilidades da Inquisição e as da Igreja, visto que asa considera componentes orgânicos de um mesmo sistema de poder e dominação.
Entendido assim, o comportamento da Inquisição foi necessário aos interesses globais a que serviu.
Guy e Jean Testas assumem uma postura ostensiva de neutralidade, encontram motivos para atenuar a violência inquisitorial, sem deixar de reconhecê-la. Por quererem ver a Inquisição historicamente, concluem que devem interpreta-la com os olhos da época em que existiu, eles dizem que a Inquisição é produto do contexto histórico, mas analisam , valendo-se de uma generalização que oculta os interesses de classe nos quais se inscreveu a atuação inquisitorial. Não é função do historiador meramente reproduzir o modo como o passado se viu a si próprio, mas detectar, por trás dos fatos e discursos, os conflitos sociais em jogo e construir, tão objetivamente quanto possível, um conhecimento adequado de uma determinada situação. Guy e Jean Testas invocam uma história, mas se afastam daquilo que ela tem de concreto
Eles dizem que a Inquisição surgiu para combater uma heresia, e aceitam o termo sem discuti-lo. Não buscam a motivação social do que rotulam como heresia., teriam de partir de uma linha de análise diferente , aquela que os levaria a se posicionar perante o problema da Inquisição e então passariam a percebê-la como parte integrante de um sistema de poder teocrático-feudal e instrumento necessário de dominação. Guy e Jean Testas terminam aderindo a uma bibliografia conservadora e simpática à Inquisição, num esforço de combater os que a condenam. O problema dos dois autores é que desembocam no beco-sem-saída de uma alternativa intelectual anódina, do que resultou um livro utilizável em nível de resumo informativo, mas que em nada auxilia o desenvolvimento de uma consci6encia crítica.
Fica evidente que este trabalho adotará uma linha de análise análoga à de Grigulevich, ou seja um a interpretação à esquerda, tentando contemplar as múltiplas peculiaridades daquele tribunal, que também fascina por certas incoerências e contradições que marcam sua história. A bibliografia utilizada é eclética e, como opção crítica pretende descartar tanto a neutralidade enganosa quanto o dogmatismo estéril. O resultado final do corte histórico será uma breve síntese.


Inquisição e heresia

A origens da inquisição estão ligadas ao momento histórico em que a Igreja se tornou poder e parte de um sistema institucionalizado de dominação feudal. A Igreja foi solidificando sua supremacia, impondo a unidade ritual e buscando unir, nem todo homogêneo, as diversidades religiosas locais.

A questão da arte

O estudo da arte no período oferece interessantes recursos a tais reflexões. A imposição do canto gregoriano foi parte da estratégia de unificação ritual. O estilo romântico expressou a disciplina rigorosa ,cujos ideais de vida penetravam a sociedade civil e cujas atividades assumiram importantes papel após a desunião do Império Romano. O cristianismo prospera-se no início entre os pobres, fornecendo conforto espiritual e diminuindo a desilusão diante do fracasso das revoluções sociais. À medida que a Igreja se tornou poder, ela se afastou de suas origens e se identificou com o universo feudal. O sacerdote passou a rezar a missa de costas para o fiéis, o altar ficou mais distante, as cerimônias adquiriram maior solenidade.
No imaginário social, a figura do sacerdote adquiriu respeitabilidade em relação diretamente proporcional à aura de mistério que passou a cercar a sua atividade, exercida num palco destinado a funcionar como réplica visível do paraíso invisível, espaço sagrado - o altar. O gótico valorizou ao máximo o altar, tornando-o mais distante e elevado possível. O latim, língua do saber e do sagrado, passou a ser visto como modo do sacerdote se comunicar com a divindade como só ele sabia o latim, isto lhe conferiu importante exclusividade e o conjunto dos rituais se tornou aparato de poder.
A esse poder se ligou a uma concepção do mundo. Numa sociedade feudal que limitava as possibilidade de escolhas sociais, armada de uma doutrina a Igreja enrijeceu suas posições para defender a dominação, e a doutrina iliminou a possibilidade de escolhas espirituais. Transformando-se em norma, a doutrina fez da escolha uma transgressão. Colocada acima da vontade individual, a doutrina não poderia conviver com a escolha.

O desafio das heresias

A palavra heresia significa ,escolher, preferir. Ao longo de todo o período em que a Igreja exerceu sua dominação, a palavra adquiriu um sentido polissêmico , múltiplo ,tudo o que contrariava o pensamento eclesiástico passou a levar esse rótulo. No período medieval, os protestos contra as injustiças da ordem vigente vieram muitas vezes revestidos do discurso de contestação religiosa. O fato de o papa Gregório IX Ter proibido a leitura da Bíblia aos fiéis é uma dado sintomático – livremente lida, sem a cobertura da Igreja, ela a poderia Ter uma interpretação subversiva e, portanto herética. As heresias religiosas representaram o nascimento das primeiras e importantes minorias dissidentes no Ocidente europeu.
Posteriormente, quando a repressão às heresias se organizou em tribunais inquisitoriais, a Igreja pôde, ideologicamente, apropriar-se dos primeiros escritos cristãos para justificar as suas atitudes. No evangelho de S. João, Cristo disse que aquilo que não permanecesse nele ser ai arremessado fora e lançado ao fogo para arder. S. Agostinho afirma que a Bíblia recomenda o castigo da esposa infiel, tanto mais justo é castigar o que renega a Igreja. Os hereges matam a alma dos homens, as autoridades matam apenas os corpos. S. Jerônimo, argumentou que nem os maiores excesso deveriam ser considerados crueldade se fossem para a defesa de Deus e só pela morte poderia o pecador atingira salvação espiritual. A visão dos vencidos na disputa pela definição do dogma, dos derrotados na guerra teológica ocorrida numa época que as verdades da Igreja ainda não tinha se cristalizado.
As primeiras heresias importantes surgiram no Oriente região onde a demanda religiosas multiplicavam-se rapidamente . Constantino iniciou a tradição da intervenções do Estado na Igreja, herdada depois do Império Bizantino. Entre os primeiros heréticos estão os gnósticos; que pretendiam a união do cristianismo cm seitas místicas de origem helênica; os montanistas ; que defendiam as tradições ascéticas e igualitárias dos primeiros cristãos, os donatistas; que defendiam um novo batizado para os apóstatas, os arianos; que diziam se Cristo semelhante mas não igual a Deus, os nestorianos; que afirmavam Ter o filho de Deus se unido a um homem comum, Jesus e os pelagianos; que afirmavam poderem os crentes se salvar, prescindindo da Igreja.
A partir de determinado momento, a oposição ao feudalismo e à Igreja confluíram inevitavelmente para desencadear as heresias. O discurso herético contra a opressão e a corrupção da Igreja fortaleceu-se ao incluir a pregação moralizadora. Para os hereges , a opressão da Igreja se reforçava com a abjeção e a hipocrisia do alto clero. Transformar a heresia simplesmente num insulto à fé foi a maneira mais fácil e conveniente de colocá-la à margem da sociedade e legitimar a repressão. As heresias não nasceram por oposição à Igreja, mas dentro da religião.
Tal com S. Domingos, que, revestido da pobreza e da humildade dos Evangelhos, procurou atrair uma população seduzida pela pregação albigense, de modo a fazê-la retornará obediência ao Vaticano. A Igreja não poderia simplesmente condenar todos os movimentos que na Baixa Idade Média, clamaram por uma religião voltada ao povo e reformada em seus costumes. Aceitou aqueles que poderia aceitar e os utilizou com antídoto para sua defesa.
Percebe-se como eram de pouca importância reformar a Igreja por dentro querer mudar-lhes os costumes sem romper com ela, e rebela-se abertamente contra a estrutura teológico-feudal. Por outro lado, é compreensível o motivo que fez o papado a incentivar as cruzadas para reaver a Terra Santa. Elas foram uma forma de o Vaticano propagandear o seu papel unificador da cristandade, canalizar as revoltas e a solução de problemas sociais para a guerra contra os turcos. E ao mesmo Tempo,eram alimento à belicosidade feudal.

As principais heresias

As heresias surgiram em várias regiões, e, uma das primeiras foi a dos valdenses, criada por Pedro de Vaux; sua doutrina exigia o retorna à pobreza evangélica, negava o purgatório e o papel dos sacerdotes como mediadores entre Deus e os homens, exigia a tradução da Bíblia e condenava as indulgências, eles foram condenados pelos concílios de Verona e de Toulouse, pelos papas Lúcio III, Inocêncio III e Bento XII até por reis, como Francisco I da França. Apesar de tudo os valdenses conseguiram sobreviver. Livres da perseguições desde 1848,ainda subsistem em certas regiões da Itália.
Nessa mesma época, disseminou-se a famosa peste negra que se alastrou-se rápida, produzindo perplexidade, desespero, desolação, devastação, crise econômica e vazios demográficos. Esta peste atacou mais os pobres do que os ricos, embora até reis, como Afonso XI, de Castela. A peste negra foi um flagelo sem resposta.
A primeira importante heresia do séc. XIV foi a dos dolcinistas seguiam a mesma doutrina dos apostólicos de Sagarelli, clamavam pelo à pureza do cristianismo primitivo, defendiam a pobreza e a castidade, recusavam a hierarquia eclesiástica. Foram cruelmente perseguidos pelo papa Clemente V. Um caso de heresia que foi até o extremo na crítica à moral da Igreja de Avignin foi a dos irmãos do Livre Espírito, divulgada por Margarida Porete, Jeanne Dabenton, Katrei e Bloemardine. Defendiam o confisco dos bens, a promiscuidade e o nudismo e afirmavam que não ter bens era não ter pecado. A seita foi perseguida pela Igreja, a partir de1372.
Com o aparecimento dos albigenses, a situação se alterou, já que os bispos locais se revelaram impotentes para combatê-lo, o que chamou atenção do Vaticano. Em geral afirma-se que a Inquisição foi criada pela necessidade de lutar contra os albigenses que se alastravam pela Europa. A heresia se dessiminou na mesma época em que o papado assumiu o caráter de monarquia absoluta, a primeira da Europa e munida de uma ideologia transnacional.
Quando a Igreja definiu o seu perfil de Estado centralizado que surgiu a Inquisição – foi a centralização da justiça religiosa como decorrência da centralização do poder do papa.
Os cátaros ou albigenses, obtiveram apoio em diversos setores da sociedade, a massa popular e nobres. originários do sul da França , sofriam influências doutrinárias orientais, diziam-se perfeitos e crentes, os crentes tinha direito de Ter prosperidade e família. A doutrina deles baseava-se no maniqueísmo absoluto e exigia a integral aplicação do Sermão da Montanha. Afirmavam a existência de uma luta permanente entre o bem e o mal, identificavam como mal tudo o que se relacionava com o copo como o casamento e o prazer matrimonial. O corpo para eles era uma prisão da alma; clamavam pela castidade e repeliam a autoridade do papa, o culto de imagens e os sacramentos; condenavam a riqueza.
A cruzada contra os albigenses foi pregada pelo papa Inocêncio III, ele enviou emissários autorizados a organizar a repressão à heresia com i uma instrução de usar a espada de ferro caso falhasse a espada espiritual da excomunhão.. Por Ter excomungado o conde Raimundo VI de Toulouse, Pedro de Castelnau acabou assassinado . A resposta do papa foi fulminante: exortou à formação de uma cruzada contra a heresia, desligou a população do juramento de fidelidade ao conde, confiscou suas terras e afirmou que os hereges deveriam ser tratados sem piedade. O resultado foi um exército de mercenários, comandados por Simon de Montfort que atacou o Languedoc e Raimundo VI perante a Igreja.
Arnoldo Amalric, declarou que caberia a Deus distinguir, dentre as vítimas, os que eram católicos e os que eram hereges . Os conde de Toulouse perderam seus bens.
Em 12l2, reuniu-se o IV Concílio de Latrão, que aprovou um decreto contra as heresias, que veio a servir de base jurídica para o estabelecimento da Inquisição, o decreto desligava os vassalos da obediência aos senhores vacilantes em seu zelo católico, proibia o conforto espiritual a suspeitos de heresia , ordenava o confisco dos bens dos heréticos e os entregava às autoridades competentes para sofrerem o castigo merecido. No ano seguinte ao Concílio , instituiu-se a ordem da medicante dos pregadores de S. Domingos. Eles aceitaram fazer um jogo de palavras com seu nome, pretendiam não só pregar a fé católica mas também morder em sua defesa. Atuaram igualmente nas nascentes universidades e viriam a ser os futuros inquisidores.
Na mesma ocasião, o imperador do Sacro-Império , Frederico II, também decidiu pactuar com a Igreja: duas vezes excomungado pelo papa Gregório IX, tido como cético e autor de um panfleto anti-religioso, Frederico II estabeleceu a pena de morte na fogueira para os hereges e aliou-se a Luiz IX na defesa do catolicismo. Amadurecia, pois aos poucos a idéias de um tribunal organizado no combate às dissidências religiosas.. Em 1231, reafirmando a excomunhão dos hereges, o papa Gregório IX promulgou um édito. No mesmo ano, o governador de Roma em nome do papa, Annibale, designou inquisidores especiais para perseguir e julgar os inimigos da fé da cidade.
Em 1252, uma bula do papa Inocêncio IV completou o processo de institucionalização da Inquisição como tribunal. Nas dioceses seriam criadas comissões especiais para combater a heresia, incluindo inquisidores nomeados pelo papa, doze fiéis insuspeitos, o bispo local, dois notários e outro funcionários menores. A tortura aplicada não só aos acusados, mas também aos que acobertassem. As populações da aldeias e cidades seriam responsabilizadas caso não cooperassem.
Em Milão, o inquisidor enviado pelo papa, Pedro de Verona, foi morto devido à crueldade implacável das perseguições que empreendeu, o que não impediu que ele viesse a ser santificado. Parma se revoltou contra os dominicanos inquisidores que levaram à fogueira duas mulheres da nobreza, a Igreja não afrouxou a perseguição. A igreja multiplicava os esforços para disciplinar e uniformizar as regras do processo inquisitorial, o que pode ser exemplificado nos concílios de Narbonne e Béziers, e no manual escrito por Bernado Gui.

O processo inquisitorial

Um processo inquisitorial era longo, tortuoso, complicado; convidava-se o herege ou quem tivesse cometido um crime correlato a arrepender-se num prazo que variava de quinze dias a um mêses, sujeito a pequenas punições. Findo o prazo e não havendo o arrependimento, vinham a excomunhão que podia ser provisória ou definitiva, a prisão e o interrogatório.
A norma comum para iniciar um processo inquisitorial era o culpado se apresentar espontaneamente ou ser preso em virtude de denúncia. O anonimato do denunciante era preservado. Para condenação, exigiam-se no mínimo, duas testemunhas. Entretanto, o ideal era a confissão de culpa. A tortura como parte do processo inquisitorial foi regulamentada pelos papas Inocêncio IV , Alexandre IV e Clemente V. E preciso lembrar que a tortura era parte integrante de qualquer processo judiciário no período
A Igreja fez da punição da heresia um ritual destinado a exibir a majestade do seu poder ou a magnitude da sua piedade. A cerimônia pública. O auto-de-fé ocorria geralmente aos domingos. A peregrinação tinha que ser iniciada no prazo de três meses após a condenação e os sentenciados precisavam comprovar que a tinham realizado. Quanto `destruição das casas dos hereges, a inquisição preferia destruir seus locais de reunião. Os condenados à morte e à prisão tinham os bens automaticamente confiscados. A pena mais grave era a morte.

Santo Tomás de Aquino, teólogo da Inquisição

Com respeito à heresia, as punições de S. Tomás foram claras: uma vez aceita a Igreja por uma livre decisão do católico, este perdia o direito de contestá-la ou abandona-la. Segundo S. Tomás, se um herege persiste no erro, apesar das exortações religiosas, deve ser excomungado , privado da vida eterna, morto e privado da vida eterna. S, Tomás explicou por que Deus permitia o surgimento das heresias da seguinte maneira: a existência do mal é uma necessidade para se poder distinguir o bem, sendo que a extirpação do mal reforça o bem. Ainda segundo S. Tomás, era justa a execução do herege relapso, pois comprovando não ser constante em sua fé constante, ele poderia, no convívio com outros cristãos, infectá-los som sua heresia.
Defendendo a punição, mostrando a necessidade de intolerância e explicando o pecado, S. Tomás de A quino foi não apenas o mais completo ideólogo da Inquisição que se institucionalizava como também o pensador que melhor formulou as justificativas intelectuais de um Estado Teocrático- absolutista que então se estruturava e buscava firmar a sua autoridade centralizadora numa Europa repartida em feudos rivais e com monarcas politicamente quase impotentes.
Inquisição é um termo que na língua portuguesa, é usado comumente como: maldade, fanatismo, violência, obscurantismo e ignorância. para pessoas um pouco mais informadas, a Inquisição foi um tribunal de padres violentos e mal intencionados, criado na Espanha com o objetivo de defender o catolicismo.
Estas concepções não deixam de se justificar até certo ponto que esta instituição católica aplicou métodos que hoje repugnam à consciência de pessoas civilizadas.
Historicamente, a Inquisição não pode ser vista de forma tão simplificada e unilateral . mesmo não pretendendo reabilitar uma instituição que foi precursora de órgãos largamente adotados pelos Estados totalitários modernos, é preciso descartar as visões reducionistas e simplistas, aprofundando o tema.


LOPEZ,Luis Roberto – História da Inquisição. Porto Alegre. Mercado Aberto,1993.

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