No apogeu da civilização grega os rituais de feitiçaria desafiavam o poder da lógica e da razão dominates
Quem podia imaginar que os gregos, defensores da idéia de democracia, do debate e do direito ao voto eram praticantes da magia para fazer mal ao inimigo. No livro Os Trabalhos e os Dias, o poeta do séc. VIII a.C., Hesíodo, recomenda que "se alguém começar tanto dizendo quanto fazendo algo indelicado, esteja certo de pagar-lhe a ofensa duas vezes mais", ou seja, para os gregos devemos ajudar os amigos e prejudicar duas vezes mais o inimigo. A vingança entre os helenos tinha um valor positivo e deveria ser buscada por aqueles que se considerassem lesados por alguém. Logo, era lícito retribuir uma ingratidão ou desrespeito, pois, nessa sociedade, temia-se a vergonha da ofensa que atingia a honra e acarretava a desqualificação moral do indivíduo diante dos demais integrantes da comunidade à qual pertencia.
Entretanto, na impossibilidade de revidar uma ofensa o grego usava das práticas da magia. O pesquisador Louis Gernet, especialista em direito grego, afirmava que a magia deve ser considerada como uma das formas mais antigas de fazer valer o direito individual. Toda sociedade, qualquer que seja a sua complexidade, necessita de dispositivos legais para fixar normas, regras e fazê-las obedecidas pelos seus integrantes. A comunidade grega visando a paz, harmonia e solidariedade aciona os dispositivos estratégicos de manutenção da ordem, forçando o cidadão lesado a não fazer uso da vingança individual, incentivando-o a trazer a sua indignação ou ofensa para o espaço público do debate no tribunal.
Mesmo com todo esforço civilizatório, a Pólis não poderia interferir em todos os campos da vida do cidadão. Em conflitos amorosos, por exemplo, o Estado se vê de mãos atadas, pois não pode punir ninguém sem uma acusação formal. A situação das mulheres é emblemática já que a feitiçaria muitas vezes era um dos únicos meios de se fazer temida e até respeitada. Ou seja: a magia era a tentativa dos desvalidos (mas não só) de fazerem valer sua vontade por meios subreptícios.
A documentação textual produzida desde Homero até Tucídides nos aponta para a existência de práticas mágicas que integravam as cerimônias religiosas e públicas. Os rituais de magia praticados pelos gregos nas cerimônias beneficiavam toda a comunidade visando atender aos que estavam doentes, aqueles em perigo ou diante de qualquer necessidade. Havia rituais mágicos públicos para fazer chover a fim de se ter uma boa colheita, ritos para a fertilidade dos animais, para o nascimento de crianças saudáveis do sexo masculino e ritual de cura de doenças realizados no Templo do deus Asklepio. O fenômeno aponta para o estabelecimento da relação culto/benefícios concretizados, por meio das oferendas votivas aos deuses e seres sobrenaturais tais como lume, incenso, flores, doces, grãos de trigo e cevada, água e mel. Podemos afirmar que algumas destas práticas de doação às divindades em troca de algum benefício na verdade sobrevivem até os dias atuais como o ato de acender velas nos templos e na forma de contribuição monetária e doações.
"Anteriormente, quando A RELIGIÃO ERA FORTE e a CIÊNCIA FRACA, os homens confundiam MÁGICA COM MEDICINA; agora, quando a CIÊNCIA É FORTE E A RELIGIÃO FRACA, os homens confundem a MEDICINA COM MÁGICA."
Thomas Szasz, psiquiatra húngaro e divulgador científico
A MAGIA VEM DO ORIENTE
Em relação à palavra magia, Heródoto, considerado o pai a história, menciona que o termo estaria relacionado à palavra magos ou magus, definido como indivíduo pertencente à tribo dos medos, antiga tribo dominada pelos persas. O historiador se refere aos magos como feiticeiros que integravam seitas secretas e prestavam serviços aos reis. A função dos magos foi relembrada pelo poeta Ésquilo ao trazer a memória dos atenienses, na tragédia Os Persas de 472 a.C., o domínio dos medos nas práticas mágicas de contatos com seres sobrenaturais através do ritual de psychagogos/evocação dos mortos. No drama, o poeta constrói a trama na qual Atossa, a rainha persa, necessitava dos conselhos do marido que havia sido morto em batalha. A rainha busca auxílio junto aos sacerdotes, solicitando que eles evocassem a alma do rei Dario através de rituais mágicos. Tal fato deixa transparecer que cabia aos magos estabelecer contato com os seres sobrenaturais, executar sacrifícios aos deuses, realizar rituais fúnebres, além de interpretar sonhos e presságios.
ESCRITOS DO MAL
Os Katadesmos ou defixiones eram tabletes de chumbo ou argila amaldiçoados, que visavam evocar o poder dos deuses subterrâneos contra uma pessoa particular ou um grupo ligado de alguma forma. Porém as motivações podiam variar de destruir as atividades profissionais, obstruir um julgamento na justiça, romper um relacionamento indesejado a até evocar a morte ou paralisia. Muitas vezes, os nomes das entidades evocadas não aparecem nas figuras o que indica que eram evocados em um pequeno ritual oral. Um tablete encontrado no séc. I d.C., já no período romano, perto da cidade grega de Micenas, agradece os deuses pela vingança obtida com o seguinte texto:
A vingança de Hefesto foi derramada. Primeiro Hecate prejudica os pertences de Megara em todas as coisas, e depois Perséfone relata aos deuses. Todas essas coisas já o são.
Abaixo alguns defixiones e seus textos amaldiçoados.*
Maldição contra os processos
Maldição contra um grupo de homens que atuam no pequeno comércio de varejo, vendas localizadas na Ágora envolvendo alguns indivíduos de atividades comercial e juízes.
Lítias, enterro/prendo a Hermes Retentor e a Perséfones a língua de Litias, as mãos de Litias, a alma de Lítias Lítias, os pés de Litias,o corpo de Lítias, a cabeça de Litias. Nícias, enterro/prendo as mãos do areopagita a Hermes Retentor, os pés, a língua, o corpo de Nicias.
Contra o ofício
Tablete encontrado perto da Ágora, no antigo distrito industrial de Atenas. A praga envolve um ferreiro, seus socios e negócios.
Enterro/prendo Arista.... o ferreiro Para baixo e Pirrían o ferreiro E as atividades deles e as almas Deles e Sósias de Lámias E a atividade e a alma dele E Hegésia sempre e sempre E Hegésia a Beócia.
O mais interessante nesta história é que cinqüenta anos depois, Eurípides nos apresenta a protagonista Medéia, cujo nome acreditamos derivar da palavra medos. Na tragédia Medéia, o poeta coloca a protagonista como mulher de feroz caráter e hedionda natureza por usar de seus conhecimentos mágicos no uso das ervas, acrescido do uso de encantamentos, para fazer valer a sua vontade de efetivar a vingança contra os seus inimigos. Medéia pertence a uma linhagem de deuses e magos, a saber: neta do deus Hélios, sobrinha da feiticeira Circe e sacerdotisa de deusa Hécate - senhora dos mortos.
Magos e sacerdotes por vezes se confundem nas suas funções, pois ambos realizam rituais de contato dos homens com os deuses e seres sobrenaturais; a diferença está no tipo de ritual a ser praticado, ou seja, o rito podia ser público visando benefícios coletivos ou praticados de maneira oculta e secreta visando atender o interesse individual.
MULHERES E O SABER OCULTO
O nosso conhecimento sobre as práticas da magia de fazer mal ao inimigo, realizada entre os atenienses no período clássico, provém do poeta Eurípides com a tragédia Medéia, de texto de oradores áticos como Andocides, Demóstenes, Hipérides e do filósofo Platão na obra Leis. No período do processo de helenização promovida por Alexandre da Macedônia indicamos o escritor Th eocrito com a sua poesia Mágica na qual a protagonista Samanta executa rituais mágicos para trazer de volta o seu amado.
AMARRAÇÃO PARA O AMOR Os gregos e praticantes da magia envolvidos num triângulo amoroso acreditavam que o philtroi katadesmoi - katadesmo amoroso - eram encantamentos eficazes para fazer alguém ficar apaixonado ou trazer de volta uma paixão.
O interessante dessa documentação está no fato de apontarem as mulheres como as especialistas nas atividades mágicas. Alguns pesquisadores, como Madeleine Jost, consideram o domínio das ervas e raízes como atributo que pertence ao universo feminino devido à proximidade das mulheres na elaboração de alimentos. A historiadora tem por suporte de informação a documentação proveniente da poesia épica, clássica e helenística que coloca as mulheres míticas como Circe, Calipso, Medéia e Samantha como especialistas e detentoras de domínio no saber usar as ervas como veneno ou remédio.
O discurso dos oradores áticos apresenta fatos interessantes ao narrar os processos judiciais impetrados nos tribunais de Atenas, cujas vitimas geralmente eram as belas e jovens cortesãs, as hetairai, cobiçadas mulheres estrangeiras que atuavam como sacerdotisas de cultos a divindades estrangeiras e prestavam serviços sexuais de alto preço aos cidadãos de recursos em Atenas. Mulheres como Frinea da região de Th espis, Nino, Th eoris de Lemnos configuram-se como profundas conhecedoras da arte da magia para fazer mal ao inimigo e do preparo de poções amorosas. Conhecidas como hetairas, cuja tradução é companheiras, foram acusadas de impiedade pelo fato de receitarem infusões, banhos de ervas e ungüentos contraceptivos, além de poções para atrair o amado. Os acusadores, em geral, eram homens, seus clientes que foram vítimas de algum erro na dosagem, o que acarretou em danos à saúde de alguns como a impotência sexual e deve ter causado a morte de outros.
INJUSTIÇADOS E CHARLATÕES
Entretanto não podemos afirmar serem as mulheres estrangeiras as únicas detentoras dos conhecimentos mágicos de fazer mal ao inimigo, pois Platão deixa transparecer na obra A República a existência de homens que circulavam em Atenas, identificados como goetes, charlatões, que colocavam à disposição, por um alto preço, seus serviços mágicos a quem pudesse pagar. Estes consistiam em evocar e persuadir os deuses e seres sobrenaturais a atenderem as solicitações dos interessados em prejudicar seus inimigos, adversários e concorrentes.
Todo aquele cidadão de Atenas envolvido numa situação de desordem pessoal e movido por um acentuado sentimento de raiva, ódio e rancor tinha diante de si duas situações para recorrer às práticas mágicas ilegais: de um lado podia sentir-se lesado, prejudicado pelo seu oponente que parecia usar da lei do mais forte para tornar inoperante a sua atividade e seus negócios; nesse caso, de forma preventiva, o solicitante fazia uso da magia para trazer o prejuízo ao inimigo e assegurar a sua vitória sobre o adversário. Uma outra situação que envolvia o solicitante e usuário da magia estava no fato de ele ser acometido pelo sentimento de inveja chamada de phtonos e despeito diante da sua incapacidade de sucesso e decide de forma ofensiva impor a ruína aos adversários através de práticas mágicas.
Os mundos da feitiçaria
A Grécia ficou conhecida como berço da razão e da cultura ocidental. Mas os vestígios deixados pela magia nos mostram os bastidores desse mundo injusto permeado pelo desejo de vingança. Os deuses evocados pelos rituais mágicos eram em geral Ctônicos, entidades muito antigas ligadas à terra e habitantes do submundo associado à idéia de vingança e justiça, em contraste com a ordem imposta dos céus pelos deuses olímpicos. O Oriente, por tradição, abrigava as forças desconhecidas e era lar dos conhecimentos ocultos.
DEUSES OLÍMPICOS: Eram menos requisitados nas práticas mágicas por representarem as forças da ordem.
HERMES: Podia entrar e sair do submundo sem impedimentos. Por essa característica limiar era o mais evocado nos defixiones. Além de ser mensageiro, tinha a função de carregar as almas para o mundo dos mortos.
TEMPLO: (adoração) A forma oficial de religião da Grécia antiga. Por meio da adoração, buscava-se a graça dos deuses através de pedidos e sacrifícios.
CARONTE: O barqueiro tinha a função de levar as almas para o mundo dos mortos. Mas se o falecido não tivesse uma moeda para pagá-lo esperava a carona por um século.
HADES: O chefão do submundo aparecia em muitas inscrições de maldição, auxiliado por cérbero, o cão tricéfalo.
DEFIXIONES: (magia) Essas práticas buscavam uma intervenção na realidade. Eram voltadas para fazer mal aos indivíduos, principalmente aprisionando-os e imobilizando-os na Terra.
DAIMEONS (demônios): Os espíritos menores levavam os pedidos dos mortais aos deuses do subterrâneo e às vezes cumpriam, eles mesmos, a tarefa.
MAGOS: Foram uma importante casta sacerdotal no império persa. Seus conhecimentos ritualísticos e astrológicos transformaram o nome em sinônimo de feiticeiro.
PERSÉFONE: A rainha dos mortos era tão poderosa que mesmo pronunciar seu nome podia trazer desgraça.
HÉCATE: Deusa três em um, era muito procurada por seu poder tendo se tornado a entidade preferida da magia negra. Possuía um caráter múltiplo e agia no mar, na terra e no céu.
MEDÉIA: A personagem mitológica simbolizava o poder irracional intrínseco ao Oriente e às mulheres, que contrastava com o racionalismo do homem grego.
A partir do momento em que decide agir, mesmo sabendo dos riscos, cabia ao solicitante buscar o conhecimento de um especialista, o magus-feiticeiro, que tinha por objetivo demonstrar toda a sua capacidade de realização, pois o sucesso na empreitada significava prestigio, respeito, sucesso e algum retorno financeiro. Entretanto, ao atender o desejo de levar à morte um inimigo do solicitante, o magus acreditava adquirir mais poder diante da possibilidade de ter a sua disposição e ordem as almas de indivíduos que seriam mortos antes do tempo determinado pelas Moiras/Parcas/Destino.
LÂMINAS DO SUBTERRÂNEO
A magia para fazer mal ao inimigo foi identificada por Platão, nas Leis, como katadesmos ou defixiones. O nome deriva do verbo katadeo que significa amarrar, prender, imobilizar alguém embaixo da terra. O termo tece aproximações no sentido de afundar, enterrar, ocultar e tem como equivalente no latim a palavra defixio, ou seja, fixar embaixo junto ao mundo dos mortos. As duas palavras nomeiam as finas lâminas de chumbo que circularam no universo do Mediterrâneo grego e romano do séc. V a.C. até o VI d.C. O uso das lâminas de chumbo para prejudicar o inimigo resistiram às mudanças de contexto sociocultural de Atenas como a consolidação do regime democrático, ultrapassou o período de crise da forma de governo democrático com as investidas da realeza de Alexandre da Macedônia e a subordinação ao Império Romano.
CARTA PARA O ALÉM Os deuses evocados nas lâminas são Hecate, Hermes, Perséfones, Hades, Cérberos. Todos pertencem ao mundo subterrâneo e têm o epíteto de ctônios cuja função é deter e manter no mundo dos mortos os inimigos. A única divindade ausente nas lâminas é Caronte que nunca é mencionado.
Várias lâminas de chumbo foram encontradas em cemitérios, nos santuários, em poços d`água e nos leitos de rios em Atenas. A incidência maior e mais documentada é o Cemitério do Kerameikos, em Atenas, atravessado pelo rio Eridanos, cujas escavações estão sob a responsabilidade do Instituto Alemão de Arqueologia, o German Archaeological Institute in Athenas.
"Não procure GANHOS INJUSTOS; eles são EQUIVALENTES AO DESASTRE."
Hesíodo, Os Trabalhos & os Dias
As lâminas de chumbo identificadas também como tabletes de imprecação apontam para uma diversidade de modelos de fórmulas mágicas inscritas nas superfícies dos defixione, tais como maldições contra testemunhos de processos judiciais, imprecações contra atividades comerciais, contra adversários de disputas atléticas e solicitação para eliminar um rival envolvido em triângulo amoroso. Os arqueólogos alemães e ingleses identificam o total de 2500 lâminas de chumbo com maldições espalhadas por diferentes museus públicos e coleções privadas da Europa. Deste total, apenas 600 foram identificadas e catalogadas. No Brasil, o Núcleo de Estudos da Antiguidade/UERJ detém as cópias de 250 lâminas em processo de tradução para uma futura publicação.
A magia de fazer mal ao inimigo manteve o ato de enterrar objetos nos túmulos, como unhas e cabelos da vítima amaldiçoada
As inscrições presentes na superfície das lâminas são conhecidas desde o século XIX; começaram com o filólogo Albrecht Dieterich que lançou a idéia de reunir todos os papiros com as maldições, porém o trabalho só foi concluído pelo seu aluno Richard Wünsch. As publicações com as últimas descobertas estão no livro de D.R.Jordan em 1985 e Maria A. Jimeno em 1999, ambos ainda não traduzidos para o português.
Os arqueólogos destacam as dificuldades de manuseio das lâminas de chumbo pelo fato de a grande maioria ter sido encontrada enrolada e depositada em locais úmidos como sepulturas, leito de rios e poços de água. Estes locais de assentamento foram escolhidos devido ao contato direto com o mundo dos seres e das potências subterrâneas.
Para ter acesso à inscrição na superfície da lâmina é necessária a aplicação de um tratamento químico visando à remoção dos resíduos e muito cuidado ao desenrolar o frágil artefato que, por vezes, está transpassado por um prego denominado de passalos. As inscrições nas lâminas não permitem a identificação do autor da maldição, mas deixam transparecer qual o prejuízo que se desejava ao inimigo. Às vezes o nome do inimigo estava escrito com letras inversas visando atrasar sua vida. Em relação aos seres sobrenaturais, o nome do oponente estava endereçado a divindades como Persefones, Hermes, Hécate e Cérbero como forma de manter a vítima presa no mundo dos mortos.
A magia de fazer mal ao inimigo através das finas lâminas de chumbo, manteve- se através dos tempos, permanecendo como características o ato de enterrar objetos nos túmulos, como figuras humanas feitas de chumbo junto a pedaços de vestuário, unhas, cabelos da vítima a ser amaldiçoada. A prática nos remete à possibilidade de comparação da magia dos gregos com o Candomblé da Bahia, Cuba, Caribe com as suas práticas de rituais vodu, e as divindades teriam atributos semelhantes tais como Hermes/ Exú, Hécate/Pomba-Gira e Hades/Zé Pilintra, assim como os vestígios arqueológicos de rituais de sacrifícios, entendidos como despachos realizados nas encruzilhadas e nos cemitérios; se superarmos os preconceitos, podemos estabelecer mais similitudes do que diferenças.
O APRENDIZ DE FEITICEIRO
A lâmina de chumbo identificada como praga contra processo judicial do IV séc. a.C, de inventário n° 14470 do Museu Nacional de Atenas, cuja inscrição diz " enterro Kalistratos e os sinégoros dele..... a todos enterro" nos indica que o cidadão Kalistratos estava movendo um processo no tribunal contra alguém. A vítima reage fazendo uso de meio extralegal da magia como um recurso que o auxilie e garanta a sua vitória. O usuário da magia e o magus/feiticeiro colocam o nome do acusador e mencionam os sinégoros que seriam as pessoas que receberam algum recurso financeiro para auxiliarem Kalistratos na disputa. O solicitante e inimigo de Kalistratos tem por objetivo garantir sua própria vitória e impedir o sucesso do pleito levado ao tribunal.
EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO O antropólogo inglês Sir James Frazer no livro Ramo de Ouro afirmava
ser a magia uma superstição, vestígio de religião muito antiga. Outros defendiam ser uma forma
degenerada da religião cívica dos atenienses. Pesquisadores do século XVIII , como Emile Durkheim, consideram que a magia integravam um processo evolutivo do qual seria o primeiro estágio; a religião comportava a etapa seguinte, desacreditando o pensamento mágico e preparando o espaço para a razão e o pensamento científico da modernidade.
Outros artefatos de chumbo que caracterizam ter um envolvimento jurídico evidenciam que junto ao nome da vítima, o solicitante coloca grafado na lâmina as partes do corpo do inimigo: a língua visava impedir o acusador de usar da palavra de acusação ou defesa diante dos jurados; a exigência de paralisar os pés e as mãos tinha por objetivo impedir a vítima de chegar até o tribunal e impedir a sua capacidade de escrever ou pegar o discurso a ser proferido diante do júri a seu favor.
Fica evidente que ser feiticeiro no V século a.C. em Atenas era uma profissão de risco e um dos prérequisitos era saber ler e escrever. As inscrições nas lâminas de chumbo apresentam diferentes maneiras de usar a escrita que podia ser do tipo boustrofondo, procedimento muito próximo ao ato de arar o campo em sulcos alternados indo da esquerda para a direita, retornando em direção oposta quando a letra ficava voltada para o lado contrário; havia o retrógrado que se refere ao ato de escrever de cima para baixo e a opistográfica na qual se escrevia no lado da frente e no anverso da lâmina de chumbo.
Foram encontradas inscrições nas lâminas contra as atividades e ofícios no qual o solicitante ora exige que a maldição atinja a residência e destrua a família do adversário ora pede aos seres sobrenaturais que deixem a vítima inerte, agindo como um ser sem vida, um morto vivo. Tal imobilidade fatalmente traria a ruína aos seus negócios. Não podemos esquecer que o praticante da magia dos defixiones é alguém se sentindo ameaçado, que teme perder algo de valor. Como solução busca forças alternativas no poder da magia para fazer valer o que considera seu por direito, independente de preceitos éticos e da lei que rege a comunidade à qual pertence.
Leituras da História
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