Para pregar o bem, cristãos convenciam seu rebanho da existência do mal: o demônio estava solto e a mulher era perigosa
Carlos Roberto Figueiredo Nogueira O cristianismo surgiu com a proposta de ser uma religião universal, mas o mundo tinha particularidades, sobretudo religiosas. Para levar a Boa-Nova a todos os homens, os cristãos precisavam se impor sobre seus oponentes. Assim foi construída a Igreja, primeiro apartando-se do judaísmo, o mais incômodo adversário pela inquietante proximidade. Eliminados os judeus – “assassinos de Cristo” –, os heterodoxos foram os seguintes a ser calados ou perseguidos.
Ao longo do período medieval, a Igreja era atormentada pelas seitas de “adoradores do diabo”, e por isso as perseguiu. Com rigor cada vez maior, chegou à caça às bruxas da Europa moderna: a combinação trágica e eficaz entre a alteridade e a erudição.
A construção de uma mitologia satânica implicou um monumental esforço de reconhecimento do demônio, de suas formas e possibilidades de atuação. Também era preciso identificar seus agentes, ou seja, aqueles que, embora inseridos no rebanho dos fiéis, tramavam secretamente para a sua perdição. Entre estes estava a mulher. Teólogos e eruditos medievais a converteram em bruxa, o suprassumo da traição e da maldade, o veículo preferencial de toda a malignidade de Satã – enfim, o feminino em toda a sua tragicidade.
A doutrina cristã apresentava como razão para a submissão feminina a própria Criação: se o homem não foi criado pela mulher, ela estava numa posição automaticamente submissa. E ela também era a introdutora do pecado responsável pela condenação dos homens aos tormentos deste e do outro mundo, tornando-se a vítima e, ao mesmo tempo, a parceira consciente do diabo. De presa preferencial do demônio, Eva – a primeira mulher – foi convertida em seu lugar-tenente. (...)
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