4 de setembro de 2012

Um imperador brasileiro em Paris


Por seis meses, Dom Pedro I conspirou e foi celebridade na França



Entre a abdicação de um trono – no Brasil – e a recuperação de outro – em Portugal –, o primeiro imperador brasileiro, Dom Pedro I, passou seis meses em Paris. Viveu dias de conspirações políticas e bélicas, além de muita badalação. Esse curto período de sua biografia, até agora ausente dos livros de história, foi alvo da pesquisa da historiadora e cientista política Isabel Lustosa e será contado em livro no ano que vem. Durante o primeiro semestre, ela viveu em Paris percorrendo bibliotecas e universidades. Biógrafa de Dom Pedro, Isabel se surpreendeu com a importância dada a ele na Europa, tanto social como politicamente. “Ele foi visto como um monarca à frente de seu tempo: charmoso, amante das artes, vindo de uma América selvagem e defensor do liberalismo”, afirma Isabel. “Foi essencial para os opositores do absolutismo que tomava conta da Europa naquele momento.”


De julho de 1831, quando desembarcou na França, até sua partida, em janeiro de 1832, não houve um só dia em que Dom Pedro, sua mulher, a princesa Amélia (neta de Napoleão), e a filha Maria da Glória não ganhassem registro nos jornais. “Ontem, em Neuilly, o rei, a rainha, os príncipes e princesas, Dom Pedro e sua família fizeram um passeio de barco pelo Sena. Os músicos do 62o regimento, fardados, tocaram sinfonias durante todo o passeio e também durante o jantar”, dizia o jornal La France Nouvelle, em 2 de setembro de 1831. O rei francês Luís Felipe, colocado no trono após a revolução liberal de 1830, tomou o ex-imperador como companheiro. Interessava aos políticos da situação a força do monarca que libertara o Brasil e criara uma Constituição para o novo país – e ainda tentava libertar o trono português do irmão tirano, Dom Miguel.
Por onde passava, Dom Pedro era saudado por multidões. Sua informalidade, cunhada nos trópicos em que vivera desde os 9 anos, agradava. Trocou um castelo distante, cedido pelo rei a sua família, por uma casa burguesa na Rue Courcelle, próximo ao centro de Paris. Preferia o “tu”, tratamento informal, ao respeitoso “vous”. Conversava com empregados e soldados. Seu colóquio com um marinheiro, a quem contou sobre a gravidez de sua mulher, foi registrado como curiosidade pela imprensa. Tal estado feminino não deveria ser comentado com estranhos, dizia a etiqueta daquele tempo. O nascimento da princesinha Maria Amélia foi noticiado como grande acontecimento social. Nem tudo, claro, era elogio. Suas composições musicais, apresentadas no Teatro dos Italianos, foram bombardeadas pelo jornal La Mode: “O imperador do Brasil faria melhor indo expulsar seu sanguinário irmão do trono de Portugal do que expulsar com sua música os pacatos frequentadores da ópera”.
A curiosidade que cercava Dom Pedro só não era maior que as contradições, diz Isabel.“Ele se aproximou dos liberais franceses, mas foi por pressão dos liberais brasileiros que acabou abdicando do trono”, afirma. “Aqui no Brasil, não se tolerou um monarca que não aplicava a Constituição que ele próprio aprovara e estava mais preocupado com a sucessão do trono português do que com as questões do país que governava.” O panorama político desfavorável levou Dom Pedro a abdicar do trono no Brasil, em favor do filho.

Findo o período de fama e festejos em Paris, Dom Pedro partiu para a reconquista de Portugal. O gosto pelas badalações não impediu que, entre jogos de bilhar com a nobreza local e passeios com a família no Jardim das Tulherias, ele fizesse contatos e arrecadasse recursos para a batalha. Venceu a guerra em Portugal, mas em 1834, meses depois de recolocar no trono a filha Maria da Glória, de 15 anos (em favor de quem abdicara), morreu aos 36 anos – de tuberculose ou algum câncer, nunca se soube ao certo. “No fim da vida, ele construiu na Europa uma imagem bem diferente daquela com que partira do Brasil”, diz Isabel. “O período parisiense reforça a importância desse personagem de vida tão rica.”